A relação esfriou, o casal já não transa mais e os motivos que podem ter levado a isso são inúmeros. Alguns dos mais frequentes, segundo a psicóloga e sexóloga Alice Touguinha Weidle, são o longo tempo de convívio, a rotina de trabalho, as brigas que minam a relação, e a chegada de filhos, por exemplo, e o fato do casal ter parado de se namorar e se observar nos gestos sutis do dia a dia. Debaixo do teto de casa, foram ficando cada vez mais raros os beijos na boca antes de sair para o trabalho e os amassos na bancada da cozinha.
O desinteresse pelo sexo na relação de um casal, observa Alice, na grande maioria dos casos é decorrente de fatores psicológicos e relacionados à dinâmica a dois:
— Conflitos no casal podem fazer o sexo esfriar, é como um sintoma de que algo não está bem na relação. Quando a gente se sente admirada, vista, respeitada e considerada, a gente fica muito mais aberta à possibilidade do sexo. A qualidade do relacionamento, ou seja, a forma como a pessoa está se sentindo na relação, o contexto e o ambiente afetam muito nessa receptividade.
Embora menos frequente, também é possível que questões de saúde e do funcionamento do organismo sirvam de obstáculo à intimidade, como é o caso de ansiedade, depressão, deficiência de vitaminas e nutrientes, entre outros problemas. Esses fatores devem ser avaliados de perto por um médico, recomenda a terapeuta. No caso das mulheres, também há momentos do seu ciclo reprodutivo que impactam na vontade de se engajar na relação sexual.
— No caso das mulheres em pós-parto, é normal haver diminuição do desejo por um tempo, pois a produção aumentada de prolactina para amamentar afeta neurotransmissores ligados à resposta sexual. E, na menopausa, a baixa de hormônios como o estrogênio impacta na diminuição da lubrificação e na libido, o que pode tornar o sexo menos interessante. É importante fazer avaliação ginecológica para identificar o que pode estar ocorrendo — afirma a sexóloga.
Para o casal que está com a saúde em dia e busca algumas estratégias para se reencontrar na relação íntima, a psicóloga dá algumas dicas:
Erotize a relação
No início da paixão, é normal passar a semana planejando o encontro que vai rolar no final de semana, e ansiar por esse momento cria uma atmosfera de provocação que é benéfica ao sexo. Mas Alice explica que, com o tempo, essa dinâmica tende a ir morrendo nos casais: aos poucos vão deixando de namorar, de erotizar a relação e de reservar um tempo para fantasiar sobre o outro e sobre como o encontro sexual deles vai ser.
— Isso acontece muito pelo fato de que vivemos numa lógica em que buscamos segurança, intimidade e previsibilidade no relacionamento, só que isso mina o desejo. O desejo tem uma ótica de mistério, de inesperado, de surpresa que dá friozinho na barriga, e é isso que a gente tem que tentar trazer para o relacionamento quando o sexo deu uma esfriada — orienta a sexóloga.
Para voltar a erotizar o relacionamento, a dica é criar momentos para se curtir. É sobre beijar na boca, fazer carinho, mandar mensagem de texto com algum pensamento picante que veio à cabeça, dar uns amassos em momentos e locais inesperados e resgatar o contato físico – sem pensar que todo toque vai, necessariamente, acabar em sexo. Tudo isso ajuda a deixar o erotismo do relacionamento aflorado.
— Tem uma frase que diz que “erótico é tudo que parece sexo, cheira a sexo, mas não é sexo”, então é sobre aguçar os sentidos e despertar a imaginação para que seja ainda mais prazerosa a vivência do sexo — explica Alice.
Invista em bem-estar
Para uma vida sexual satisfatória, é preciso dar atenção especial a tudo o que pode interferir sobre o centro de prazer humano. Para impactar positivamente no prazer, é importante se exercitar, buscar se sentir feliz com a profissão e valorizado no trabalho, procurar investir em projetos que tragam crescimento pessoal – um curso, um esporte, um hobby – e socializar.
— Se a pessoa sente mais disposição e mais vontade de viver no seu dia a dia, consequentemente terá mais vontade de fazer sexo. Praticar exercícios físicos contribui para a disposição e melhora o condicionamento físico. Ter contato com pessoas também é bom, já que restringir-se demais ao relacionamento pode desgastá-lo. É bom dar algum “tempo longe para sentir saudades”. E se dedicar aos próprios projetos com certeza ajuda no desejo — elenca a sexóloga.
Também é indispensável reservar um tempo para o descanso e o sono de qualidade. Isso porque sobrecarga e cansaço, tanto físico como mental, retiram a vontade de ter relações sexuais e afetam, inclusive, a sensação de satisfação, já que fica difícil se concentrar no prazer.
— Quando estamos cansados, não estamos disponíveis para o sexo. É preciso momentos de descanso e relaxamento — destaca.
Façam atividades em dupla
A parceria e o investimento um no outro ajudam o casal a permanecer conectado e atraído. Portanto, para duplas que estão se sentindo um pouco distantes, reservar um tempo para fazer atividades juntos, só os dois, pode ajudar na reconexão.
— Quando os casais têm filhos, frequentemente se tornam muito "pai e mãe" e menos "homem e mulher". É por isso que reservar momentos de qualidade para estarem juntos é importante, ajuda a resgatar a conexão como casal. Eles podem se matricular num curso de dança, num esporte ou então cozinhar juntos, etc. Também vale estipular um dia em que saem para jantar e conversar, se atualizar sobre o que está acontecendo no dia do outro. O importante é ter momentos só do casal.
Dialogue sobre sexo
Assertividade é uma característica essencial na boa relação sexual, segundo Alice, mas fica muito difícil acertar os botões do prazer do outro se não houver conversa:
— Às vezes o casal pode ser superassertivo com outras coisas do dia a dia, outras negociações, mas na hora do sexo acabam deixando de comunicar o que funciona para cada um, e com o tempo a tendência é que o sexo fique menos satisfatório, mais morno. E a gente não gosta de repetir o que não é bom. Por isso que é muito importante ter diálogo aberto, não em tom de crítica, mas no sentido de expressar alguma vontade, desejo e sugestão.
Fica ainda mais complicado “acertar” se a pessoa não possui um bom entendimento das suas próprias zonas erógenas e dos estímulos externos que aguçam o seu prazer. Portanto, uma boa exploração solo pode ajudar no autoconhecimento e, posteriormente, servir de guia para o parceiro.
Para além do toque, há quem se excite, por exemplo, ouvindo frases eróticas ao pé do ouvido, escutando uma música, sentindo o cheiro de uma vela aromática, vivendo uma experiência em um lugar que não é o quarto. As possibilidades são infinitas.
— Muito se fala que o homem é mais visual enquanto a mulher prioriza outras coisas, mas fato é que cada indivíduo tem algum estímulo que "pega" mais que outros. Então temos que entender quais são as nossas linguagens do desejo e comunicá-las. O que não se pode fazer é delegar para o outro a responsabilidade sobre o seu prazer, cada um é responsável pelo seu – ressalta.
Reinvente a cena sexual
Existe uma ideia consolidada de que o sexo começa com preliminares, avança para a penetração e culmina no orgasmo. No entanto, a sexóloga explica que seguir sempre o mesmo roteiro tende a enjoar e a tornar a relação cada vez menos atraente. Para dar um outro sabor, o ideal é reinventar a cena sexual e explorar diferentes práticas que incluam o corpo inteiro. Também vale conversar sobre fantasias e, na medida do possível, colocá-las em prática.
— Temos uma cultura de focar muito nos genitais e na penetração, mas na verdade sexo é muito mais amplo, inclui carinhos por todo o corpo, sexo oral, masturbação, imaginação. Quanto mais a gente se imagina, mais a gente se erotiza. É importante parar de pensar na penetração como "prato principal", ainda mais sabendo que, para a maioria das mulheres, a penetração não é o ápice, não leva ao orgasmo.
Ao invés de pensar no sexo como um jantar de três pratos, é melhor pensá-lo como um buffet onde dá para pegar um pouquinho de cada coisa e em momentos variados. Criar novidade na cena sexual é muito legal – incentiva a sexóloga.
Desapegue dos padrões
A autoestima pode sofrer quando se cria uma expectativa por padrões estéticos ou por uma performance sexual ao estilo filme pornô. A dica da sexóloga é, ao invés disso, focar na busca por partilhar um momento de proximidade, carinho e prazer com a pessoa amada:
— Ainda temos um modelo muito heteronormativo do que se espera do sexo, de ter que ter uma performance, ter que agradar, fazer tais coisas. Só que esse ideal nem sempre corresponde ao sexo que é prazeroso, então é importante conversar sobre a educação em sexualidade e entender que qualquer parceiro vai ter preferências diferentes, e que a gente só vai conseguir saber se a gente conversar, o sexo é uma negociação.
Adapte a rotina e o relógio
Há um entendimento, no imaginário comum, de que o momento “certo” para transar é à noite, antes de dormir. A má notícia é que muitas vezes é justamente nesse momento que o casal está mais cansado e, assim, acaba deixando o sexo de lado e focando em suas horas de sono. Alice observa que, por esses motivos, pensar em transar em outros horários pode ser uma opção interessante para aumentar a disponibilidade para a relação íntima.
— Os picos de testosterona, por exemplo, que é um hormônio relacionado ao desejo, ocorrem cedo pela manhã e caem durante o dia, por isso vale pensar em outros horários. Também é muito comum deixar o sexo para após as refeições, quando a prioridade do corpo é a digestão e as pessoas podem até ficar com sono, ou então deixar para depois do banho quente, que relaxa, diminui a disposição para atividade vigorosa e aira retira os cheiros natural da pele, o feromônio, que é afrodisíaco para os casais. Então, adaptar a rotina ao que funciona melhor para cada casal, é uma boa estratégia.