Uma voz grave sussurrando elogios e instruções ao pé do ouvido. Ou ainda o relato de uma transa em um ambiente público, com um parceiro inesperado. Usando nada além de palavras, sons e a imaginação do ouvinte, alguns sites, aplicativos e podcasts de áudio erótico têm oferecido uma alternativa de bem-estar sexual que satisfaz especialmente as mulheres.
— Podemos pensar nesses áudios como uma meditação erótica para as mulheres, algo a que ela pode se entregar para relaxar e aproveitar — define a psicóloga e sexóloga Lúcia Pesca.
Conhecidos em inglês como "audio erotica", esses conteúdos adultos são contados por vozes femininas ou masculinas e podem tanto incluir a ouvinte na história como somente compartilhar com ela uma história excitante, na ideia de proporcionar prazer. E o que torna essa modalidade potencialmente mais atraente para as mulheres do que para os homens tem a ver com a possibilidade de fantasiar, personalizar a experiência erótica — ao contrário do que ocorre ao assistir a um vídeo pornô, por exemplo.
Por mais que as vozes guiem as histórias e descrevam as cenas, depende do imaginário da ouvinte dar cores, formatos e, se quiser, feições àquela experiência. Segundo Lúcia Pesca, enquanto os homens são mais visuais, as mulheres são mais ligadas ao estímulo auditivo para a excitação. Isso porque seus pensamentos transitam mais pelo lado esquerdo do cérebro, área que tem maior relação com emoção, comunicação, detalhes e sensibilidade:
— Um vídeo erótico nem sempre funciona para ela porque a mulher tem todo um lado mais romântico e sensível, quer formar sua própria fantasia, não quer algo preestabelecido. A mulher pode se identificar melhor com o áudio porque vai colocar o cenário dela, a imaginação dela, a fantasia dela, os detalhes dela dentro da história.
Outro fator que faz dos áudios um território convidativo ao prazer feminino, segundo a sexóloga, é a ausência de comparação. Vendo um vídeo na internet, é comum que a mulher compare o seu corpo e o seu jeito de transar com os de uma atriz, o que pode afetar sua autoestima.
— A mulher fica achando que é menos, que faz menos e que nunca será como aquela mulher da tela, que "uiva". No vídeo, ela acha que o tesão dela tem que ser igual ao daquela mulher. No áudio, não. Tem alguém gemendo e dizendo o que está sentido, sim, mas isso serve de estímulo para a fantasia que a mulher está fazendo. Então, sim, estimula mais, excita mais e traz mais desejo sexual.
Dentre as plataformas gringas mais famosas estão a Dipsea e a Quinn, nas quais os áudios são feitos em inglês por narradores anônimos ou famosos. O ator Jesse Williams, que ficou conhecido por interpretar o dr. Jackson Avery na série médica Greys Anatomy, é um dos locutores da Quinn, na série erótica The Misty Door. No Brasil, uma das primeiras iniciativas do tipo foi a Tela Preta, plataforma criada em 2020 pelo escritor, roteirista e analista político Fábio Chap. Na página da internet, assinantes podem conferir áudios de masturbação guiada e contos eróticos para todos os gostos. A empresa, no entanto, está à venda no momento.
— O motivo não é a baixa procura, até porque o mercado erótico está em ascensão e em constante crescimento, principalmente depois da pandemia, mas eu me desconectei desse mercado — afirma Chap, que voltou o foco para as atividades na área da ciência política.
No Exterior, o crescimento da procura por esse tipo de conteúdo já é comprovado em dados. Ao The New Tork Times, a Dipsea informou que a maioria dos seus ouvintes são mulheres com idades entre 18 e 34 anos e que a receita da plataforma cresceu 40% no ano passado, na comparação com 2021. Já a Quinn informou que, a cada mês de 2023, em média 14 milhões de minutos são ouvidos na plataforma — a título de comparação, durante todo o ano de 2021, foram somados 3,2 milhões de minutos.
O denominador comum entre boa parte das plataformas de audio erotica é a divisão em categorias. As bibliotecas contemplam desde os conteúdos mais soft, como "amoroso", "gentil", "de amigos a amantes", "para ouvir com o companheiro", "romance", até conteúdos mais excêntricos, como "BDSM", "em público", "dirty talk", e infinitos outros. É um espaço livre de julgamento a qualquer fantasia, inclusive aquelas que algumas mulheres hesitariam em mencionar em voz alta.
— Muitas mulheres têm vontade de algo mais "violento", ao estilo "bate em mim, me chama de vagabund*, puxa meu cabelo" e tal, mas não conseguem dizer ao parceiro, com medo de que isso saia da vida horizontal e vá para a vida vertical, ou seja, de que o companheiro vá querer aquela violência fora da cama. No áudio, ela explora tudo o que ela quer — afirma Lúcia.
Onde ouvir áudios eróticos em português
No início deste ano, a Pantynova, sex shop das brasileiras Izabela Starling e Heloisa Fonseca, lançou um portal de contos eróticos em áudio ou texto, chamado Macetaflix. Por lá, as histórias são gratuitas, voltadas a todas as orientações sexuais e narradas por um time de locutores, como a "Beth" e a "Madame T".
O conteúdo também está disponível em outros streamings de áudio, como o Spotify, no qual já há dezenas de episódios publicados. O mais recente deles, Pisa em Mim, fala de uma mulher que conheceu e sentiu muito tesão com um cara que tem fetiche por pés.
O podcast Textos Putos, que conta histórias repletas de erotismo e sensualidade, já está na quarta temporada. Disponível em aplicativos de streaming de áudio, o conteúdo é criado e narrado por Abhiyana desde 2020, quando a escritora e atriz lançou o podcast levando o mesmo nome do seu primeiro livro sobre sexo, publicado em 2017. Textos Putos é gratuito e se mantém com financiamento coletivo.
"Áudio erótico sensual para mulheres" é o que oferece o Liberte Sua Imaginação, no qual as narrações são feitas por uma voz masculina e simulam uma interação com a ouvinte. Para se ter uma ideia da popularidade, a página no Instagram da marca soma mais de 54 mil seguidores. Parte do conteúdo é publicado gratuitamente no Spotify, mas os episódios completos são pagos. Na plataforma online, o plano mensal que dá acesso aos áudios custa R$ 19,99.
Onde ouvir áudios eróticos em inglês
A plataforma da Califórnia, nos Estados Unidos, se apresenta dizendo que pensa o erotismo como uma "experiência fortalecedora que deixa espaço para a imaginação". A startup foi fundada em 2017 por duas mulheres, Gina Gutierrez e Faye Keegan, e opera por assinatura. O acesso por um ano custa cerca de US$ 5 mensais (cerca de R$ 24).
No Dipsea, as narrações podem ser de narrador(a) para a ouvinte ou pode ser uma interação entre dois ou mais narradores(as). "Essas histórias permitem uma fuga para dentro do corpo — um momento para focar em si mesmo e se reenergizar. É realmente uma forma de cura e terapia", escreveu uma usuária da plataforma.
Criado em 2019 pela norte-americana Caroline Spiegel — irmã do CEO do Snapchat —, o Quinn é um site e aplicativo de histórias eróticas tanto em áudio como em texto e conta com centenas de narradores e colaboradores. A ideia, desde o inicio, foi dar às mulheres uma alternativa à pornografia padrão, dominada por um olhar masculino. Para ouvir durante um mês, a assinatura custa US$ 4,99 (cerca de R$ 24).
O youtuber YSF Audio é conhecido na internet pela voz grave que usa para criar conteúdo estilo ASMR e áudios eróticos. Parte dos conteúdos são lançados no YouTube, mas os episódios completos são distribuídos na sua própria plataforma, para pagantes. A assinatura parte de US$ 6 (cerca de R$ 29) mensais.