A expectativa nutrida ao longo dos nove meses de gestação, o momento do nascimento e todas as emoções envolvidas com a chegada de um filho marcam o início de outra etapa intensa, física e emocionalmente, para a mãe: o puerpério. Esse período inicial da vida pós-gestacional começa com o nascimento da criança e dura aproximadamente 42 dias (seis semanas). O corpo que abrigou o feto vai se transformando outra vez, agora para voltar aos padrões anteriores à gravidez e também para atender ao bebê: os níveis de hormônios se alteram, o útero começa a diminuir, há descamação da decídua (camada que reveste a parte interna do útero durante a gestação) e consequente sangramento vaginal, as mamas aumentam a produção de leite, podem ocorrer problemas no trato urinário. No caso de mães de primeira viagem, essa fase tende a ser ainda mais marcante devido à enxurrada de sensações e novidades simultâneas.
Sérgio Hecker Luz, ginecologista e obstetra, membro da Comissão Nacional Especializada de Assistência ao Abortamento, ao Parto e ao Puerpério da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), define o puerpério como uma “revolução”.
– A gravidez leva nove meses para ir e seis semanas para voltar. O corpo volta ao estado não exuberante. É uma revolução para ir e para voltar. A volta é em tempo bem menor, e com a mãe cuidando de uma criança – descreve Luz, professor da Escola de Medicina da PUCRS.
Existem três fases no puerpério: o puerpério imediato (1º ao 10º dia), o tardio (10º ao 45º) e o remoto (a partir do 45º dia). Um dos eventos mais importantes é a produção de ocitocina, estimulada pela amamentação.
– É um hormônio importante fisicamente, pois auxilia na contração uterina e no retorno ao seu volume pré-gravídico, e também psicologicamente. Alguns o chamam de hormônio do amor porque faz se formar o vínculo da mãe com o bebê – explica a ginecologista e obstetra Tayara Pigatto, preceptora do Serviço de Obstetrícia de Alto Risco da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
O leite dos primeiros cinco dias, em média, é o chamado colostro, mais ralinho, mas não menos nutritivo. Depois vem o leite encorpado e gorduroso. A produção se avoluma, podendo alcançar os 600ml diários, afirma Tayara. O aleitamento aumenta as defesas do bebê contra infecções neonatais, rotavírus, broncoconstrição (doença respiratória) e dermatite. Também beneficiada, a puérpera se protege contra câncer de mama e doenças coronárias e é auxiliada na perda do peso extra.
Essencial, o aleitamento, muitas vezes, não se apresenta como tarefa fácil. Podem surgir pequenas feridas no mamilo, causadas, em geral, pela má pega do bebê (quando ele não consegue pegar corretamente o bico do seio para sugar). Essas fissuras podem se tornar via de entrada para bactérias que provocam infecções (mastites) nos ductos mamários, onde o leite é produzido.
– É importante ter aconselhamento sobre amamentação no pré-natal e também no pós-parto, no hospital – alerta Tayara.
Luz garante que a persistência será recompensada:
– O nenê leva um mês para saber que tem alguém atrás da teta. Ele não dá nada para a mãe até chegar a um mês. Por isso que eu digo: se esforcem e deem a amamentação por pelo menos um mês para depois receber a benesse do agradecimento.
O obstetra salienta que diversos fatores podem interferir no puerpério: se é o primeiro filho ou não, se a paciente ficou satisfeita com o atendimento recebido, se queria parto vaginal e conseguiu, se queria parto vaginal e acabou tendo de ser submetida a uma cesariana, se o bebê nasceu perfeito ou com algum problema. Outro elemento novo é que, ao dar à luz, a mãe, que até então carregava a criança no ventre e era o centro de todas as atenções, assume um papel coadjuvante.
– Quando é o primeiro parto, ela tem que prover o alimento para a criança e tem que aprender a ser mãe. Há processos e curvas de aprendizado, com erros e acertos – comenta Luz. – A grávida primeiro desenha um castelo no ar. Se você perguntar o que ela vai fazer, ela diz: “Minha mãe fez isso, e eu não vou fazer”. Ela desenha o castelo e acha que ele é habitável e tenta fortemente habitá-lo. Tem frustrações depois – acrescenta o médico.
De acordo com o membro da Febrasgo e professor da PUCRS, a maior parte das mulheres dispõe de recursos internos e consegue ir vencendo os sucessivos estágios, construindo-se como mãe.
– As que não conseguem ficam na dúvida: será que eu vou ficar sempre desse jeito? Será que não vou ter de volta a minha vida? Essas fazem o puerpério patológico – adverte o médico.
O retorno da menstruação depende muito do esquema de amamentação. Se a mulher dá exclusivamente o peito, tende a não menstruar. Quando o aleitamento é acompanhado de fórmulas oferecidas na mamadeira, o sangramento volta mais cedo.
Quanto às relações sexuais, a paciente deve ser orientada pelo obstetra, mas geralmente se recomenda uma abstinência de 40 dias – também é fundamental se informar sobre métodos contraceptivos. No caso de parto normal, é possível que ela experimente mais desconforto no sexo por algum tempo. Se passar por episiotomia (incisão na região do períneo para facilitar a passagem do bebê), os pontos caem sozinhos em até duas semanas, quando a cicatrização já estará completa. Quem passa por cesárea retira os pontos em sete a 10 dias, e a cicatrização total ocorre em até seis semanas. Seja cesárea, seja parto normal, a mãe que praticava atividade física antes de engravidar e durante a gestação tende a ter uma recuperação mais rápida e a retomar os exercícios em um espaço mais curto de tempo.
Palpites, visitas e rede de apoio
Ao longo da gestação, a mãe, principalmente a de primeira viagem, recebe conselhos e dicas de toda sorte, de todo lado. Quando entra no puerpério, o bombardeio de palpites aumenta. “O bebê está com fome”, “Ele está com sono”, “Não é assim que se amamenta”, opinam avós, amigas, vizinhas e quem mais passar por perto.
– É preciso ter cuidado para não sobrecarregar a puérpera – adverte a ginecologista e obstetra Tayara Pigatto.
Todos querem conhecer o recém-nascido, e o fluxo de visitas apresenta o risco de se acentuar a ponto de se tornar estressante para a família. O ideal, aconselha Tayara, é que parentes e amigos optem, num primeiro momento, por uma passada rápida no hospital. Enquanto mãe e filho estão internados, eles contam com o apoio da equipe assistencial. Receber parentes e amigos em casa demanda muito mais da família e principalmente da mulher, que precisa atender as visitas, contar como têm sido a correria da nova vida e, ao mesmo tempo e sem folga, ficar de olho no filho. Melhor deixar esse encontro para quando a mãe sinalizar que já está organizada.
– É importante as pessoas entenderem que são duas pessoas que estão se conhecendo. O bebê tem que conhecer a mãe, e a mãe tem que conhecer as necessidades do bebê – explica Tayara.
O recém-nascido requer atenção em tempo integral. Sua autonomia se resume a chorar quando algo o incomoda: fome, sono, fraldas sujas, cólicas. É óbvio, mas não custa repetir: um bebê necessita de carinho, cuidados essenciais e consultas médicas. Os pais devem ser orientados pelo pediatra sobre as primeiras saídas da criança, que geralmente são recomendadas apenas para depois da aplicação de certas doses de vacinas.
Contar com uma rede de apoio é fundamental para que, em alguns momentos, a mãe possa deitar para tirar um cochilo, tomar um banho relaxante, fazer uma refeição com calma. Avós, tias e madrinhas dos bebês costumam ser aliadas importantes nessa época de descobrimentos e sobrecarga, mas é fundamental que lembrem que devem respeitar o espaço e as demandas da puérpera.