Meses após surgir o debate sobre a tendência de demissão silenciosa, ou “quiet quitting”, um novo movimento vem ganhando força: “quiet ambition”, ou ambição silenciosa. Para especialistas, a tradução literal não é o mais adequado. Na verdade, trata-se de um crescente desinteresse de trabalhadores jovens em ocupar posições de liderança nas organizações.
O conceito de “crescer na empresa” tem novo significado, com jovens que buscam uma carreira conectada aos seus propósitos de vida. Pode estar em xeque o modelo de carreira linear, com estrutura vertical, em que o colaborador assume cargos de gestão a medida em que acumula experiência e avança na profissão. Com 281,7 mil visualizações no TikTok, a hashtag #quietambition vem ganhando destaque, inclusive entre os brasileiros.
Como surgiu o quiet ambition
Liderado pelos millennials (nascidos na década de 1980) e pela geração Z (nascidos após 1995), o fenômeno pode ser entendido como a ascensão de novas formas de encarar o sucesso profissional. Cada vez mais, os jovens estão valorizando o bem-estar e o tempo livre para atividades fora do trabalho do que conquistar salários altos e cargos de liderança, levando em conta que essas funções demandam mais tempo e responsabilidades.
A expressão quiet ambition apareceu pela primeira vez em abril deste ano, em uma reportagem publicada na revista norte-americana Fortune. O termo vem na esteira de ideias como o quiet quitting, que acontece quando os funcionários estão insatisfeitos com o trabalho e, em vez de pedir demissão, acabam diminuindo sua produtividade e engajamento, cumprindo apenas as tarefas necessárias.
A Fortune apresentou relatos de profissionais que, depois da pandemia, passaram a reavaliar sua trajetória profissional. Para eles, não faz mais sentido assumir grandes responsabilidades por um pouco mais de dinheiro, sem que haja realização pessoal. Eles buscam equilíbrio entre a carreira e outros aspectos da vida.
Publicado em agosto deste ano, um relatório da plataforma de people analytics canadense Visier mostra que a grande maioria dos profissionais norte-americanos entrevistados preferem funções técnicas a cargos de gestão, justamente para ter mais tempo livre para outras atividades. O levantamento constatou que apenas 4% dos funcionários consideram ser promovidos ao alto escalão como objetivo importante na carreira.
As principais ambições dos entrevistados são outras. Estão no topo da lista passar tempo com a família e amigos (67%), ter saúde física e mental em dia (64%) e viajar (58%). Apenas 9% colocaram como prioridade tornar-se um gerente de pessoas. Dos entrevistados, 38% estão interessados em ser gestores de equipes na empresa em que trabalham.
Outros 62% preferem permanecer como estão, sem ter que liderar pessoas, sendo que 37% afirmaram que algum dia estarão interessados na posição da chefia. Para justificar a falta de ambição aos cargos mais altos, 91% citaram motivos como as responsabilidades associadas à liderança, como estresse ou pressão, e ter uma carga horária mais pesada.
Busca por equilíbrio
Segundo a consultora de carreiras e psicóloga Luciane Linden, o fenômeno pode ser uma resposta às mudanças no próprio mercado de trabalho, que ficou mais amplo, especialmente após a pandemia, que deu novos contornos à relação das pessoas com o emprego.
As pessoas estão tendo a possibilidade de transitar na carreira de uma forma mais horizontal.
LUCIANE LINDEN
Consultora de carreiras e psicóloga
— Hoje em dia, o mercado oferta muito mais possibilidades, com a ascensão de vagas de trabalho remoto, por exemplo. Assim, os profissionais estão menos amarrados a um único caminho na carreira. Também temos visto cada vez mais pessoas mudando bruscamente de carreira, porque é possível recomeçar, mudar de área ficou mais fácil — afirma.
Para Luciane, que é professora de Pós-Graduação na Universidade La Salle, o movimento não se trata meramente de falta de ambição, mas de uma busca por equilíbrio na vida profissional. Ou seja, as pessoas estão entendendo o trabalho como parte da vida, em vez de tentar encaixar o resto da vida na rotina de trabalho.
— Os jovens estão valorizando mais o fato de serem recompensados por fazer algo que está conectado aos seus objetivos, e não somente almejar posições mais altas. As pessoas estão tendo a possibilidade de transitar na carreira de uma forma mais horizontal, mas sem deixar de evoluir — argumenta a professora.
Vale ressaltar que não é um movimento generalizado, como explica a diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH–RS), Aline Silveira. Para ela, trata-se de uma possibilidade para parcela privilegiada da população, já que muitos não têm essa escolha.
— Há muitos estudos baseados no mercado norte-americano, que não olham para a realidade brasileira. Para muitos, o trabalho representa uma garantia de necessidades básicas, e não somente uma fonte de prazer e satisfação. Se houver a possibilidade de assumir uma cadeira de liderança e receber mais por isso, essas pessoas certamente vão valorizar essas funções.
Geração Z e saúde mental
As pesquisas mostram que o quiet ambition tem ampla adesão da geração Z. Isso pode ser explicado por vários fatores, como a preocupação maior com questões sociais e ambientais – e a busca por tempo para dedicar a essas causas – e a priorização da saúde e o bem-estar.
Em novembro, o PUC Carreiras, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, conduziu levantamento com 2.100 jovens de 14 a 23 anos. Quando questionados sobre o que mais valorizam na vida, 41,1% responderam que dão prioridade à qualidade de vida, e 18,4% responderam que o mais importante é a carreira e o trabalho.
— Se a gente pensar na carreira em uma lógica tradicional, do trabalho como fonte de renda, para gerações anteriores, muitas vezes, alguns planos de vida ficavam para a aposentadoria, para uma outra etapa da vida. As novas gerações não pensam assim, elas querem desfrutar da vida aqui e agora. Eles não vão se identificar com uma cadeira de liderança se isso significa ter esgotamento mental, uma rotina desgastante — explica a consultora de carreiras Ana Cecília Petersen, do PUC Carreiras.
Após a pandemia, houve aumento de 25% na prevalência de ansiedade e depressão em todo o mundo, de acordo com um relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Risco para as empresas
As demissões silenciosas e a falta de ambição na carreira não são movimentos inéditos no mercado de trabalho. Levantamento de 2014, por exemplo, concluiu que apenas 34% dos profissionais norte-americanos buscavam posições de liderança, sendo que somente 7% tinham o objetivo de ocupar um cargo no C-level. A pesquisa foi conduzida pela plataforma de empregos Careerbuilder, com 3,6 mil entrevistados dos setores público e privado.
Para especialistas, essa mudança de paradigma pode ser um risco para o futuro das organizações, que dependem de bons líderes para conduzir equipes e servir de inspiração para os colaboradores. Por isso, as empresas devem ficar atentas ao movimento.
— A sucessão é uma preocupação constante. Isso sempre foi uma dor das empresas e, à medida que tem menos pessoas interessadas, torna-se um problema maior. É um desafio ter pessoas capacitadas para assumir a liderança. Agora, acrescenta-se a essa realidade o fato de haver menos pessoas interessadas — diz Aline Silveira, da ABRH – RS.
Luciane Linden ressalta que as novas gerações se adaptam rapidamente às mudanças, mas há um descompasso, porque as organizações ainda levam muito tempo para mudar a cultura interna. — Muitas empresas estão pecando nesse quesito, essa morosidade para promover mudanças. As organizações precisam ter uma leitura mais dinâmica, ter uma escuta ativa dos colaboradores e tomar decisões mais rápidas — afirma a consultora.
Como as empresas podem se adaptar
De acordo com Ana Cecília Petersen, do PUC Carreiras, uma série de medidas podem ajudar as organizações a enfrentar essa realidade como as seguintes iniciativas:
- Mentorias: desenvolver programas de mentoria para incentivar os líderes a orientarem talentos mais jovens, criando uma cultura de desenvolvimento de carreira;
- Reconhecimento: implementar programas de reconhecimento para valorizar a contribuição individual de cada colaborador;
- Flexibilidade e autonomia: garantir flexibilização de horários e possibilidade de trabalho remoto ou híbrido, para que os colaboradores tenham mais autonomia e se sintam mais motivados;
- Avaliação do desempenho: adotar processos estruturados de feedback, como reuniões mensais, por exemplo, para promover a escuta ativa e garantir o crescimento individual.