Para as mulheres que não abrem mão da cerveja no churrasco de domingo ou do vinho no sábado à noite, a gravidez desperta a dúvida: preciso abandonar completamente o álcool durante a gestação? Uma taça só vai fazer tão mal assim? E alguns goles de caipirinha?
Volta e meia, o assunto repercute em grupos de maternidade nas redes sociais com posts de mulheres que afirmam "terem bebido socialmente e dado à luz bebês saudáveis", enquanto outras levantam a bandeira da tolerância zero do consumo na gravidez e na amamentação.
Para saber o que é mito ou verdade, Donna conversou com dois especialistas que explicam tudo sobre álcool e gravidez. Abaixo, o ginecologista e obstetra José Geraldo Lopes Ramos e a pediatra Themis Reverbel da Silveira respondem às principais dúvidas sobre o tema. Veja:
Uma mulher grávida pode ingerir álcool de forma segura?
A resposta é não. Os médicos defendem a tolerância zero quando o assunto é a ingestão de bebidas alcoólicas na gravidez, alinhados às orientações dos principais órgãos de saúde do mundo e do Brasil. Mas não foi sempre assim. Membro da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do RS (Sogirgs), Ramos afirma que há algumas décadas não se tinha uma posição tão clara sobre o tema, porém, hoje sabe-se que o maior risco é a Síndrome Alcoólica Fetal — setembro, inclusive, foi o mês de conscientização da SAF.
— Ela é grave e está relacionada diretamente ao consumo de álcool durante a gravidez. Quanto mais quantidade tomar, mais grave pode ser — explica o médico, que também é professor da UFRGS.
Por isso, se você está grávida, é hora de aposentar a cerveja, o vinho ou qualquer bebida alcoólica.
A Síndrome Alcoólica Fetal atinge a mãe e o bebê?
A SAF tem consequências diretas no feto. Themis, que é integrante da Sociedade de Pediatria do RS, pontua que há riscos de má-formação, alterações no desenvolvimento neuro e psicomotor, além de impactos no comportamento do bebê.
— Ainda é importante salientar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a exposição pré-natal (durante a gravidez) ao álcool a principal causa de deficiência mental no Ocidente — ressalta a pediatra.
Quando uma mãe ingere álcool, quem sofre as consequências mesmo é o nenê
JOSÉ GERALDO LOPES RAMOS
ginecologista e obstetra
Muitas vezes, essa influência na formação do bebê só fica evidente anos depois, o que dificulta a associação dos efeitos com a SAF, segundo o ginecologista e obstetra Ramos. Já para a mãe, o impacto acaba se resumindo a lidar com os riscos do parto prematuro — a criança também pode nascer com baixo peso — e do aborto espontâneo.
— Quando uma mãe ingere álcool, quem sofre as consequências mesmo é o nenê. Nos casos mais graves, aparecem as anomalias faciais. Ele também pode ser hiperativo, ter dificuldade de aprendizagem, de aprender a linguagem, de memória, renais, cardíacas e até alterações nos ossos. É bem amplo e não é simples — defende Ramos.
Ouvi dizer que uma taça de vinho por semana faz até bem na gravidez. É verdade?
É mito! Os estudos científicos não apontam uma dose segura de álcool na gravidez. Então, não adianta optar por bebidas com baixo teor alcoólico para tentar diminuir riscos. Algumas mulheres apresentam deficiências metabólicas que não são diagnosticadas por meio de exames prévios e, por isso, quando ingerem o álcool a substância atinge diretamente o bebê, explica Ramos:
— Se a mulher tem problema para metabolizar, uma dose pequena já pode fazer um estrago. É claro que existem exceções, aquelas grávidas que tomam e não acontece nada. Mas é a mesma lógica de quem fuma há 40 anos e não tem câncer de pulmão. Aumentam as chances, mas não temos como saber se vai impactar no futuro.
Tomar bebidas alcoólicas nas primeiras semanas de gestação ou bem no fim da gravidez acarreta menos riscos?
Ingerir álcool em qualquer momento da gestação pode trazer problemas. Acreditar que há momentos em que os riscos estão diminuídos é um erro grave, destaca a pediatra Themis:
— É precisamente no início da gestação, quando os órgãos estão sendo formados, que o bebê precisa ser mais protegido. Mesmo assim, o consumo de álcool em qualquer momento da gravidez é uma preocupação mundial pois está associado a uma parte considerável dos casos de retardo mental. É uma condição complexa, mas que pode ser prevenida.
Estou tentando engravidar. Preciso parar de beber?
Ramos afirma que é possível ocorrer alterações na ovulação da mulher em razão do álcool, o que pode dificultar a concepção — embora o impacto maior seja na espermatogênese do homem. Por isso, o ginecologista e obstetra indica para suas pacientes uma mudança de hábitos como precaução.
— Não quer dizer que se beber socialmente não vai conseguir. Mas, mudar hábitos o quanto antes, é sempre indicado. Parar de beber, fumar, ter uma alimentação saudável, entre outros fatores — indica o especialista.
A pediatra Themis concorda: o mais seguro é suspender a ingestão alcoólica.
— Não está bem definido por qual período se deve parar de beber, os autores variam de um a três meses antes da concepção. Há indicação de que consumir álcool um mês antes de engravidar pode impactar em uma criança com desenvolvimento reduzido — defende a médica.
Não posso tomar nada de álcool enquanto amamento meu bebê?
A indicação dos médicos é seguir o mesmo protocolo de tolerância zero da gravidez, pois o álcool passa pelo leite direito para o bebê. Os especialistas afirmam que os estudos sobre o tema revelam um impacto menor no desenvolvimento da criança em comparação ao período gestacional, porém, ainda há riscos. O mais seguro é mesmo deixar os drinques para depois do desmame.
— É diferente considerar o problema de um consumo ocasional de álcool em comparação ao crônico. Se for de vez em quando, acredita-se que o efeito no bebê é transitório, pouco intenso e provavelmente sem maior relevância clínica. Já foram descritas alterações no sono, ganho de peso insuficiente, distúrbios de motricidade e fraqueza em bebês amamentados por mulheres que consumiam álcool cronicamente — comenta a pediatra Themis.
Se eu beber e esperar pelo menos duas horas para amamentar é mais seguro?
Não há consenso sobre o tema e falta base científica para estipular um "período seguro" para o álcool ser metabolizado pela mãe. Por isso, os médicos não indicam com tranquilidade uma quantidade de horas que uma mãe deve ficar sem amamentar para beber álcool. Há muitas variáveis que influenciam nesse cálculo, desde o peso corporal ao consumo junto de outros alimentos.
— Não podemos dizer com segurança que depois de três horas a mulher pode amamentar sem colocar a criança em risco. Todas as alterações psicomotoras que ocorrem na gravidez podem ocorrer na amamentação — defende Ramos.
Já me indicaram tomar cerveja preta para aumentar a produção de leite. Funciona?
Segundo os médicos, esse é um dos maiores mitos com relação à amamentação e consumo de álcool. Apesar de se ter mais informações sobre o tema hoje em dia, ainda é uma ideia difundida por algumas pessoas de mais idade. Não entre nessa: qualquer tipo de bebida alcoólica oferece riscos ao bebê. Além disso, não há comprovação científica de qualquer benefício em ingerir álcool na gestação.
— O que melhora a produção do leite é tomar bastante água. Na verdade, é isso que faz efeito, tomar líquido. E só. Se a mãe bebe álcool e amamenta, o bebê vai beber junto, assim como tudo o que ela consome — diz Ramos.