Relacionamento aberto: esse era um dos tópicos mais comentados do Twitter na manhã desta sexta-feira (24). O motivo foi o lançamento de uma música sobre a temática do cantor Bruno Gadiol.
Não demorou para que os usuários da rede social passaram a discutir sobre o assunto - teve quem defendesse e contasse suas próprias experiências com relações não monogâmicas, e quem discordasse e mostrasse receio com esse tipo de relacionamento.
Mas, afinal, como funcionam esses acordos amorosos na prática? Para falar sobre o assunto, conversamos com a psicóloga e terapeuta de casal Tatiana Perez que, além de pesquisar sobre o tema, ministra o perfil @paradoxopsi no Instagram, focado neste tipo de relacionamento. Ela adianta: não há regras preestabelecidas. Cada casal cria as suas, conforme suas convicções - e pensando em como dará certo para os envolvidos:
— Quando a gente fala em monogamia, falamos de exclusividade. Na relação não monogâmica, esse contrato de exclusividade vai ser negociado. E essa negociação vai depender muito de cada casal. As pessoas estão começando a entender que, por mais que escolham ficar em uma relação, seus desejos e vontades não se anulam. E não precisam se anular na prática, quando existe essa possibilidade de negociação na relação — explica ela.
Abaixo, ela explica em sete perguntas como funciona a dinâmica dos relacionamentos não monogâmicos:
Há mais gente aderindo à não monogamia?
A psicóloga percebeu, em seu consultório, um aumento de casais vivendo formas diferentes de se relacionar. Porém, Tatiana acha difícil sentenciar se há, de fato, um crescimento no número de adeptos ou se o momento atual é propício para que as pessoas falem sobre essas alternativas.
— Hoje temos um espaço maior para falar sobre isso, para as pessoas se sentirem livres para se identificar e falar sobre. Podem olhar para uma nova forma de se relacionar sem tantos preconceitos e paradigmas como se tinha no passado. Desde que, obviamente, com um processo de muito autoconhecimento e de muita desconstrução — pontua.
Quero testar, e agora?
Há três principais maneiras de iniciar uma relação não monogâmica, explica a psicóloga. Solteiros que encontram dificuldades de se manter em um relacionamento porque traem ou se sentem presos formam o primeiro grupo. Aos poucos, essas pessoas percebem que não conseguem manter um vínculo único com alguém, e entendem que essa forma de relacionamento, com exclusividade, não funciona no caso delas.
A partir daí, o solteiro passa a procurar parceiros que também se relacionam dessa forma. De acordo com Tatiana, essa maneira é mais comum entre os jovens.
Outro caso comum são os casais que enfrentam uma traição. No processo de perdão, quando analisam o que aconteceu, alguns acabam optando por abrir a relação.
— Muitas vezes, a traição faz com que o casal opte por mudar o seu contrato de uma forma que a outra pessoa, que foi traída em um primeiro momento, também possa viver outras experiências sem ter esse peso da traição — relata.
Os casais não têm o hábito de sentar e conversar sobre o que é traição. Mesmo os monogâmicos, às vezes acontece algo que um considera traição e o outro nem imaginou que seria considerado, porque não houve esse diálogo.
TATIANA PEREZ
psicóloga e terapeuta de casal
E a terceira maneira envolve casais que estão juntos há algum tempo e que querem ter relações sexuais diferenciadas ou desejam viver outras experiências, sexuais quanto afetivas. Há ainda os que percebem novas necessidades individuais, mas não querem terminar o relacionamento.
— Quando você pensa: "Quero viver uma experiência sexual que não vivi com essa pessoa que estou, e que ela não tem vontade de viver" na relação monogâmica, a lógica é terminar esse relacionamento para ter a liberdade de fazer o que quiser. E, na relação não monogâmica, quando você conversa com a pessoa e abre a possibilidade, existe essa outra chance — afirma Tatiana.
Existem regras?
Na prática, quem escolhe as "leis da relação" é o próprio casal - e elas variam a partir das combinações estabelecidas por cada um, afirma a psicóloga. O importante é que, acima de tudo, exista diálogo. Cada casal precisa sentar e avaliar quais serão seus limites. O que deveria acontecer com todos os relacionamentos, não somente os não monogâmicos, pontua a profissional:
— Não que essas regras não possam mudar com o tempo, mas vão estar veiculadas com o que cada pessoa se sente confortável — explica Tatiana.
Não abra seu relacionamento para salvá-lo!
A psicóloga salienta: o erro mais comum é fazer essa escolha na tentativa de salvar uma relação em crise.
— Isso geralmente não funciona. Os casais que vivem relações não monogâmicas falam muito que abrir a relação, mudar o contrato de exclusividade, exige que o casal esteja muito bem. Exige diálogo, empatia, conexão, aceitação. Quando a relação não está bem, eles não conseguem fazer tudo isso. A tendência, se o casal já está brigando, é que, ao colocar mais um elemento na relação, isso cause mais problemas do que resolva — explica Tatiana.
O que é traição nesses relacionamentos?
Assim como as regras que irão guiar a relação, a traição também será definida a partir dos acordos entre o casal. O fundamental é manter um diálogo constante.
— Nunca esqueço de um vídeo em que a youtuber Jout Jout, na época que tinha um relacionamento aberto, disse que, para ela, traição era assistir a Game Of Thrones com outra pessoa. Os casais não têm o hábito de sentar e conversar sobre o que é traição. Mesmo os monogâmicos, às vezes acontece algo que um considera traição e o outro nem imaginou que seria considerado, porque não houve esse diálogo — explica a psicóloga.
Tatiana também ressalta a importância de entender que as regras vão precisar ser constantemente debatidas, porque a teoria sempre é diferente da prática.
— O casal vai desenvolver essas regras para se sentir mais seguro em abrir a relação e viver algo novo. Mas, no momento que vai viver, ajustes serão necessários. Então eles precisam estar abertos para esse diálogo e essa flexibilização — diz ela.
E o ciúme, como fica?
É normal sentir ciúme em um relacionamento aberto, principalmente no começo, afirma a profissional. Ainda mais quando se trata de uma relação que antes era exclusiva:
— Quando passamos a viver uma relação não monogâmica, é comum que venha uma série de inseguranças e de incertezas, e com isso o ciúme. O ciúme é uma manifestação dessas inseguranças, de uma série de crenças que a gente traz do que é um relacionamento, além do medo de ser abandonado — reflete Tatiana.
A profissional sugere que, além de avaliar se a pessoa está, de fato, pronta para ter uma relação aberta, é importante observar o que despertou o ciúme e entender o quanto desse acontecimento pode ser ajustado (ou não) dentro das regras da relação. É sempre válido, também, avaliar em terapia ou em algum processo de autoconhecimento, se esse sentimento não vem de uma questão mais íntima, individual, que precise ser trabalhada.
O beabá da não monogamia
Em termos de nomenclatura, existem algumas diferenciações básicas. Veja:
Relação aberta
É quando um casal abre o relacionamento para novas experiências - na maioria das vezes, apenas relações sexuais e casuais com outras pessoas. As regras vão variar de acordo com o combinado entre os dois, mas, na maioria, são imposições que impedem um contato mais afetivo com terceiros.
Poliamor
No momento em que há algum tipo de envolvimento afetivo, em termos teóricos já é chamado de poliamor, situação em que é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, explica Tatiana.
Dentro do poliamor, existem diversas formas de se relacionar. Alguns exemplos: trisal, quando três pessoas vivem uma relação exclusiva entre elas; casamento em grupo, quando mais de três pessoas também se relacionam de forma exclusiva; em V, quando uma pessoa se relaciona com duas que não se relacionam entre si.
Amor livre ou relação anárquica
O contrato da relação livre é dizer para o outro que não existe contrato, afirma Tatiana.
— Dentro do amor livre existe um viés filosófico, digamos assim, de entender que sou livre para amar e me relacionar com quem eu quiser, da forma que eu quiser, quando eu quiser. Existe um entendimento de que as coisas podem mudar, de não aprisionamento do amor. São relações em que não há tantas regras impostas como em uma relação aberta ou no poliamor. Eu brinco que não ter regras também é ter regras — afirma a psicóloga.
*Produção: Luísa Tessuto