O stalker Joe Goldberg está de volta. A segunda temporada de You estreou na última semana, na Netflix, e reacendeu a discussão sobre stalking (perseguição obsessiva) e relacionamentos abusivos.
No seriado (atenção para possíveis spoilers), o protagonista interpretado por Penn Badgley é um perseguidor que, na primeira temporada, se torna obcecado por Beck e acaba cometendo atos extremos de relações abusivas. Apesar disso, seu charme é tamanho que levou fãs da série a romantizar seu comportamento.
Para aquelas que se dizem atraídas por seu personagem nas redes sociais, Badgley faz questão de responder ressaltando que o protagonista é um assassino. Em entrevista à revista Time, no dia de lançamento da segunda temporada, 26 de dezembro, o ator disse esperar que a série ajude a “desconstruir as ideias tóxicas que temos sobre masculinidade, identidade de gênero e relacionamentos”.
Assim como Beck, tantas outras mulheres se enganam quando conhecem um stalker ou um abusador. É muito comum confundir o excesso de controle que o homem impõe sobre a vida da vítima com um cuidado exagerado ou demonstrações positivas de interesse, alertam especialistas ouvidas por Donna.
– É preciso desfazer a romantização dos relacionamentos abusivos que a série traz à tona e que legitima esses comportamentos – diz Vanessa Ramos, advogada do Serviço de Assistência Judiciária Gratuita da UniRitter.
Para Renata Teixeira Jardim, advogada e integrante da associação civil Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, o seriado ilustra um comportamento típico do abusador, que quer controlar a vida da mulher, mas pode ter conduta diferente com outras pessoas. Até de afeto, como o personagem Joe apresenta em relação a Paco, um menino que vive no mesmo prédio.
– Independentemente de ter um transtorno psiquiátrico ou não, ele é um violador de direitos da mulher. E esse comportamento é bem característico de abusadores, porque eles não são monstros o tempo todo – afirma Renata.
A psicanalista Isadora Garcia reforça que, em relacionamentos abusivos, há momentos “bonitos” também. Ela explica que há traços de psicopatia na personalidade de Joe, como separar afeto e pensamento de forma fria e agir conforme leis que ele mesmo criou. Contudo, a psicóloga observa que “não consegue pensar quadros psicopatológicos fora do contexto sociocultural”.
– Se é verdade que Joe é um psicopata, também é verdade que suas ações se dão em um contexto machista – opina.
Neste ano, pelo menos dois Projetos de Lei que tratam de perseguição obsessiva foram aprovados na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. As propostas atualizam leis da década de 1940 ao incluir os canais digitais como meios de perturbação da tranquilidade alheia e prever penas mais duras para o perseguidor.
Com ajuda das entrevistadas, Donna elaborou dicas para lidar com um stalker.
Fique atenta aos sinais
O stalking se caracteriza por uma perseguição obsessiva e atos recorrentes. Muitas mensagens enviadas e ligações insistentes podem ser um sinal, assim como comentários e ações frequentes nos seus perfis de redes sociais. O stalker pode começar a aparecer repentinamente em lugares em que você está e até cercar amigos com perguntas sobre você. Para a advogada Renata Teixeira, o limite entre uma tentativa saudável de contato e o stalking é o desconforto da mulher.
Proteja-se nas redes
O cerco pode começar pelas redes sociais. Nesses casos, use ferramentas como silenciar, bloquear ou denunciar o usuário para a própria plataforma. Preze por sua privacidade e reflita antes de expor dados pessoais. Uma foto em frente a sua casa, por exemplo, pode dar pistas sobre o endereço mesmo sem a geolocalização ativada.
Registre na polícia
Você pode registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia especializada no atendimento à mulher ou qualquer outra mais próxima. E não é preciso ter se relacionado com o stalker. Quanto mais informações você tiver para ajudar a polícia a identificá-lo, melhor. Também é possível solicitar uma Medida Protetiva de Urgência (MPU) que poderá proibir contato ou aproximação da vítima ou de familiares e amigos. Renata explica que, embora as MPU sejam instrumentos da Lei Maria da Penha, que trata de vítimas de violência doméstica ou familiar, há juízes que já entendem que existe, no crime de perseguição, uma intenção de relacionamento.
Stalker ou abusador?
A psicanalista Isadora Garcia ressalta que nem todo abusador é um stalker, mas toda perseguição tem elementos abusivos. Um relacionamento que nasce de um stalking já começa abusivo porque o perseguidor não respeita a autonomia da vítima.
Ciúme excessivo é um dos sinais de que você pode estar em um relacionamento abusivo. E não só em relação a outros homens, mas qualquer outra pessoa, a ponto de afastá-la.
O abusador costuma chantagear a vítima emocionalmente. Nem sempre a proíbe de sair, por exemplo, mas diz que “fica triste quando ela não está com ele”. Em um relacionamento abusivo, o homem pode ainda querer controlar da roupa até com quem ela fala ao telefone.