Podolatria: substantivo feminino que significa interesse ou excitação sexual provocada pelos pés, define o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Embora envolto em tabu e muitas vezes herdeiro da má fama de "coisa de esquisitão", sentir tesão por pés é algo que ocorre com uma legião de pessoas e que, em uma dinâmica sexual, pode proporcionar prazer tanto para quem admira quanto para quem é alvo da admiração.
O tema mexe tanto com os ânimos das pessoas que não é incomum ouvir histórias sobre esse interesse "peculiar". Os pés da cantora Luiza Possi, por exemplo, vêm chamando a atenção de seus seguidores há algum tempo e, segundo ela, existem até fã-clubes dedicados a eles. A artista, que não entende muito bem o fascínio das pessoas, tocou no assunto no mês passado, quando abriu uma caixinha de perguntas no Instagram e respondeu perguntas de fãs:
— Acho os fãs dos meus pés uma coisa muito bizarra, não entendo por que são apaixonados, são muitos fã-clubes, muitas pessoas que falam.
Em outro vídeo, complementou:
— Inacreditável a quantidade de falação dos meus pés. Não incomoda não, pode gostar. Eu só acho engraçado, me divirto. Eu acho meu pé bonitinho sim, só não entendo essa loucura que vocês têm, mas acho bonito, cuido dele, faço a unha, pinto — disse Luiza aos seguidores.
O que é a podolatria
A podolatria também movimenta mercados na internet. Há quem compre, por valores diversos, os chamados "packs do pezinho", pacotes de vídeos e fotos de pés — uma prática que, até o momento, não é ilegal se feita com o consentimento do dono ou dona dos tais membros inferiores.
De acordo com a ginecologista e sexóloga Cristina Grecco, mestre em saúde da mulher e terapeuta sexual, fetiche é um tipo de interesse sexual não convencional direcionado a um objeto ou a uma parte do corpo específica, excluindo-se genitais e seios.
— No caso da podolatria, esse interesse se dá para a região dos pés e para tudo que se relaciona com eles, como meias, sapatos. É caracterizado pelo desejo de ver, beijar, tocar, lamber, cheirar, fazer massagem, acariciar os pés. Inclusive, e aí entra a parte mais "creepy" desse fetiche, algumas pessoas gostam de pés sujos e cheirando a chulé. Esse viés também existe dentro do fetiche — detalha Cris.
É errado ter fetiche por pés?
Nem estranho, nem errado, nem ruim. De acordo com a sexóloga, o fetiche por pés pode ser considerado basicamente como uma preferência sexual atípica, não convencional. Mas, como os seres humanos estão inseridos em uma sociedade que define padrões de comportamento inclusive para o sexo, muitos acabam considerando o fetiche "estranho" ou "nojento" porque foge à norma. A prática, no entanto, está muito longe de ser considerada um transtorno mental.
— Segundo o mais recente Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), qualquer fetiche, incluindo o interesse por pés, só é classificado como transtorno mental quando causa angústia e sofrimento na pessoa que tem o fetiche ou na que está envolvida na prática. Se não causa angústia ou sofrimento aos participantes, é apenas um fetiche. Agora, a partir do momento em que a barreira da integridade física e psicológica é ultrapassada, tanto para quem pratica como para quem é mais "passivo" na dinâmica, aí é preciso acender o sinal de alerta — afirma Cristina.
Vale também a reflexão de que, na comparação com outros fetiches — pense naquelas práticas eróticas que envolvem amarrar, pendurar e asfixiar, por exemplo —, a adoração por pés pode ser muito menos perigosa do ponto de vista de ameaça física da parceria sexual, observa Cristina.
Preferência masculina
Há um recorte de gênero bastante importante nesse fetiche, destaca a sexóloga. Um estudo multipopulacional realizado em 2006 mostrou que são os homens quem têm mais atração pelos pés, fetiche que é o mais prevalente quando o assunto é a adoração por partes específicas do corpo.
— Uma das explicações para a podolatria deriva da psicanálise. Essa teoria aponta que os homens, ainda quando crianças, aprendem a admirar e a desejar os corpos femininos analisando-os de baixo para cima — afirma a médica.
Além da teoria psicanalítica, há outras suposições da neurociência que apontam que a adoração por esses membros inferiores está ligada ao fato de que, quando os pés são estimulados, a região do cérebro que processa essas sensações está próxima da região que processa as sensações genitais. Logo, pode ter a ver com sentir prazer em proporcionar prazer ao outro:
— Minha percepção é de que talvez não seja uma prática tão egoísta como se costuma pensar, porque possivelmente o grande tesão aí seja ver a sensibilidade e o desejo da outra pessoa durante a prática. Como o pé é uma região do corpo que tem muitas terminações nervosas, tocar, beijar, lamber, fazer massagem neles, e ver a outra pessoa se entusiasmando e respondendo a esse estímulo, vai fazer com que o desejo aumente.
Onde fica o limite
Cristina Grecco faz a ressalva de que esse fetiche, como qualquer outro, tem um limite: a podolatria transcende o saudável quando a pessoa que é alvo da admiração se sente invadida, constrangida ou ameaçada.
— Se a pessoa que tem o fetiche é incisiva, principalmente em público, se constrange alguém, aí realmente o fetiche ultrapassou o limite do normal e do saudável — adverte.
Para quem está interessado em trazer esse tema para a relação, a dica da ginecologista é, primeiro, ter uma conversa com a parceria, certificar de que tudo está sendo feito de forma totalmente consensual e, depois, se permitir experimentar estímulos diferentes da região.
— Vale testar estímulos visuais, estímulos táteis com pressões diferentes, explorar sex toys feitos para esse fetiche, hidratantes, massageadores específicos para pés. A fantasia é de cada um, então desde que seja conversado e faça sentido entre dois adultos, está tudo bem. Lembrando que, sempre que focamos em uma só parte do corpo ou em uma única prática sexual, estamos deixando de explorar todo o resto do corpo, que é plenamente erotizável e capaz de proporcionar prazer — acrescenta.