Com o ingresso da geração Z no mercado de trabalho, as empresas precisam lidar com uma série de novos paradigmas e processos. Esse grupo de jovens, que representa boa parte dos usuários do TikTok, está trazendo novos questionamentos sobre o mundo do trabalho nas redes sociais, gerando debates entre recrutadores e especialistas de Recursos Humanos (RH).
No início do ano, viralizou uma “trend” inédita: jovens começaram a gravar o momento da demissão, levantando reflexões sobre os motivos dos desligamentos. O movimento começou nos Estados Unidos, e alguns usuários brasileiros da rede fizeram o mesmo. Outra questão que tem gerado discussão é a participação dos pais em processos seletivos dos filhos.
Estudo mostrou que, nos Estados Unidos, jovens têm levado seus familiares para participar das seleções. O levantamento da Intelligent, publicado em dezembro, apontou que um em cada cinco empregadores consultados alegou ter um jovem recém-formado que trouxe um dos pais para uma entrevista de emprego. Ou seja, cerca de 20% dos 800 entrevistados.
Embora esses movimentos não sejam generalizados, eles estão alimentando os debates sobre choque geracional nas empresas. Conforme o professor de Gestão Estratégica de Pessoas, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV, Marco Túlio Zanini, temos gerações muito diferentes convivendo ao mesmo tempo no ambiente de trabalho, pela primeira vez no Brasil e no mundo.
— Temos uma diferença geracional muito grande. Essas diferenças estão muito ligadas às experiências que essas gerações tiveram, ou seja, às transformações econômicas e culturais. Temos a geração baby boomer, acima dos 55 anos, a geração X, acima dos 45, a geração Y, representada por aqueles que têm cerca de 30 anos ou mais (millennials), e a geração Z. Isso traz uma série de impactos no mercado de trabalho — explica.
Para a gerente de Pessoas e Cultura do Centro de Integração Empresa - Escola (CIEE-RS), Andréa Armellini, com a entrada dessa geração no mercado, as empresas precisam de adaptações para garantir a boa convivência entre os colaboradores e, ao mesmo tempo, não perder talentos:
— Antes, existiam gerações convivendo, mas não havia tanta diferença entre as vivências de uma geração para outra. O que realmente muda são as transformações aceleradas. Por isso, as empresas precisam se abrir à inclusão desses jovens. É desafiador para as lideranças lidar com tantas gerações ao mesmo tempo. Mas é preciso ter capacidade de comunicação, entender as expectativas de cada grupo e trazer clareza sobre o que empresa a espera, isso ajuda muito.
Mudanças comportamentais
Para a estudante Luiza Razzera, 19 anos, que faz Psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), autonomia é algo importante em termos de carreira, inclusive nos processos seletivos. A jovem de Farroupilha está no segundo semestre do curso de graduação e já está em busca de um estágio. Ela conta que quer um trabalho presencial, justamente pela possibilidade de conviver com pessoas diferentes.
— Acho que a gente tem que ser independente, buscar trabalho é uma etapa fundamental da vida adulta. Temos que amadurecer e superar esses desafios, por mais que seja difícil. Eu prefiro trabalho presencial, é o que estou buscando no momento. Acho que faz bem sair de casa, conviver com outras pessoas, isso faz parte da experiência profissional — afirma. Ela teve a primeira experiência de trabalho aos 17 anos, atendendo em uma loja, e conta que isso a motivou a querer trabalhar com pessoas.
Já para Eduarda Velloso, 19 anos, que estuda Biomedicina na UniRitter e ainda não teve experiência profissional, é desafiador fazer entrevistas de emprego. A jovem está começando a buscar oportunidades no mercado, e está no primeiro semestre do curso.
Saí do Ensino Médio sem me sentir preparada para enfrentar processos seletivos, a gente fica nervoso por saber que estamos sendo avaliados.
EDUARDA VELLOSO
Estudante de Biomedicina
— É tudo muito novo para mim, eu nunca tive contato com o mercado de trabalho. Então, fico nervosa, muitas vezes a gente fica perdido. Eu costumo olhar vídeos no YouTube com dicas para saber o que explorar nas entrevistas. Saí do Ensino Médio sem me sentir preparada para enfrentar processos seletivos, a gente fica nervoso por saber que estamos sendo avaliados. Mas, com o tempo, vou aprendendo — conta.
Para Luana Rambo, orientadora na Unisinos Carreiras, percebe-se que os jovens de hoje são mais seletivos em relação às oportunidades que buscam, e mais antenados às informações e características das vagas.
— Vemos que os estudantes estão mais criteriosos em relação às vagas. Se antes uma oportunidade de estágio era algo extremamente disputado, hoje temos mais candidaturas em vagas com características específicas, e outras que não têm mais tanta procura como já teve. Por exemplo, a remuneração é importante, mas eles também valorizam o formato de trabalho, priorizando vagas mais flexíveis, que permitem trabalho híbrido. Mas é claro que cada nicho tem suas particularidades — diz a psicóloga.
Orientações para os jovens e as empresas
Segundo Luana, é normal que os mais jovens fiquem nervosos com esse momento de interação, ainda mais quando a entrevista é presencial, por conta das relações, que muitas vezes são mediadas por telas. Nesse sentido, a pandemia também pode ter trazido impactos.
— Esses jovens viveram a pandemia em uma fase de transição, da saída da adolescência para a vida adulta. Então, não tiveram o mesmo percurso que as demais gerações. Muitos terminaram o Ensino Médio a distância, por exemplo. Somado a isso, temos as características dessa geração, que já não costuma usar o telefone, fazer ligações, por exemplo. O atendimento cara a cara é diferente — explica.
Esses jovens viveram a pandemia em uma fase de transição, da saída da adolescência para a vida adulta. Então, não tiveram o mesmo percurso que as demais gerações. Muitos terminaram o Ensino Médio a distância, por exemplo. Somado a isso, temos as características dessa geração.
LUANA RAMBO
Psicóloga
No entanto, não é recomendável que os jovens levem familiares para participar de processos seletivos, por exemplo. Conforme Andrea Armellini, várias famílias costumam ligar para o CIEE-RS, querendo acompanhar o andamento dos processos seletivos, auxiliar os filhos e acompanhá-los nas entrevistas. Boa parte do público atendido pela instituição faz parte da geração Z. Segundo a gerente, o ideal é que os jovens possam ter autonomia nas experiências:
— Quando eles chegam para uma entrevista, aquele momento também é educativo, é um momento de desenvolvimento. Vai chegar um momento em que os pais não vão estar junto. Quanto antes os jovens puderem se expor a situações que talvez sejam desconfortáveis, isso faz com que eles desenvolvam mais habilidades, até chegar o momento de irem na empresa para a entrevista final. Buscamos sempre explicar isso aos pais também — afirma.
Por outro lado, os especialistas destacam que as empresas precisam entender as necessidades dos jovens e fazer um esforço para integrar essa geração à força de trabalho.
— Temos que ter cuidado para não satirizar e nem menosprezar os jovens. Não há falta de experiência, mas eles viveram experiências diferentes. Essas gerações estão trazendo competências que vêm para agregar, que serão importantes para o futuro, competências que muitas pessoas de gerações anteriores não têm. As organizações precisam ter esse cuidado para melhorar as relações, até para reter esse novo perfil de pessoas — explica o professor Marco Túlio Zanini.