Anos após a popularidade de livros de banca, como Sabrina, passando pela ascensão das famosas "fanfics" e do fenômeno 50 Tons de Cinza, os romances repletos de cenas quentes e erotismo continuam a mobilizar cada vez mais leitoras. Atualmente, a chamada "literatura hot" predomina entre os e-books mais vendidos da Amazon, o que evidencia o sucesso e a demanda de consumo de tais obras.
Os enredos são diversos, mas o romance e as cenas sexuais predominam em todos eles. Há histórias de amor em que a protagonista se apaixona por homens hierarquicamente superiores a elas, como CEOs, mafiosos ou juízes. Também são encontradas narrativas que envolvem relações firmadas por contrato, além de gravidez indesejada, inimigos que viram amantes e casos de segunda chance. Comédia, clichês, dramas e conflitos fazem parte das tramas.
Sexo como elemento principal
Independentemente da trama, o sexo é um elemento central nesses livros. E a construção das cenas eróticas é um diferencial para o público feminino. Conforme a psicóloga e sexóloga Lina Wainberg, a leitura permite que a mulher imagine o contexto e a relação descrita, elementos capazes de levar à excitação.
— Por mais detalhado que seja (o que acontece nas cenas), é um conteúdo no qual temos que buscar nas nossas referências o mais próximo daquilo que está sendo descrito — aponta Lina.
Escritas por mulheres e para mulheres, as histórias trazem essa característica, já que existe um conhecimento sobre o imaginário feminino.
— Elas entendem a necessidade do contexto e de falar sobre a relação dos envolvidos, ao invés de ser uma cena de sexo muito genitalizada. Enquanto os homens são muito focados na genitalidade, o prazer feminino é mais difuso, envolve os aspectos emocionais e a intimidade que é construída. Isso faz muita diferença — explica Lina.
Eles no comando?
Sobre os enredos com personagens masculinos em posições de autoridade, Lina Wainberg cita duas possíveis explicações para a preferência feminina por essas narrativas.
A primeira é uma tendência das mulheres atrelarem o desejo sexual a cenários de submissão, tal qual foram historicamente ensinadas. Conforme ela, os conteúdos eróticos mais procurados pelo público feminino, em sua maioria, são os ligados a esses contextos.
A outra justificativa é uma luta feminina para dar vazão às próprias potencialidades, buscando uma reviravolta na história que mostre que elas também podem exercer poder, conquistar e expressar seus desejos.
— Entendo que a ideia das autoras é não desconsiderar uma construção que já foi feita, até para poder se conectar com as leitoras. E auxiliar, a partir dessa conexão inicial, em uma transformação — declara a sexóloga.
A importância das fantasias sexuais
Os romances eróticos estão ligados a fantasias, desde as românticas, descritas nas obras chamadas de "soft romance", até aquelas com algum grau de violência, dentro do subgênero "dark romance". Esse último tem provocado debates entre aqueles que dizem que há uma banalização de relações abusivas nas publicações e os que afirmam que se trata de ficção, sem ter o conteúdo reproduzido na realidade.
O nosso mundo de fantasia erótica não necessariamente representa algo sobre nós
LINA WAINBERG
Psicóloga e sexóloga
— O nosso mundo de fantasia erótica não necessariamente representa algo sobre nós, no nosso mundo fora da cama. Se for de forma singela, não é necessariamente problemático. A fantasia consentida é válida, até as de submissão — expõe Lina Wainberg.
O problema é quando qualquer prática não consentida parte para a vida real.
— O imaginário é uma das poucas coisas realmente só nossas, o que nos resta de mundo privado. Entender que ninguém deve ter controle sobre o imaginário erótico do outro é crucial para a saúde sexual e relacional. A escolha por compartilhar ou não vai depender de cada relação, de cada parceria, do quanto o outro tem condições de escutar ou não. Tem algumas fantasias que o barato é ser só minha e ninguém saber — diz Lina.
A psicóloga ainda menciona que os livros podem ser um recurso para ativar o desejo em um momento no qual a vida sexual não está sendo priorizada.
— Na vida moderna, acabamos deixando a vida sexual em segundo plano. E é algo que requer empenho, não podemos contar só com a naturalidade. Podemos fazer uso de recursos que nos lembrem e ativem as áreas do erotismo. As pessoas de fato consomem para reativar no dia a dia. Trabalhando, cuidando de filho, se você não dá uma investida em ler, ver uma série, esse aspecto pode ficar enfraquecido.
"Os favoritos são aqueles em que o homem resolve tudo"
Mari Sales é cientista da computação por formação e, hoje, se dedica à carreira de escritora. Inspirada em M.S. Fayes e Sue Hecker (essa última é a autora de O Lado Bom de Ser Traída), a cuiabana constrói romances que exploram o prazer feminino. Entre suas obras, estão CEO Em Busca de Perdão e Não Foi Apenas Uma Noite.
A maior parte do seu público é composto por mulheres de 25 a 40 anos. De acordo com os relatos que recebe, os livros funcionam como uma válvula de escape para as leitoras experimentarem vivências para além do mundo real.
— Elas gostam do sonho, de fugir da realidade. Ao mesmo tempo, a história traz informações que podem ajudá-las, acalmar o coração ou trazer alguma resposta. Os favoritos são aqueles em que o homem resolve e adivinha tudo. Também aqueles em que o homem comete um deslize e está disposto a mudar para reconquistar a protagonista — conta.
Um dos objetivos de Mari é alcançar mulheres adultas que desejam uma distração e oferecê-las, também, um momento de reflexão. Para isso, atrelado ao romance, ela busca desenvolver temas que considera socialmente importantes, como os desafios da maternidade, vícios, bullying e conflitos familiares.
— Há um tempo foi muito sobre o hot. Hoje, é muito mais sobre o romance e a mensagem, sobre o que o livro tem a oferecer — declara a autora.
*Produção: Carolina Dill