Em Amor de Mãe, Thelma (Adriana Esteves) propôs gerar o próprio neto depois que a nora, Camila (Jéssica Ellen), perdeu o útero como consequência de um aborto espontâneo e não pode mais engravidar. Inicialmente, o filho, Danilo (Chay Suede), estranhou a proposta da mãe, mas o casal acabou aceitando e a dona do restaurante português está grávida e irá realizar o sonho de ser avó.
A prática retratada na trama, conhecida como barriga solidária, é uma opção legal que permite que uma mulher "empreste seu útero" para outra pessoa que não pode gestar uma criança. Desta forma, mulheres que não conseguem engravidar pelo método natural e cônjuges homossexuais podem recorrer ao procedimento para ter filhos com material genético próprio.
É importante ressaltar que não se trata de uma "barriga de aluguel", termo usado popularmente, pois não pode envolver transação financeira. Isso é proibido no Brasil - segundo o Conselho Federal de Medicina, pagar a mulher que irá ceder o útero constitui infração ética e o profissional pode sofrer punição.
Embora não exista uma lei sobre o assunto no país, o Conselho Federal de Medicina prevê algumas diretrizes. Por exemplo, apenas parentes consanguíneos até quarto grau podem ceder o útero, como foi o caso na novela. Para tirar outras dúvidas, Donna consultou as obstetras Simone Mattiello e Cláudia Navarro, especialistas em reprodução assistida.
Como é feito o procedimento?
As clínicas de reprodução assistida só podem realizar o procedimento se existir um problema médico que impeça ou contraindique a gestação da mulher que deseja ser mãe ou em caso de união homoafetiva. A técnica usada é da fertilização in vitro.
Quando trata-se de um casal hétero, é recolhido o óvulo da mulher e o espermatozoide do homem, e o embrião é formado em laboratório. Depois, é inserido no útero de substituição.
– O material genético utilizado (espermatozoides e óvulo) é fornecido pelos pais biológicos – reforça Cláudia.
Em casos de casais homoafetivos, se forem dois homens, eles devem buscar a doação de óvulos, que é obrigatoriamente anônima. No caso de duas mulheres, em que ambas não podem gerar o filho, também é necessária a doação anônima de sêmen.
As especialistas destacam que a mulher que cede o útero não pode doar seus óvulos em hipótese alguma.
É uma gravidez de risco?
Do ponto de vista clínico, não. É uma gestação como qualquer outra. O que é difere é o aspecto emocional, pontua Simone. Por isso, ela aconselha que todos os envolvidos tenham acompanhamento psicológico durante o processo.
Quem pode fazer?
A mulher que vai ceder o útero deve ter parentesco consanguíneo até o quarto grau com um dos membros do casal (primeiro grau: mãe ou filha, segundo grau: irmã ou avó, terceiro grau: tia ou sobrinha e quarto grau: prima).
– Outros casos para barriga solidária estão sujeitos à análise e autorização do Conselho Regional de Medicina - ressalta Cláudia.
O que é preciso ter para recorrer à barriga solidária?
São exigidos diversos documentos antes do procedimento ser realizado, tanto para a família responsável pela doação do material genético quanto para quem empresta a barriga.
- Termo de consentimento assinado pelos pacientes e pela doadora temporária do útero;
- Relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional dos envolvidos;
- Termo de compromisso entre os pacientes e a doadora temporária do útero, estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;
- Garantia, por parte dos pacientes contratantes do serviço, de tratamento e acompanhamento médico à mãe que doará temporariamente o útero, até o puerpério;
- Garantia do registro civil da criança pelos pacientes (pais genéticos). Isso deve ser providenciado durante a gravidez;
- Aprovação do cônjuge ou companheiro, apresentada por escrito, se a doadora temporária do útero for casada ou viver em união estável.
Como é feito o registro da criança?
Em 2016, houve uma mudança em como uma criança nascida de barriga solidária deve ser registrada. Antes, o nome da doadora temporária de útero precisava constar na Certidão de Nascimento. Agora já não é mais necessário.
Com os termos assinados, fica garantida a inexistência de quaisquer direitos sobre a criança por parte da mulher que cedeu o útero.
– Ela não poderá reclamar direito de filiação ou de guarda, visita, pensão alimentícia ou direitos sucessórios (relacionado a heranças, por exemplo) – destaca Cláudia.
A procura pela técnica está aumentando?
Sim. De acordo as profissionais, a procura pela barriga solidária (ou útero de substituição) tem crescido bastante no país. Segundo Simone, desde que começou a ser realizado, há 40 anos, o procedimento tem sido mais aceito na sociedade em relação às novas configurações de família e aos métodos utilizados no tratamento.
– Ainda é uma situação que gera certa estranheza. Mas é tão lindo ver uma pessoa cedendo seu útero em benefício de alguém que gostaria de formar uma família e, por algum motivo, não pode – reflete a profissional.
*Produção: Luísa Tessuto