Para quem depende do Sistema Único de Saúde (SUS), ser encaminhado para atendimento com um especialista nem sempre é sinônimo de alívio para os sintomas. Isso porque o tempo entre o pedido de consulta e o atendimento com o profissional é incerto. Em Porto Alegre, não é diferente.
Na tentativa de amenizar essa espera, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), numa ação iniciada no final de 2017, resolveu trabalhar nos principais gargalos de atendimento no sistema de saúde da Capital. E segundo dados disponibilizados pela SMS, a fila do SUS da Capital, que acumulava 88.092 solicitações de consultas especializadas em espera na metade de 2018, fechou junho deste ano com 52.265 solicitações — uma redução de 40,6%.
Os efeitos podem ser vistos em algumas áreas essenciais, como a ortopedia geral adulto, por exemplo. Na metade do ano passado, o tempo médio de espera por uma consulta nesta especialidade era de três anos e um mês. Em junho de 2019, esse tempo caiu para cerca de oito meses. Porém, a prefeitura ainda pretende amenizar mais a situação. Segundo a pasta, o tempo médio ideal para espera por atendimento é de até três meses para casos gerais e até um mês para casos prioritários. Conforme a lista da SMS, a Capital atende, atualmente, 166 especialidades. Na tabela de junho deste ano, o tempo de espera idealizado pela prefeitura estava sendo cumprido em 115 especialidades, em casos gerais, e nos casos prioritários, em 121 especialidades.
Mesmo com o trabalho iniciado em 2017, como os números são altos, as ações demoraram para surtir efeito. Mas, para se ter ideia de como a queda é relevante, basta comparar os dados com o período de junho de 2017 à junho de 2018, quando a fila reduziu apenas 0,9% — queda de apenas 880 solicitações.
Três pilares
Mas, como foi possível diminuir, em um ano, uma fila que se manteve praticamente estável no ano anterior? Secretário adjunto da Saúde municipal, Natan Katz diz que a prefeitura trabalhou com três pilares: o aumento na oferta de consultas, o aprimoramento do sistema de regulação — com a colocação de todas as demandas na mesma plataforma — e o uso intenso do teleatendimento, uma espécie de atendimento a distância que pode ser feito no próprio posto de saúde, quando o clínico geral contata um especialista do programa Telessaúde, criado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e sem custo para o município.
Natan avalia com bons olhos a redução na fila, mas alerta que é importante lembrar que ela nunca termina, pois o número de solicitações não é fixo. Diariamente, clínicos e médicos de família que atendem na rede básica da cidade colocam novos pedidos no sistema. Entretanto, o tratamento diferenciado destes pedidos é que tem agilizado os atendimentos.
— O sistema criado pelo município centraliza todos as requisições num mesmo ambiente. Anteriormente, a demora já estava no tempo entre a entrada do encaminhamento no sistema e a visualização dele pela secretaria. Agora, a gente trabalha focado em responder essas solicitações os mais rápido possível, entendo a necessidade do paciente — explica Natan.
Basicamente, o sistema funcionava do seguinte modo: o paciente ia ao posto de saúde e, quando necessário, era encaminhado pelo médico para uma especialidade, formando a fila. Agora, quando o médico faz o encaminhamento, médicos da prefeitura ou do programa Regula Mais Brasil, do Ministério da Saúde, analisam a solicitação e respondem ao profissional da atenção básica. Este programa tem a parceria de profissionais do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, que tem prestado consultoria na regulação da Capital.
— Com isso, muitos casos começaram a ser resolvidos na própria unidade básica, pois a nossa regulação pode recomendar o uso do Telessaúde. Além disso, com os prontuários todos no mesmo sistema, a fila se tornou única. Antes disso, algumas áreas da atenção especializada ainda tinham seus prontuários em papel, o que gerava demora ainda maior – recorda o secretário adjunto.
Hospital Independência é símbolo da mudança
Fruto de um convênio entre a prefeitura e a rede de saúde Divina Providência, o Hospital Independência atende apenas pacientes do SUS. Menina dos olhos da operação para diminuir a fila da saúde pública na Capital, a instituição é focada em atendimentos de ortopedia e traumatologia. Para atacar estas especialidades, que estavam acumulando solicitações na fila, a prefeitura abriu um ambulatório de ortopedia geral na instituição no início do ano passado.
Conforme o diretor-técnico da rede Divina Providência, Angelo Chaves, são realizadas cerca de 720 consultas por mês. Além disso, ainda são recebidas mais outras cerca de 700 demandas em atendimentos ortopédicos especializados em áreas do corpo, como mão, ombro e coluna.
— Também temos entre 300 e 350 cirurgias por mês, tanto em ortopedia quanto em traumatologia. Nos últimos três anos, fomos o hospital do Estado que mais fez este tipo de procedimento — explica Angelo.
Circulando pelos corredores do Hospital Independência, somente os adesivos do SUS colados em alguns paredes o diferenciam de um hospital privado. E os próprios pacientes sentem isso. A técnica de enfermagem aposentada Deneci Ramos, 61 anos, por exemplo, nem se incomoda em vir do bairro Hípica, na Zona Sul, para consultar no local, na Zona Leste. Deneci, aliás, demorou quatro anos para conseguir sua primeira consulta com ortopedista especializado em coluna. Para o segundo atendimento, foram mais oito meses. Agora, no terceiro, o prazo caiu mais um pouco: seis meses de espera.
— Estou sentindo que estão chamando mais rápido. Também estava na fila do SUS para fazer uma cirurgia de catarata, e fiquei impressionada, pois me chamaram em pouco mais de um mês — cita ela.
Em janeiro deste ano, durante uma partida de futebol, o garçom Albertini Junior, 24 anos, lesionou-se. Ele machucou o ligamento cruzado anterior do joelho direito. Ao procurar o Hospital de Pronto-Socorro, o morador do bairro Lomba do Pinheiro foi informado de que entraria na fila para cirurgia. Ele foi operado no Independência na quarta-feira, dia 7.
— Estava acompanhando o tempo médio de espera pelo aplicativo da prefeitura. Achei que até ia demorar mais, acho que dei sorte — comemora ele.
Apesar da redução nas demandas, alguns gargalos ainda incomodam pacientes que dependem do SUS. Entre os problemas mais relevantes estão a solicitação de cirurgia de obesidade mórbida (a redução do estômago), cujo tempo médio de espera para atendimento é de 662 dias, da especialidade de reabilitação auditiva (que, na maioria dos casos, é a entrega de aparelho auditivo ao paciente) — com 1.038 dias de espera, em média —, e a solicitação de polissonografia, um exame capaz de detectar apneia do sono, para o qual é preciso esperar 831 dias. As três especialidades ainda têm tempo de espera elevado, além de um número de pacientes na fila de espera bem superior a demanda capaz de ser atendida.
Segundo o secretário adjunto, isso ocorre em casos nos quais os atendimentos são mais específicos. Natan explica que a prefeitura buscou atuar "dos problemas macro em direção ao micro":
— Urologia também é uma especialidade que estamos trabalhando em cima. A fila deve diminuir nos próximos seis meses. A reabilitação auditiva é mais difícil, mas estamos tentando um novo serviço que atue essa demanda. A gente gostaria de poder resolver tudo nessa gestão, mas não sei se vamos conseguir.