Eles estavam juntos há cerca de quatro meses. Ela havia sido apresentada para a família e os amigos mais próximos e planos futuros estavam sendo feitos. Inclusive, a dupla tinha, no horizonte próximo, uma viagem de férias, tempo para relaxarem juntos. Até que, em um belo dia, ela recebe mensagem do companheiro na qual é informada que o relacionamento havia acabado. Até porque, argumenta o outro, eles "não tinham nada". Depois do rompimento abrupto resta uma pessoa devastada, se questionando se o relacionamento vivido fora apenas invenção da sua cabeça e se perguntando o que fez/disse de errado.
O que é vínculo fantasma?
O exemplo citado acima é da psicóloga clínica e analista junguiana Tatiana Paranaguá, que cunhou o termo "vínculo fantasma" para dar nome e sobrenome a um fenômeno que, embora exista há muito tempo, tem se fortalecido ano após ano. O termo rendeu o livro, publicado em maio, chamado Vínculo Fantasma: os Relacionamentos Voláteis da Atualidade.
— Quando muito, esse fantasma dá um "tchau" e some, sem dar maiores explicações. Se o outro pede satisfação, recebe respostas como "peraí, não prometi nada a você" e "nunca pedi você em namoro", muitas vezes se escondendo atrás do escudo do não acordo verbal para dizer que não existia compromisso no que viveram, embora tivesse todos os códigos de um relacionamento. E isso é uma realidade, acontece muito. Chamei de vínculo fantasma por acreditar que precisava ser nomeado, já que está parecendo normal o que, na verdade, é uma epidemia — diz Tatiana.
Qual a diferença entre vínculo fantasma e ghosting?
Apesar de parecer, vínculo fantasma não é a mesma coisa que ghosting, prática que virou moda com as redes sociais e que se utiliza principalmente do anteparo dos aplicativos de mensagens e relacionamento. No ghosting, uma conversa que tinha toda a cara de que evoluiria para um encontro, algo mais interessante, não avança para coisa alguma quando o interlocutor some.
Já no vínculo fantasma, antes do rompimento abrupto, estava havendo um relacionamento de carne e osso, ao vivo, e que parecia ser bastante real — havia o convívio, o interesse pela vida um do outro, planos conjuntos, introdução à família e amigos. Até que os chamados "fantasmas" têm algum tipo de estalo — muitas vezes por avaliarem que a intimidade está aumentando e que o relacionamento está mais sério — e desaparecem ser dar sinal.
As pessoas infantilizadas não querem doar nada em troca dessa experiência profunda de se relacionar, esse é o problema
TATIANA PARANAGUÁ
Psicóloga e autora do livro "Vínculo Fantasma: os Relacionamentos Voláteis da Atualidade"
"Epidemia de imaturidade": o que está acontecendo?
A causa por trás desses encerramentos sem cerimônia, argumenta a psicóloga, é a epidemia de imaturidade na qual a sociedade está imersa quando o assunto são os relacionamentos.
Os sujeitos se entendem cada vez mais como absolutamente autossuficientes e, portanto, veem a relação com o outro como um compromisso que interferiria demasiado na sua individualidade. No entanto, afirma a psicóloga, ser adulto é sinônimo de assumir compromissos, com outras pessoas e com a própria vida.
— As pessoas continuam querendo se relacionar, estar junto, são experiências riquíssimas que fazem com que a gente se conheça e se expanda. Mas as pessoas infantilizadas não querem doar nada em troca dessa experiência profunda, esse é o problema — afirma.
Para explicar o que vem mudando, a psicóloga desenha outro exemplo. Na idade média, imersa em guerras, falta de antibióticos e inexistência de tecnologias para refrigerar alimentos, ou os sujeitos assumiam responsabilidade ao menos com sua alimentação — acordar cedo, lavrar a terra, alimentar os animais, buscar água — ou morriam. Agora que a energia elétrica está a um interruptor de distância e a alface, comprada no mercado, descansa tranquila na geladeira, aumenta uma espécie de sensação de "eu não preciso de ninguém".
— Só que a alface não chega sozinha no mercado, nem a energia elétrica vem sozinha para nossa casa. É tudo uma ilusão de que eu sou autossuficiente, uma polarização exacerbada de um movimento que, em si, é bom, que é o de se enxergar como indivíduo, e não apenas como integrante de um grupo. Mas quando o desejo por individuação começa a descambar para o individualismo, aí temos um problema. Individualismo é o prazer eterno. Se a pessoa acredita que consegue viver sem precisar do outro, então ela não tem por que se doar, limitar seu prazer, sua liberdade — defende Tatiana.
A analista ressalta que os fantasmas podem ser de qualquer gênero e que o fenômeno não é geracional: os imaturos têm todas as idades, excluindo apenas crianças e adolescentes, que têm todo o direito de serem imaturos pois estão recém adquirindo experiências de vida.
Os imaturos também não querem crescer e negam ciclos naturais da vida, como a morte, segundo a psicóloga. O desejo é de serem crianças eternas e, para isso, não podem ter responsabilidades de adultos:
— Para serem forever young, eles não podem assumir compromisso, não podem sequer se tornarem pais ou mães, porque se o fizerem, perdem o lugar de filho. A pessoa sempre se coloca como aquele que recebe, aquele que é cuidado.
A importância dos vínculos reais
O objetivo de Tatiana com a publicação do livro, que tem como base suas pesquisas e atendimentos na clínica-escola de psicologia analítica Centro de Junguiando, não é fornecer uma receita de bolo de como não entrar na cilada de um vínculo espectral ou de como não ser um "holograma" na vida de alguém. A ideia é conscientizar sobre esse padrão e incentivar os vínculos reais.
— É uma conscientização da importância de ter vínculos verdadeiros, de amar. Conscientizar sobre a importância de não corroer aquilo que é mais valioso na vida do ser humano, que é a capacidade de se relacionar verdadeiramente com outro ser humano. Não podemos achar que isso é normal, as pessoas estão adoecendo e vão adoecer mais ainda. É uma chamada à reflexão — conclui.