A dor que Sabrina Acosta sentia ao dar o peito para o filho Miguel, recém-nascido, era tamanha que ouvir conselhos como “fique calma, é só uma fase, vai passar” e “você tem que ser forte, aguentar” já tinha se tornado motivo de pânico. Mãe de primeira viagem, a empreendedora de 36 anos viu o romantismo que ronda a amamentação ser quebrado conforme o bico dos seios rachava e o menino mamava leite seguidamente misturado às gotas de sangue dos machucados.
No tsunami de emoções do pós-parto, a moradora de Porto Alegre sentia que seria “menos mãe” se não desse leite materno ao pequeno, ao mesmo tempo em que se ressentia de familiares e amigas que não a alertaram que amamentar poderia ser complicado. Algumas vezes, o ressentimento se estendia até ao bebê, que mamava à revelia do sofrimento materno.
— Me perguntava: “Poxa, tenho que aguentar essa dor? Não pode ser de Deus, ter que sofrer tanto para fazer algo que deveria ser divino”. Queria dar de mamar, mas ficava pensando “como ele não sente que estou sofrendo?”. Era uma guerra interna na minha cabeça — relata Sabrina.
Quem ajudou a empreendedora a romper com a crença introjetada socialmente de que “ser mãe é padecer no paraíso” foi a consultora em amamentação Marilise Floriano, que também é fonoaudióloga e atuou por mais de uma década na UTI Neonatal do Hospital Universitário de Canoas. Sabrina recorda que, tão logo a consultora chegou para o atendimento a domicílio, no bairro Rio Branco, teve uma sensação de profundo alívio: após dias “aguentando”, conheceu uma profissional focada em viabilizar uma amamentação eficaz para a dupla e menos dolorosa para ela.
Essa semana atendi uma mãe que suspeitava que sua filha não estava mamando, pois não sentia dor nos seios. Só que, na realidade, a bebê estava mamando normalmente. Muitas mulheres pensam que precisam estar com dor para a criança estar mamando. Temos que desmistificar isso.
MARILISE FLORIANO
Fonoaudióloga e consultora em amamentação
Em quatro encontros presenciais e incontáveis conversas por mensagens, Marilise e Sabrina descobriram as posições em que o bebê gostava de mamar, trataram com laser as lesões nos seios e descobriram que a criança tinha a língua presa, o que dificultava a mamada para ambos. Após um simples procedimento no dentista, a amamentação melhorou. Também fizeram exercícios para estimular a produção de leite, já que Sabrina havia feito redução de seios, o que impactou na lactação.
— Ela (Marilise) chegou quando eu estava a ponto de dizer “não quero mais” e me mostrou que não precisa ser com dor. Todas as mães precisam saber que não é normal ficar sofrendo — recomenda Sabrina, segurando nos braços o filho, que completou dois meses de vida no dia 14 de agosto.
Uma área em expansão
Talvez uma vertente moderna das parteiras, ou um braço da doulagem, as consultoras em amamentação são focadas em dar alento para as mães, instruindo-as antes e depois do parto, facilitando o processo natural de amamentar. A ocupação ainda não está regulamentada pelos órgãos competentes do Brasil, mas é um campo em expansão, conforme tem percebido o Ministério da Saúde em seus diálogos com Estados e municípios. A consultoria tem atraído profissionais de diversas áreas – frequentemente da saúde. Para obter a certificação junto ao Conselho Internacional de Avaliação de Consultores em Lactação (IBLCE), por exemplo, é necessário ser da área da nutrição, medicina, enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, educação ou assistência social.
— No Brasil, não há uma regulamentação para a atuação das consultoras em amamentação. Mas acreditamos que todos os profissionais de saúde podem ser formados para oferecer apoio à amamentação. O trabalho das consultoras, desde que com formação adequada, pode ajudar mulheres com dificuldades na amamentação — explica Sonia Venancio, coordenadora-geral de Atenção à Saúde das Crianças, Adolescentes e Jovens do Ministério da Saúde.
Uma das sugestões das consultoras é de que as mães, da mesma forma que se preparam de antemão para o parto com enxoval, por exemplo, também façam uma espécie de pré-natal da amamentação, em que aprendem com as profissionais sobre o que esperar do seu organismo e da dinâmica de amamentar um filho. É como um ensaio para não ser pega de surpresa no momento crucial.
— A partir do segundo trimestre de gestação a consultora já ensina sobre o que pode acontecer na amamentação, o colostro, a apojadura (descida do leite), que ocorre entre o terceiro e o quinto dia de vida do bebê, uma demora que, às vezes, assusta as mães — detalha Marilise Floriano.
A consultora Patrícia Nogueira, nutricionista materno-infantil e professora no curso de formação de Consultoras em Amamentação do Instituto de Pesquisas Ensino e Gestão em Saúde (iPGS), orienta as mães ainda sobre as intercorrências que podem surgir logo após o nascimento:
— Explicamos a descida do leite, o ingurgitamento mamário (o popular “leite empedrado”), o que fazer se aparecer uma mastite (inflamação da glândula mamária). Também conversamos sobre os itens do enxoval e, dentro da realidade de cada mãe, avaliamos o que realmente precisa ser comprado, tipo uma almofada, uma bomba extratora de leite.
Alimento de ouro
Estamos em pleno Agosto Dourado, campanha instituída em lei no Brasil desde 2017 para conscientizar sobre a importância do aleitamento materno. A cor dourada foi escolhida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera o leite materno um “alimento de ouro”, já que, além de vantagens nutricionais para a criança, tem anticorpos que favorecem a proteção contra infecções, alergias e diarreia, reduz os casos de morte súbita infantil, diminui em até 13% a mortalidade infantil por causas evitáveis, reduz o risco de obesidade e diabetes tipo 2, além de ter efeito positivo na inteligência. A OMS recomenda a amamentação exclusivamente até os seis meses de idade do bebê e de forma complementar até os dois anos ou mais.
Amamentar também contribui para a saúde da mulher, aponta o Ministério da Saúde, já que reduz as chances de hemorragia pós-parto e do desenvolvimento de anemia, câncer de mama e de ovário, diabetes e infarto. Além disso, traz menos gastos para o sistema de saúde e é uma prática ambientalmente segura e sustentável. No entanto, uma das dificuldades que as mães enfrentam para seguir a orientação de amamentar seus filhos está relacionada ao mercado de trabalho, ponderam as consultoras em amamentação. Isso porque, para as trabalhadoras CLT, estão previstos somente 120 dias de licença maternidade, o equivalente a quatro meses.
O aleitamento materno é importante para a sociedade, mas ele não é de graça porque a mulher demanda tempo para amamentar. Nossa legislação poderia ser melhor no sentido de favorecer o aleitamento até os seis meses, como preconiza a OMS.
PATRÍCIA NOGUEIRA
Consultora de amamentação, nutricionista materno-infantil e professora no iGPS
Embora o mês seja de celebração ao leite materno, não se pode esquecer das mães que não podem ou não querem dar de mamar por uma série de motivos, como a necessidade de trabalhar, a falta de uma rede de apoio, questões fisiológicas, psicológicas, filhos que são pacientes neurológicos, entre outros. Essas mães também recebem o carinho e o apoio das consultoras em amamentação, reitera Marilise Floriano:
— Não é porque não amamentam que são “menos” mães ou não gostam dos seus filhos. Não conseguir amamentar ou ter que empregar a amamentação mista é uma dor para algumas mães. Por mais que a gente tente estratégias, há pessoas que não têm leite suficiente ou que não conseguem por vários motivos. É muita pressão a ideia de que “vou contratar uma consultora de amamentação e ela vai resolver todos os problemas”, não é bem assim.