O depoimento de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à juíza Gabriela Hardt, sucessora de Sergio Moro nas ações penais da Operação Lava-Jato em Curitiba, começou com uma discussão entre o ex-presidente e a magistrada.
Neste processo, a força-tarefa do Ministério Público Federal acusa Lula de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por supostamente ter sido contemplado pelas empreiteiras OAS e Odebrecht e também pelo amigo pecuarista José Carlos Bumlai com um valor total de R$ 1,02 milhão para obras de reforma e melhorias do sítio Santa Bárbara, no município de Atibaia, interior de São Paulo. Lula nega ser o dono do imóvel.
Preso desde 7 de abril, o ex-presidente pela primeira vez deixou a sala especial que ocupa na sede da Polícia Federal para se deslocar, sob forte escolta, até o gabinete de Gabriela Hardt, na Justiça Federal.
— O sr. sabe do que está sendo acusado? — indagou a juíza, seguindo o rito dos interrogatórios a que são submetidos todos os réus.
— Não — respondeu secamente o petista, para, em seguida, emendar que estava disposto a responder a toda e qualquer pergunta.
— Eu sou dono do sítio ou não? — ele protestou.
— Isso é o senhor que tem que responder e não eu. E eu não estou sendo interrogada nesse momento. — ponderou Gabriela.
— Quem tem que responder é quem acusou — interrompeu Lula.
— Eu vou fazer as perguntas para que o caso seja esclarecido, para que eu possa sentenciar, ou algum colega possa sentenciá-lo — disse a magistrada.
Em um momento seguinte da audiência, Lula perguntou a juíza.
— Quando eu posso falar, doutora?
— O senhor pode falar, o senhor pode responder quando eu perguntar no começo — disse Hardt.
— Mas pelo que eu sei é meu tempo de falar — respondeu o ex-presidente.
— Não, é o tempo de responder às minhas perguntas. Eu não vou responder interrogatório nem questionamentos aqui, está claro? Está claro que eu não vou ser interrogada? — afirmou a magistrada.
— Eu não imaginei que fosse assim, doutora — disse Lula.
— Eu também não — afirmou Gabriela.
— Como eu sou vítima de uma mentira há muito tempo... — afirmou Lula.
— Eu também não imaginava, então, vamos começar com as perguntas. Eu já fiz um resumo da acusação e vou fazer perguntas. O senhor fica em silêncio ou o senhor responde — disse a juíza.
Outras discussões
Em certo momento do testemunho, quando respondia questionamentos de Cristiano Zanin, um de seus advogados, o petista voltou a criticar a apresentação elaborada pelo procurador da República Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Operação Lava-Jato. Na ocasião, o procurador afirmou que o petista é o "comandante máximo" do esquema de corrupção investigado pela Lava-Jato.
Lula disse que aquele fato despertou nele uma vontade de pedir que filiados acionassem a Justiça contra o Ministério Público Federal. A partir desse momento, ele e a juíza começaram a discutir:
— Eu quando vi o powerpoint, eu falei para o PT... eu se fosse presidente do PT pediria para que todos os filiados do PT no Brasil inteiro, prefeito, deputado... abrisse processo contra o Ministério Público para ele provar o PowerPoint — relatou Lula.
— O senhor está intimidando a acusação assim, senhor presidente. Por favor, vamos mudar o tom. O senhor está intimidando, o senhor está instigando e o senhor está intimidando a acusação e eu não vou permitir — disse a juíza, subindo o tom.
— Eu não estou intimidando. Eu estou apenas contando um fato verídico — respondeu Lula.
— O senhor não faça isso de novo. O senhor está estimulando os filiados ao partido a tumultuarem o processo e os trabalhos. Se isso acontece, o senhor será responsável — afirmou Gabriela.
— Isso já passou. Isso era há três anos atrás. Lamentavelmente não fizeram — disse Lula na sequência.
O advogado tentou interceder, mas a juíza seguiu afirmando que a postura de Lula era errada:
— Ele está instigando os filiados ao partido a tumultuarem e intimidarem o Ministério Público.
— Veja, a referência feita foi a processo judicial. Não acredito que a Justiça seja meio para instigar o Ministério Público — contrapôs Zanin.
— Mas tumultuar a Justiça sim — rebateu a magistrada.
— Aí cabe análise judicial — disse Zanin.
— Eu não acredito que a Justiça fosse meio de pressão contra o Ministério Público — continuou Zanin.
— Isso dito pela própria Justiça é grave — emendou Lula.
— Eu não estou falando que a Justiça vai deferir, mas você tumultuar a Justiça por meio de diversas ações, que vocês têm de responder, tem de contestar, tem de prestar informação, sim. Isso é intimidar, porque nos tira do nosso trabalho diário para ter de ficar respondendo intimações, informações e questões que não são pertinentes — declarou a magistrada.