Se chegar ao orgasmo já é um processo desafiador para a maioria das mulheres, para as que estão em tratamento contra a depressão ou a ansiedade, o ápice do prazer pode ficar ainda mais distante. Em uma roda de conversa, é comum ouvir relatos das que perceberam que não estão chegando lá desde que começaram a tomar medicamentos antidepressivos ou que precisam redescobrir como ter prazer neste novo contexto.
A psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo afirma que cerca de dois terços das pacientes que utilizam medicação antidepressiva relatam dificuldades para gozar:
— A maioria dos antidepressivos de fato interfere na libido e acaba fazendo com que a mulher tenha desde falta de desejo até dificuldade para o orgasmo. Alguns ansiolíticos também, porque vão sedar a pessoa, de forma que ela perde um pouco do interesse em sexo.
A intensidade dos efeitos varia de pessoa para pessoa: enquanto alguns indivíduos medicados sequer percebem alteração na função sexual, outros têm total prejuízo, não tendo a mínima vontade de começar o ato, explica Carmita.
Os mecanismos envolvidos nessa baixa são variados, mas o mais comum é o fato de alguns medicamentos inibem a recaptação de serotonina pela célula, um neurotransmissor que inibe impulsos. É o caso de fármacos como sertralina, paroxetina, fluvoxamina, fluoxetina, citalopram e escitalopram, por exemplo.
— A serotonina normalmente fica transitando dentro e fora da célula. Quando o inibidor age, ela não consegue entrar e fica na fenda sináptica, espaço entre um neurônio e outro. Ao ficar ali, causa a inibição da libido, porque a serotonina controla impulsos. A dopamina, por exemplo, tem uma ação contrária, energiza, estimula o sistema de recompensa, tem uma ação pró-sexual. Quando a pessoa está usando antidepressivo, vamos encontrar menos dopamina em circulação — explica Carmita.
Estratégias para driblar os obstáculos
Para quem está usando medicação psiquiátrica, o orgasmo tende a demorar, mas está longe de ser impossível. Uma estratégia para encontrar prazer no novo contexto é ter paciência e separar um tempo para os momentos de intimidade.
— O homem tem uma resposta sexual rápida até chegar ao orgasmo, de três a cinco minutos em média, enquanto a mulher leva de 15 a 20 minutos. Então pode ser que tomando remédio custe um pouco mais, até uns 30 minutos. Elas relatam se sentir um pouco mais anestesiadas, percebem uma diferença no padrão que tinham anteriormente e, quando vão para a cena sexual, custam mais ou não conseguem ter orgasmo – detalha a ginecologista e sexóloga Sandra Scalco.
Outro passo para a mulher contornar a situação é levar a conversa para o psiquiatra que receitou o tratamento, aconselha Sandra. Em alguns casos é possível optar por uma medicação que tenha menos efeitos na sexualidade.
— É muito comum o médico não abordar esse tema, então ela tem que levar essa queixa de forma proativa. Meu recado para os profissionais é que perguntem efetivamente sobre isso, coloquem como pauta importante, inclusive, porque em termos de qualidade de vida, estar com o pilar do desejo sexual funcionando bem pode ajudar a melhorar da depressão — salienta a ginecologista.
Novas formas de prazer
Pequenas mudanças de contexto já contribuem muito: vale apostar num local diferente, num tipo de estímulo que ainda não havia tentado e, para os casais, fortalecer os pilares do relacionamento, como conversar e sair mais para se divertirem juntos.
Sair da zona de conforto também ajuda. Sandra explica que as pessoas tendem a fazer sexo e se masturbarem quase sempre do mesmo jeito, focando os estímulos nas zonas onde já estão acostumadas a terem bons resultados. Só que a partir de algum agravo, como o uso de medicação, é preciso ressignificar o jeito de fazer sexo:
— Às vezes basta fazer pequenas mudanças, tentar de um outro jeito, insistir um pouco mais. E com certeza fantasiar! Usar a imaginação é um baita recurso porque potencializa tudo. A maioria das pessoas fica muito focada no conjunto de estímulos do momento, que são o toque e a penetração, e não utiliza a imaginação.
Tanto a imaginação individual como a fantasia compartilhada com a parceria, montando um cenário erótico para os dois, funciona superbem porque traz novidade e contextos diferentes a cada transa.
— Também funciona porque ela se transporta para uma situação em que é uma personagem que não tem tabus, mais poderosa para imaginar o que quiser, o que é um baita estímulo – destaca a ginecologista.
Se quer gozar, deixe de lado a postura “Não vou nem começar porque sei que vai levar um tempão e vou acabar frustrada”. Segundo a ginecologista, entrar na cena sexual com essa convicção pessimista realmente coloca tudo a perder:
— Algo que se retroalimenta negativamente é transar pensando "Putz, não vou conseguir gozar". Um recurso interessante é focar no aprendizado. Orgasmo é algo que se aprende, embora as pessoas tendam a seguir sempre as mesmas preferências tipo "Ah, eu chego mais fácil com sexo oral”. Mas a realidade é que a gente sempre pode aprender, e isso não cai do céu. Exige treino, criar uma circunstância mais erótica, tentar durante mais tempo e só voltar para aquele estilo em que ela já se garante depois de algumas tentativas.
Não coloque toda a responsabilidade no medicamento
O desejo é multifatorial, leva em conta fatores biopsicossociais, portanto, se a pessoa está deprimida, se o trabalho não vai bem, se a relação não tem trazido felicidade, por exemplo, pode ficar mais difícil gozar. Todas essas questões merecem a atenção de quem quer melhorar a qualidade da vida íntima.
— Tem pacientes que usam como desculpa para justificar alguma coisa, porque é muito mais fácil botar a culpa no remédio do que propriamente naquilo que precisa fazer para melhorar seu resultado sexual. Por exemplo, se a pessoa já usava o medicamento há cerca de seis meses quando começou a diminuição da libido, o efeito não é decorrente do remédio. Ou se, passados cerca de dois meses desde que parou de usar, ela não recupera o resultado que tinha antes, também não é por causa do remédio.
Vale saber que, para a paciente cuja medicação teve efeito na diminuição da libido, provavelmente essa situação vai se manter enquanto ela seguir com o tratamento – ao fim dele o desejo tende a voltar ao normal. E se durante o processo a libido melhorar, detalha Sandra, provavelmente não será porque o indivíduo se adaptou ao medicamento, e sim porque encontrou jeitos de compensar esse problema.