Já aconteceu com quase todo mundo. Papo fluindo, tudo parece estar se encaixando quando, sem explicações, resta apenas o silêncio. A pessoa do outro lado da tela some e simplesmente para de responder às mensagens. Em casos mais extremos, até bloqueia o contato. O "ir comprar um cigarro e nunca mais voltar" do mundo moderno já tem nome: ghosting. O termo vem da palavra "ghost", que significa "fantasma", em inglês.
Para a consultora criativa Laura Wischral, 34 anos, de Porto Alegre, a atitude é "o fim da falta de respeito".
— Não existe nada mais passivo-agressivo que simplesmente ignorar a existência de alguém com quem se tem/teve algum envolvimento — opina.
O ponto de vista de Laura, endossado por muitas mulheres, tem fundamento. Segundo a psicóloga com especialização em terapia de casal Tatiana Spalding Perez, o ghosting pode ser prejudicial para quem recebe porque deixa a incerteza sobre o que aconteceu, resultando em eventuais angústias e dúvidas. Além disso, os prejuízos do corte repentino de contato são intensificados em pessoas ansiosas e/ou que tendem a criar vínculos fortes rapidamente.
— Muitas vezes (as angústias acontecem) por uma questão de expectativas, de estar construindo uma visão daquela relação que não é a mesma do outro. Com o desaparecimento, (a pessoa) precisa entender que o que ela estava sentindo não era o mesmo que o outro. Fica a incerteza, a dúvida, o "será que foi isso mesmo?" — reflete.
Afinal, o que leva alguém a praticar ghosting?
São diversos os motivos que podem levar uma pessoa a sumir em vez de elaborar uma explicação franca. Para a psicóloga, diz respeito principalmente a uma falta de maturidade e problemas para desenvolver conversas difíceis.
Foi o que aconteceu com uma assessora administrativa de Lajeado de 21 anos, que preferiu não ser identificada. Ela conta que praticava o ghosting quando enjoava das relações. Com o tempo, percebeu que era uma dificuldade sua lidar com os próprios sentimentos e decidiu mudar de comportamento.
— Quando eu via que começava a ter algo mais sério, eu fugia e não dava explicação porque achava que não era necessário, já que a gente não tinha "nada" e eu tinha medo de ter que conversar sobre meus sentimentos (ou a falta deles). Eu não me orgulho disto! Achava que a melhor coisa a fazer era fugir da pessoa sem explicação nenhuma. Procurei terapia quando notei que isso fazia mal para as pessoas e para mim, porque eu me sentia culpada depois — contou.
A atitude também pode ser usada como forma de manter o contato em aberto, sem necessariamente estar presente (quem nunca recebeu um "oi, sumida", depois de tempos sem sinal de vida da pessoa em questão?). Em ambos os casos, a psicóloga destaca a ausência de sinceridade ao explicar o que está acontecendo.
— (É possível) falar: "Olha, não estou tão disponível para ti neste momento, então vou me afastar. Isso não quer dizer que a gente não possa retomar a relação no futuro". O que leva uma pessoa a praticar o ghosting é essa não disponibilidade e ao mesmo tempo uma dificuldade de colocar para o outro: "Não quero mais ter esse contato contigo", seja a razão que for — resume a psicóloga.
Nem sempre é mais do mesmo
É importante frisar que nem todo ghosting é igual. Afinal, as pessoas podem estar em níveis diferentes de vínculo. Não responder mais aquele match no aplicativo de namoro é diferente de sumir da vida alguém com quem se construiu um relacionamento.
— É muito comum, em aplicativos, a conversa estar acontecendo e do nada parar. Mas porque não tem assunto mesmo, não tem vínculo, não tem uma relação estabelecida. Então não é um ghosting prejudicial, necessariamente. É um afastamento natural — defende Tatiana.
Falta responsabilidade afetiva?
Quando o ghosting acontece entre pessoas com vínculos já bem estabelecidos, entra uma questão mais profunda. Tatiana explica que, em um relacionamento, sempre existe uma responsabilidade sobre o outro. Neste caso, o mínimo que se espera é que cada um deixe claras suas expectativas e o que está buscando naquele momento da vida. Por exemplo: não está querendo uma relação séria? Deixe a pessoa ciente. Prefere algo não-monogâmico? Avise.
— Pode acontecer do outro alimentar expectativas que não foram colocadas por ti? Pode, porque a gente não tem controle sobre isso. Mas aí entra a responsabilidade do outro, do quanto ele está conseguindo entender o que você está comunicando — diz.
Comecei a namorar. O que fazer com os contatinhos?
Outra situação comum é quando uma pessoa começa a namorar e o parceiro (a) pede para que ela pare de responder os antigos contatos, sem dar explicações. A psicóloga explica que este é um ponto que precisa de atenção: ninguém pode determinar o que você pode ou não fazer. Esta atitude, inclusive, é um alerta de que esse relacionamento pode vir a se tornar abusivo.
— Em uma relação saudável, não se exige nada do outro. Se dialoga, se entende o que é importante e se toma decisões em conjunto de acordo com o que é bom para os dois — pontua.
Sobre o caso mencionado, a especialista acrescenta que dar satisfações a quem você vai parar de conversar é um sinal de maturidade.
— Digamos que você está alimentando uma relação com duas ou três pessoas e aí você começa a namorar com uma delas. As outras merecem uma justificativa, uma explicação. Conseguir fazer isso tem a ver com maturidade — opina.
O que dizem as leitoras de Donna
Em post sobre o assunto em nosso Instagram, a secretária Andreia Coltro Garcia, 48 anos, de Caxias do Sul, aponta que a atitude demonstra "falta de maturidade em assumir responsabilidades".
"Sumir do nada machuca as pessoas. É falta de respeito. Se não quer mais manter contato, basta dizer. Nem precisa especificar os motivos, se não quiser. Ou simplesmente: não temos sintonia e pronto, acabou! Sumir sem dar a mínima satisfação demonstra falta de maturidade em assumir responsabilidades e, claro, falta de qualquer consideração pelo outro".
Já uma assistente em RH e estudante de psicologia de Porto Alegre, de 19 anos, que preferiu dar um depoimento anônimo, explica que enxerga a atitude como uma "economia de energia".
"Acho que tudo influencia nesse desapego rápido pelas relações... Até porque a forma como elas se dão são rápidas. Particularmente, eu sou uma pessoa que tem dificuldade em ficar reforçando alguns limites já estabelecidos e se afastar é uma economia de energia (e muitas vezes uma dose de amor próprio). É chato se afastar sem dar satisfação, mas ninguém é obrigado a ser o terapeuta desse tipo de relação".
*Produção: Luísa Tessuto