Nove meses separam o início da gestação do tão aguardado momento de segurar o filho no colo pela primeira vez. Mas, apesar das altas expectativas envolvidas, para muitas mães, o puerpério é sinônimo de tristeza, esgotamento, ansiedade e, em alguns casos, também de depressão.
O período, que corresponde às primeiras seis semanas após o parto, é marcado por responsabilidades e aprendizados novos, além de alterações hormonais e mudanças físicas que impactam o bem-estar, o humor e a autoestima das mulheres, podendo levar a uma montanha-russa de emoções.
Segundo a médica Ana Selma Picoloto, ginecologista, obstetra e professora da Faculdade de Medicina da UFRGS, é normal que as mulheres passem por vulnerabilidade emocional durante o puerpério e os primeiros meses de vida do bebê, mas é preciso observar sinais que indicam quando o quadro foge da normalidade.
— Em alguns casos, a gente tem o chamado baby blues, uma condição em que a mulher fica mais entristecida, mas que passa conforme as coisas vão engrenando. E há a depressão pós-parto, um quadro patológico no qual a mulher tem dificuldade de se conectar com o bebê, fica deprimida, nutre sentimentos de culpa e invalidez. Tanto a rede de apoio quanto os profissionais de saúde que acompanham a puérpera precisam estar atentos para identificar quando é necessário buscar ajuda especializada em saúde mental.
A médica observa que tratamentos como a psicoterapia são grandes aliados quando o assunto é lidar com as dificuldades do puerpério. Porém, em caso de sintomas mais severos, quando se confirma um quadro de depressão, o uso de medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos pode ser necessário. Nessa situação, a puérpera precisa ser acompanhada por um profissional da psiquiatria.
Remédios são seguros nesse período?
Uma das principais dúvidas de quem enfrenta a depressão pós-parto e tem indicação de terapia medicamentosa diz respeito à segurança dos remédios, conforme a psiquiatra Liana Pilau de Abreu, do Centro Clínico Mãe de Deus. Puérperas que amamentam, por exemplo, têm receio de que os fármacos tragam algum tipo de prejuízo aos bebês.
Segundo a psiquiatra, é vasto o leque de medicamentos psiquiátricos que podem ser usados com segurança durante o puerpério e a própria gestação.
— Há opções seguras para tratar qualquer transtorno mental nesses períodos, mas todo remédio psiquiátrico deve ser usado com a devida orientação médica e quando realmente há necessidade, não porque uma vizinha ou uma amiga usou e indicou. A escolha de qual medicamento e qual dosagem usar é que vai determinar a segurança do tratamento — detalha Liana.
A médica salienta que a prescrição deve ser feita de maneira individualizada, considerando os sintomas, o histórico e a gravidade do quadro de cada paciente.
Uma mãe adoecida também traz risco ao bebê
PSIQUIATRA LIANA PILAU DE ABREU
Com o acompanhamento adequado, até mesmo remédios que passam substâncias ao leite materno podem ser administrados com dosagem segura.
— Um psiquiatra sabe qual remédio passa mais e menos substâncias ao leite, quais são as doses seguras e quais os riscos e benefícios que cada um pode trazer à paciente. Por isso, o acompanhamento profissional é imprescindível — defende a psiquiatra, que observa:
— É preciso ter em mente que uma mãe adoecida também traz risco ao bebê, portanto, as questões da saúde mental dela não podem deixar de ser tratadas, seja ou não com o uso de medicamentos.
Tratamento multidisciplinar
Chefe de Neonatologia do Hospital Moinhos de Vento, a pediatra Desiree de Freitas Valle Volkmer destaca a importância da atuação de uma equipe multidisciplinar no atendimento das puérperas em depressão pós-parto.
Segundo ela, em casos de tratamento medicamentoso, além de obstetra e psiquiatra, o profissional que acompanha a criança também tem papel fundamental:
— Embora o risco de um remédio psiquiátrico trazer prejuízo ao bebê seja baixo, há uma série de fatores que precisamos observar. O pediatra vai avaliar se a criança não está com alguma sonolência anormal, tendo irritação ou recusando o seio, por exemplo. É muito importante que esse acompanhamento se dê em todas as frentes para que, quando necessário, o tratamento seja ajustado.
Menos tabu, mais compreensão
As médicas ouvidas pela reportagem concordam que o tabu em torno dos transtornos psiquiátricos atrapalha o tratamento adequado da depressão pós-parto. Somado a isso, o machismo também é um fator a ser considerado.
— A sociedade cobra que as mulheres estejam prontas para cuidar de uma criança, mas não é assim que funciona — reflete a ginecologista e obstetra Ana Selma Picoloto. — Quando uma puérpera percebe que não está dando conta de tudo, ela se sente culpada, se sente incapaz, acha que não é uma boa mãe. Imagina, então, se ela tiver que fazer terapia ou tomar um antidepressivo? Para muitas mulheres, isso é motivo de vergonha — observa a médica.
A neonatologista Desiree de Freitas Valle Volkmer salienta, ainda, a importância da rede de apoio atuando ao lado das puérperas.
— Quem cuida também precisa de cuidado, ainda mais se tratando de uma mulher que acabou de dar à luz. Mesmo para aquelas que já têm filhos, esse período pode ser difícil e desafiador — ressalta a profissional, alertando:
— As pessoas ao redor da puérpera precisam compreender qual o tipo de apoio de que ela precisa e entender que nem sempre será algo ligado ao bebê. Às vezes, podem ser coisas simples, como estender uma roupa ou fazer uma comida, pois a sobrecarga é muito grande.