Registrado sob o número 700004553820 no Cadastro Nacional de Presos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa neste domingo (7) um ano encarcerado em uma sala de 15 metros quadrados na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba.
Presidiário mais notório do país, o petista perdeu a liberdade, mas não a atuação política. Nos últimos 12 meses, foi pré-candidato à Presidência da República, mentor da estratégia eleitoral do PT e principal articulador da oposição partidária ao governo de Jair Bolsonaro.
A reclusão, contudo, fez de Lula um homem solitário. A despeito das visitas diárias dos advogados, ele só pode receber a família às quintas-feiras. E foi justamente a perda de dois entes queridos que mais abalaram o cotidiano do ex-presidente na prisão.
Confira abaixo, mês a mês, os principais acontecimentos que marcaram a rotina de Lula na cadeia.
Abril de 2018
A prisão
São 17h50min10s de quinta-feira, 5 de abril, quando o então juiz Sergio Moro coloca ponto final no mandado de prisão de Lula, concedendo 24 horas para o ex-presidente se apresentar em Curitiba.
Tão logo é informado da decisão, Lula ruma ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP), onde recebe dezenas de aliados políticos. Quando o prazo de Moro se esgota, a Polícia Federal (PF) tem 30 homens do Comando de Operações Táticas prontos para invadir a entidade. Vence o bom senso e as negociações avançam, com o petista concordando em se entregar na tarde de sábado (7). Após muito tumulto, ele deixa o prédio e embarca para Curitiba. Somente às 22h28min de 7 de abril ele enfim desce as escadas do terraço da PF até a cela improvisada no quarto andar do prédio.
Maio de 2018
A primeira derrota
O primeiro mês de Lula na cadeia culmina com uma derrota judicial eloquente. Em 10 de maio, por unanimidade, os cinco ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal negam o pedido de liberdade feito pela defesa.
Lula já havia tido um pedido negado antes, mas era uma decisão monocrática do relator da Lava-Jato na Corte, Edson Fachin. O petista tinha esperança de que, num julgamento colegiado, os ministros declarassem ilegal sua prisão. A derrota por cinco votos a zero enterra o otimismo do ex-presidente, que já demonstra irritação com as restrições da clausura, como a solidão, a falta de exercícios e o excesso de programas religiosos na TV aberta.
Junho de 2018
O pré-candidato preso
Com Lula encarcerado numa sala de 15 metros quadrados em Curitiba, o PT lança em Contagem (MG) sua pré-candidatura à Presidência da República. Um vídeo apresenta a plataforma da campanha, sob o mote "chama que o homem dá jeito". Lula envia uma carta aos correligionários, na qual diz sonhar em ser "o presidente de um país em que o julgador preste mais atenção à Constituição e menos às manchetes dos jornais".
No fim do mês, a Segunda Turma do STF, por três votos a um, concede liberdade a José Dirceu, já condenado em segunda instância. A decisão renova as esperanças de Lula, mas dias depois o ministro Alexandre de Moraes nega novo pedido de soltura do ex-presidente.
Julho de 2018
O prende e solta
A calmaria dos domingos foi desfeita às 9h05min de 8 de julho, quando o desembargador plantonista no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), Rogério Favreto, surpreende o país ao conceder habeas corpus a Lula.
O pedido havia sido feito na noite de sexta-feira (6) por dois deputados do PT, 32 minutos após o início do plantão de Favreto, ex-filiado ao partido. Na decisão, ele chama de "ilegal e inconstitucional" a prisão de Lula e ordena a soltura imediata. O país acompanha atordoado uma guerra de decisões judiciais, com um prende e solta protagonizado por Sergio Moro, dois desembargadores e o presidente do TRF4, Carlos Eduardo Thompson Flores. Só no início da noite, Flores encerra a discussão, ao manter Lula preso.
Agosto de 2018
O fim da candidatura
No mesmo dia em que Lula inaugura a propaganda eleitoral do PT no rádio e na TV, 31 de agosto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sepulta sua candidatura à Presidência da República. Por seis votos a um, os ministros entendem que a Lei da Ficha Limpa impede o petista de disputar eleição.
No total, Lula respondia a 17 processos na Corte, todos questionando sua candidatura após condenação por órgão colegiado e por crime contra a administração pública. O ex-presidente passara o mês fazendo da cela um escritório político, ao receber lideranças partidárias e articular a estratégia eleitoral do PT. A decisão do TSE leva Lula a colocar Fernando Haddad como cabeça de chapa e a então pré-candidata do PCdoB Manuela D'Ávila como vice.
Setembro de 2018
A facada em Bolsonaro
Com Lula preso e fora da corrida eleitoral, Jair Bolsonaro sedimenta a liderança nas pesquisas e atrai multidões Brasil afora. A beligerância da campanha ganha tons inéditos em 6 de setembro, quando o candidato é esfaqueado em Juiz de Fora (MG).
Na sede da Polícia Federal em Curitiba, Lula acompanha os desdobramentos do ataque. O petista considera que o atentado irá aumentar a exposição de Bolsonaro, mas não será determinante a ponto de decidir a eleição. Oficializado candidato em 17 de setembro, Fernando Haddad segue orientação de Lula e acirra as críticas a Bolsonaro, mas o candidato só recebe alta em 29 de setembro, uma semana antes do primeiro turno.
Outubro de 2018
A derrota nas urnas
Pela primeira vez em 16 anos, Lula perde uma eleição presidencial. Com 55% dos votos, Jair Bolsonaro vence Fernando Haddad no segundo turno, numa disputa marcada por um forte antipetismo manifestado nas urnas. Lula recebe a derrota com tranquilidade e pede calma ao partido.
Para o ex-presidente, o PT precisa se reconectar com as periferias e firmar forte oposição ao futuro governo, escorado na eleição de 56 deputados, a maior bancada da Câmara. O petista, porém, reconhece que o resultado complica ainda mais sua situação a partir da onda conservadora que emergiu das urnas. Esse cenário, diz Lula, pode inibir os tribunais superiores no julgamento de seus pedidos de liberdade.
Novembro de 2018
O confronto com a juíza
Jair Bolsonaro começa a montar o ministério e um dos primeiros nomes a ser anunciado é o do juiz Sergio Moro para a pasta da Justiça. Em Curitiba, Lula esbraveja e orienta seus advogados a insistirem na tese da suspeição do magistrado nos seus processos.
A migração para a política, sustenta Lula, comprova que o juiz o tratava como inimigo. Duas semanas depois, o petista volta à 13ª Vara Federal de Curitiba, desta vez para prestar depoimento no processo do sítio de Atibaia. Logo no início , Lula se desentendeu com a substituta de Moro, a juíza Gabriela Hardt.
— Senhor ex-presidente, isso é um interrogatório e, se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema — reagiu Gabriela.
Dezembro de 2018
Mais um prende e solta
Uma hora antes de o STF entrar em recesso, em 19 de dezembro, o ministro Marco Aurélio Mello concede liminar ao PCdoB, determinando soltura de todos os condenados em segunda instância que têm recurso pendente. Crítico da execução provisória das penas, Marco Aurélio contraria jurisprudência e causa um terremoto político. Beneficiado pela medida, Lula ingressa com pedido de liberdade 48 minutos após a decisão.
Pela primeira vez, ele acredita ter chance real de deixar a cadeia. A juíza Carolina Lebbos, responsável pelas penas da Lava-Jato, tenta ganhar tempo ouvindo o Ministério Público Federal. Com militantes petistas exigindo sua liberdade em frente à Polícia Federal de Curitiba e ativistas contra Lula protestando em frente ao STF, o presidente da Corte, Dias Toffoli, cassa a liminar, mantendo Lula preso.
Janeiro de 2019
A morte de Vavá
Convalescendo de um câncer, Genival Inácio da Silva, o Vavá, um dos irmãos de Lula, morre em São Paulo aos 79 anos, em 29 de janeiro. Começa uma batalha jurídica para que Lula possa acompanhar o velório e o enterro do irmão.
Baseada em manifestações da PF e do Ministério Público Federal, a juíza Carolina Lebbos nega o primeiro pedido da defesa. Embora a Lei de Execução Penal preveja o benefício, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) também rejeita o pedido. Somente no dia seguinte à morte de Vavá o STF responde à defesa. A decisão do presidente da Corte, Dias Toffoli, liberando Lula, surge 10 minutos antes do sepultamento. Indignado e sem tempo hábil de comparecer, Lula decide não sair da prisão.
Fevereiro de 2019
A segunda condenação
Menos de três meses após prestar depoimento no processo do sítio de Atibaia e dois dias antes de o Tribunal Regional Federal da 4ª Região anunciar o substituto definitivo de Sergio Moro na 13ª Vara Federal da Curitiba, Lula recebe a segunda condenação.
Considerado culpado dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, ele foi sentenciado pela juíza Gabriela Hardt a 12 anos e 11 meses de prisão. Somados à pena pelo triplex de Guarujá, o petista acumula 25 anos de cadeia. A decisão já era esperada por Lula, que se assustou com a rispidez da magistrada durante seu depoimento. A segunda condenação piora o ambiente político para o petista, mas não muda a situação jurídica, pois só há acúmulo das penas após o caso ser julgado em segunda instância.
Março de 2019
A morte do neto
Dos 365 dias de cárcere, nenhum foi pior para Lula do que a sexta-feira, 1º de março. Seu neto, Arthur Lula da Silva, sete anos, morreu em São Bernardo do Campo, vítima de infecção generalizada. O menino era o xodó do ex-presidente. Filho de Sandro Lula da Silva, Arthur fazia a alegria do avô quando o visitava na prisão.
A notícia da morte, comunicada ao petista por um de seus advogados, fez Lula desabar. Tão logo a notícia foi confirmada, a Justiça Federal de Curitiba comunicou à PF que desta vez permitiria a saída de Lula para o velório e o enterro. Sob forte esquema de segurança, Lula partiu de Curitiba no início da manhã de sábado (2) e voltou à noite, após participar da cerimônia de sepultamento.