Alvo de uma guerra judicial desde 2011, o Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família de Porto Alegre (Imesf) está com os dias contados. Até o fim deste mês, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a prefeitura da Capital terá de extinguir o órgão, demitir seus 1.840 funcionários, entre médicos, enfermeiros e agentes comunitários, e assegurar a continuidade do serviço.
Preocupado com a repercussão, o prefeito Nelson Marchezan garante que a população não terá prejuízos e promete aproveitar a situação para promover melhorias no atendimento — o que, segundo ele, incluirá a criação de novas Clínicas da Família (há apenas uma em atividade) e o fechamento de postos "sem condições mínimas de funcionamento".
Hoje, todas as 264 equipes de Saúde da Família do município contam com profissionais do Imesf. Dos 140 postos existentes na cidade, 77 são administrados exclusivamente pelo instituto, objeto de disputa jurídica há oito anos.
Os embates tiveram início em dezembro de 2011, quando a Associação Brasileira em Defesa dos Usuários de Sistemas de Saúde (Abrasus) e outras 16 entidades sindicais e de classe entraram na Justiça. O grupo questionou a validade da lei que autorizou a criação do Imesf, sancionada na gestão de José Fortunati com o objetivo de tornar mais eficientes a gestão e a contratação das equipes.
Após idas e vindas nos tribunais (veja os detalhes no quadro abaixo), a 1ª Turma do STF concluiu, na última quinta-feira (12), que a norma é inconstitucional. Como não há mais possibilidade de recurso, assim que a prefeitura for notificada — o que deve ocorrer em pelo menos 10 dias —, será obrigada a fechar o Imesf, dar baixa ao CNPJ e emitir aviso prévio para a demissão de todo o quadro funcional.
Prefeito promete ampliar e melhorar serviço
A par dos desdobramentos do caso desde que assumiu o cargo, em 2017, Marchezan afirma que a prefeitura já vinha preparando um plano para superar o problema e promover mudanças na atenção primária à saúde, "fazendo do limão uma limonada". Os detalhes foram apresentados em entrevista coletiva nesta terça-feira (17), no Paço Municipal.
A situação está sob controle. Está tudo mapeado. Vamos ampliar e qualificar os serviços.
NELSON MARCHEZAN
prefeito de Porto Alegre
— Quando cheguei à prefeitura, a Procuradoria-Geral do Município me disse que havia o risco de perdermos o processo. Então fomos nos preparando para lidar com isso. Minha preocupação, agora, é tranquilizar a população, mesmo que os sindicatos tentem criar pânico. A situação está sob controle. Está tudo mapeado. Vamos ampliar e qualificar os serviços — diz Marchezan.
Duas saídas estão definidas e serão postas em prática com o lançamento de dois editais. O primeiro, projetado para os próximos dias, será emergencial, para garantir que as vagas sejam preenchidas o mais rápido possível, por meio de parceria com uma Organização da Sociedade Civil, a exemplo do que ocorre no setor hospitalar. A entidade vencedora ficará responsável pela contratação de pessoal.
— O que vai ser aplicado é o método que já usamos na atenção terciária (nos hospitais) e que tem dado muito certo. Isso nos dá segurança de que vai funcionar — avalia Diane Moreira do Nascimento, coordenadora da Atenção Primária.
A etapa seguinte, segundo o secretário municipal da Saúde, Pablo Stürmer, está prevista para 2020 e envolverá o lançamento de edital de contratualização para gerenciamento e operação das unidades. A organização que assumir o serviço terá de estender horários de funcionamento, ampliar procedimentos médicos, de enfermagem e odontológicos e oferecer consultas farmacêuticas para orientação sobre o uso de medicamentos, entre outras incumbências.
— Com a contratualização, vamos melhorar os serviços prestados — garante Stürmer.
Postos sem condições estruturais serão fechados
A mudança proposta pela prefeitura envolverá, também, o fechamento de postos com problemas estruturais. Conforme levantamento da Secretaria Municipal da Saúde, 40% das 140 unidades de Porto Alegre têm situação "ruim ou péssima".
— Visitamos um posto diferente todas as sextas-feiras. Há locais sem condições sanitárias mínimas para realizar atividades, com esgoto a céu aberto, que inclusive dificultam a contratação de médicos. A situação é tão complicada que muitos não podem nem fazer pontos nos pacientes — diz o secretário-adjunto da Saúde, Natan Katz.
Ainda não foi definida, segundo a pasta, a lista de unidades que terão as portas cerradas, mas o prefeito Nelson Marchezan confirma a medida, mesmo sabendo que enfrentará críticas.
— Todas as unidades sem condição mínima de funcionar serão fechadas, mas as pessoas não vão ficar sem médico. Teremos um número maior de equipes — afirma o prefeito.
Histórico
- Em 2011, lei municipal sancionada pelo então prefeito José Fortunati autorizou a prefeitura da Capital a criar o Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família de Porto Alegre (Imesf).
- Conforme a norma, o Imesf é uma fundação pública de direito privado, sem fins lucrativos, "com atuação exclusiva no âmbito da Estratégia de Saúde da Família (ESF) de Porto Alegre", pelo SUS.
- Tem autonomia gerencial, patrimonial, orçamentária e financeira e passou a integrar a administração indireta do município.
Números
1.840 profissionais são vinculados ao Imesf. Entre eles:
- 73 médicos
- 864 agentes comunitários ou de combate a endemias
- 376 técnicos em enfermagem
- 247 enfermeiros
- 100 cirurgiões dentistas
- 133 auxiliares e técnicos de saúde bucal
O Imesf fornece profissionais para todas as 264 equipes de Saúde da Família da Capital. Das 140 unidades básicas de Porto Alegre, 77 são exclusivas do Imesf e contam com 158 equipes. O instituto possibilitou a ampliação da cobertura do programa de 24% para 54% da população, de 2012 para cá.
Guerra judicial
- Em 2011, a Associação Brasileira em Defesa dos Usuários de Sistemas de Saúde (Abrasus) e outras 16 entidades sindicais e de classe entraram na Justiça alegando a inconstitucionalidade da lei que criou o Imesf.
- Em junho de 2013, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ) julgou a norma inconstitucional, sob o argumento de que a prestação de serviço de saúde é dever municipal e não pode ser transferida de forma integral a uma entidade de direito privado.
- A prefeitura de Porto Alegre recorreu da decisão, alegando que os serviços terceirizados seriam usados apenas para descentralizar a execução da Estratégia de Saúde da Família e advertindo para os riscos da interrupção.
- Em outubro de 2014, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber concedeu liminar garantindo o funcionamento do Imesf até que o mérito da questão fosse julgado na Corte.
- No último dia 12 de setembro, a 1º Turma do STF concluiu o julgamento e decidiu pela inconstitucionalidade da lei. Não há possibilidade de recurso por parte da prefeitura.
O que acontece agora?
Com a decisão do STF, a lei que criou o Imesf perde validade e, consequentemente, o órgão será extinto. Os 1.840 funcionários do Imesf terão de ser desligados. Eles receberão aviso prévio, assim que a prefeitura for notificada, o que deve ocorrer em pelo menos 10 dias. Para evitar prejuízos à população, a prefeitura terá de assegurar a continuidade dos servidores prestados de outra forma.
Duas saídas estão definidas e serão postas em prática com o lançamento de dois editais:
1. Saída emergencial
- Ainda nesta semana, a prefeitura lançará edital emergencial para que uma Organização da Sociedade Civil (entidade privada sem fins lucrativos) forneça profissionais para suprir as vagas abertas. Esse tipo de parceria já ocorre no setor hospitalar.
- A previsão é de que os profissionais iniciem as atividades em, no máximo, 60 dias.
- Como a prefeitura deve ser notificada pelo STF em pelo menos 10 dias e, depois disso, os atuais profissionais ainda seguirão trabalhando por mais 30 dias, a Secretaria Municipal da Saúde espera conseguir suprir a maior parte das vagas em tempo hábil.
- A operação terá duração de até seis meses após o início das atividades.
2. Saída definitiva
- Em paralelo, a prefeitura prepara outro edital, com impacto a partir de 2020.
- Esse edital fará o chamamento público de contratualização para gerenciamento e operação das unidades de saúde, também em parceria com Organização da Sociedade Civil.
- O plano é que o município ofereça novas Clínicas da Família, que oferecem mais serviços do que os postos comuns, e quatro novas unidades funcionando até as 22 horas.
- A organização que assumir o serviço terá, entre outras exigências, de: estender o horário de funcionamento dos postos (para as 20h e as 22h), ampliar os procedimentos médicos, de enfermagem e odontológicos (suturas, cuidados voltados a pequenas lesões, etc.), contratar farmacêuticos (que possam, por exemplo, orientar o uso de medicamentos), oferecer coleta de exames e criar o cargo de gerente para tarefas administrativas (liberando os enfermeiros para o atendimento ao público).
- O processo, segundo a Secretaria Municipal da Saúde, envolverá o fechamento de unidades em más condições. Os detalhes ainda não estão definidos.