Entre os diversos formatos de conteúdo que repercutem no TikTok, vídeos voltados à sorte — em especial, no amor — estão tomando conta das páginas iniciais da plataforma com a promessa de realizar desejos caso o usuário interaja com as publicações.
"Tem um menino, você o conhece. Com cabelo marrom, olhos escuros, bonito, e você gosta dele faz tempo. Ele gosta de você, e você provavelmente não sabe disso. Ele vai te chamar para sair ou te contatar em breve se você usar esse som", diz um post na rede social, originalmente em inglês, com quase 10 milhões de visualizações e 750 mil curtidas.
Os vídeos seguem uma estrutura parecida: prometem dinheiro, felicidade, beleza, sucesso profissional e, principalmente, amor. A narrativa é de que, se pessoa que está vendo o conteúdo curtir, comentar, compartilhar ou salvar a gravação, ela terá o que deseja. Alguns, ainda, ameaçam o efeito contrário caso o vídeo seja ignorado.
São como uma versão nova das "correntes", que perduram desde os primórdios da internet, como as compartilhadas em peso no falecido Orkut. A ideia vendida por elas é "manifestar o desejo ao universo". Tal apelação ao usuário, é claro, busca engajamento — e a fórmula tem dado certo.
Por que, afinal, principalmente entre os mais jovens, esse tipo de conteúdo tem tanto sucesso?
Exposição e conexão
Para a psicóloga Tatiana Perez, o fenômeno funciona porque traz esperança. É visto como uma solução rápida e fácil, que dispensa comunicações desconfortáveis com um parceiro em potencial, sendo possível encontrar um amor "do sofá de casa".
— Podemos pensar nas pessoas que estão sem esperança. Quando veem esse tipo de estímulo, pensam: "Bom, já tentei tudo mesmo, quem sabe isso aqui funciona?" — explica a especialista.
Por mais que a busca por uma força maior para atrair relacionamentos amorosos não seja uma novidade, o ambiente das redes sociais traz um fator diferencial a esse tipo de comportamento: a exposição.
— Se a gente for pensar na superstição no passado, de procurar cartomantes, ou de fazer alguma simpatia, era algo mais privado, ninguém via — lembra a psicóloga. — Hoje, na internet, não: você tem que curtir, compartilhar, expor.
E é justamente isso que pode levar à conexão, no sentido de que ver outras pessoas acreditando na promessa pode despertar a vontade de replicar o comportamento. Tudo isso gera engajamento no TikTok, fazendo o conteúdo aparecer para ainda mais pessoas com base no algoritmo da plataforma.
Mulheres são as mais engajadas
O material que explora a superstição dos usuários é geralmente voltado para as mulheres, que lotam as seções de comentários com interações na intenção de "manifestar ao universo" seus desejos.
Por mais que tenham ocorrido mudanças ao longo dos últimos anos, Tatiana Perez acredita que as mulheres ainda são condicionadas socialmente, por meio de sua educação, a idealizar relacionamentos amorosos a partir de um lugar de emoção, e não de lógica.
— Têm vários vieses de gênero para observarmos. Enquanto o homem conquista, vai atrás do que ele quer, a mulher tem que ser mais passiva. Ela pode fazer uma reza, seguir uma corrente. Mas chegar para a pessoa e perguntar "olha, e aí, a gente vai ficar junto ou não, qual é?" ainda é estranho socialmente — aponta a psicóloga.
Geração Z
Por fim, a especialista destaca que o desencadeador da febre entre o público jovem pode ser o distanciamento social dos mais novos. Focado no online, o público da geração Z tende a enfrentar mais dificuldade para ter encontros físicos e expor suas emoções. A psicóloga simula o fluxo de pensamento do receptor desse tipo de conteúdo da seguinte forma:
— "Bom, já que eu estou aqui, sentada no sofá, e o celular está me dizendo que isso é possível... E não é só o celular, é todo o contexto, o mundo que eu acompanho. Então eu também vou compartilhar, para fazer parte dessa comunidade e dessa crença de alguma maneira. Se está todo mundo compartilhando, por que eu não vou compartilhar?".
Veja exemplos desse tipo de vídeo no TikTok:
Ainda, outros usuários brincam com as superstições fazendo vídeos que "quebram as maldições":
*Produção: Fernanda Axelrud