Você já deve ter ouvido estes relatos (ou experienciado a situação): durante a gravidez, a libido foi para as alturas e a vontade de transar aumentou consideravelmente. Ou o contrário: durante a gestação, o desejo sexual praticamente não deu as caras. Há ainda as mulheres que sentiram o tesão oscilar (muito!) durante o período.
Mas, afinal, por que isso acontece? Conversamos com as ginecologistas e obstetras Julia de Barros Machado e Bárbara Schneider Eisele e com a ginecologista e sexóloga Sandra Scalco para entender melhor a questão.
Primeiramente, é preciso entender que a gestação é uma fase de muitas mudanças - tanto físicas quanto emocionais - para a mulher, o que repercute diretamente em suas relações, aponta Julia.
A cada trimestre, novas mudanças
Há evidências de que o interesse sexual tende a diminuir no primeiro trimestre da gravidez, no qual é comum a mulher enfrentar enjoos, vômitos, dores nos peitos, cansaço e sono excessivo, explica Bárbara. A libido costuma aumentar no segundo trimestre, em razão da maior irrigação sanguínea na região pélvica e, consequentemente, uma maior sensibilidade vaginal. Também é neste período que as gestantes percebem a diminuição do mal-estar típico do início da gestação. Nos últimos três meses da gravidez, o interesse tende a declinar, já que o desconforto e o cansaço físico se intensificam conforme aumenta o tamanho da barriga.
Mas nada é regra: esses indicativos são variáveis, já que cada grávida se adapta de forma diferente às mudanças da gestação. Julia ainda ressalta que a vida sexual da mulher pode ficar mais ativa se os desconfortos corporais não estiverem presentes.
Por que o desejo não aparece em alguns casos?
Para a ginecologista Sandra Scalco, alguns dos problemas sexuais que muitas mulheres enfrentam neste período podem ter relação com fatores como a hipertrofia e congestão das mamas, edema e congestão da parede vaginal, além, é claro, do aumento do volume do útero. Algumas gestantes também percebem pequenas contrações uterinas que tem duração de até um minuto, mas que costumam ser indolores. Somado a isso, é importante lembrar que doenças associadas também podem impactar no desejo sexual.
A sexóloga ressalta que as repressões sexuais femininas ainda fazem com que muitas mulheres vivam suas experiências com crenças errôneas, o que provoca insatisfação, temor e sentimento de culpa.
O estado psicológico da grávida também influencia sua expressão sexual, já que este período pode trazer ansiedade e angústia para umas, enquanto causa alegria e satisfação em outras, lembra Sandra. Além disso, a autoestima da mulher também faz toda a diferença para que sua libido fique em alta.
E o parceiro?
Ao estudar o desejo sexual de uma mulher ao longo da gravidez, quase nunca se leva em consideração o seu parceiro sexual, aponta Sandra. Foi identificado, em um estudo descritivo, que a gestação influencia, sim, o tesão de ambos. Mas, na prática, o comportamento aparece de maneira diferente: mulheres têm menos desejo no primeiro trimestre e melhores índices no segundo. Já os homens têm níveis mais baixos no último trimestre, mas mantêm níveis mais elevados de desejo sexual durante toda a gravidez das parceiras em comparação às mulheres.
— O desejo sexual e o prazer na gestação também dependem da interação e do relacionamento prévio do casal. Quanto mais próximo emocionalmente estiverem, melhor vai ser a adaptação sexual às modificações geradas pela gestação — opina Julia, que defende a importância da sexualidade se expressar por sentimentos, estímulos, prazeres e intimidades, ainda mais neste período.
Um eterno tabu
O desejo e o prazer na gestação dependem do relacionamento prévio do casal. Quanto mais próximo emocionalmente estiverem, melhor vai ser a adaptação sexual às modificações geradas pela gestação.
JULIA DE BARROS MACHADO
ginecologista e obstetra
Sandra destaca que a função sexual na gravidez é cercada por tabus. Por motivos biológicos, hormonais, psicológicos e culturais, são frequentes as dificuldades na cama durante este período, o que pode afetar negativamente a qualidade de vida de muitos casais. E, infelizmente, o que normalmente acontece é que as pacientes não falam sobre isso com seus médicos.
— O tema desejo não surge espontaneamente nas consultas. E esse silêncio da paciente em não contar e do (a) médico (a) em não perguntar leva muitos casais a sofrimentos desnecessários. O pré-natal é uma excelente oportunidade para que os casais possam expor suas dúvidas, medos e queixas sexuais e obter esclarecimentos e orientações — indica ela.
E as fantasias sexuais?
Na literatura científica, muitos autores medem o desejo através da presença de fantasias sexuais. Ou seja, associam a capacidade de alguém realizar as invenções de sua imaginação com o aumento da vontade de transar. Para Sandra, esse fator deve ser considerado ao falar sobre desejo na gestação.
— Se há dificuldades em empregar técnica de imaginação, essa fase pode servir até de gatilho entre o casal frente às adaptações inerentes ao contexto — diz ela.
Para resumir, o desejo sexual pode se manter estável, aumentar ou diminuir na gravidez, e isso depende de diversos fatores, como o trimestre da gestação, a qualidade da relação do casal e a saúde da mulher em um quadro geral. É de extrema importância que o tópico seja discutido durante o pré-natal e que o profissional da saúde esteja disponível para orientar a paciente sobre o assunto.
— A gravidez não necessariamente atrapalha a relação sexual e a convivência. O desejo e o prazer podem permanecer. Inclusive, questões relacionadas à satisfação e ao orgasmo continuam iguais quando há espaço para o diálogo a respeito das reações da companheira, criando um clima de compreensão — conclui Sandra.