As manchetes sobre a separação de casais famosos se multiplicaram nas últimas semanas na internet. Entre os anônimos, os conflitos nos relacionamentos também têm se intensificado durante o distanciamento social: as brigas aumentaram 431% entre fevereiro e abril de acordo com relatos feitos no Twitter – os dados integram o levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com a empresa Decode Pulse.
A hiperconvivência ganhou ares de "prova de fogo" para boa parte dos casais, ainda mais em um cenário de incerteza em razão da pandemia, avalia a psicóloga clínica e terapeuta de casais Katy Ziegler Hias:
– Vivemos um momento de luto social. A rotina das famílias foi tumultuada de forma abrupta, e essas mudanças fazem com que os casais tenham dificuldade de administrar tudo. Os sentimentos são potencializados, geram mais conflito, o cenário é um gatilho para o confronto conjugal.
Antes, a rotina atribulada amenizava a falta de comunicação e as dificuldades no convívio. Refeições juntos ao longo de semana? Raramente. A divisão de tarefas estava desequilibrada? Tudo bem, a diarista dava conta.
Com o novo cenário, na opinião da neurocoach Rosangela Matos, os casais foram forçados a olhar para as relações de uma maneira que nunca tinham feito antes, mesmo quem está há décadas morando junto. E o que até então não incomodava, passa a se tornar um ponto de estresse, explica a especialista em relacionamentos e dona do Instagram @descomplicandorelações:
Os sentimentos são potencializados, geram mais conflito, o cenário é um gatilho para o confronto conjugal.
KATY ZIEGLER HIAS
psicóloga clínica e terapeuta de casais
– Duas áreas estão bem presentes: as manias e a visão do outro sobre alguns assuntos. Casais estão discutindo de forma acalorada sobre opiniões diferentes. Antes, evitavam falar, não conversavam sobre polêmicas para não ter atritos. Agora, compartilham as opiniões porque não têm escolha. Para alguns, é o momento de se dar conta que se casou com alguém que vê o mundo de forma diferente. As manias de home office também viraram motivo de desgaste, assim como a divisão de tarefas.
O confinamento se transformou no momento perfeito da ficha cair para os dois lados: ou a pessoa é realmente a sua melhor parceria ou talvez não faça mais sentido seguir em frente na relação. Para a terapeuta Katy, o importante é entender que a crise força reflexões e pode ser a ponte para mudanças que vão fortalecer o casal a longo prazo.
– Agora, a pessoa pode se dar conta que há pouco em comum entre os dois. Assim como acredito que é possível aceitar os limites do parceiro e entender que está todo mundo buscando fazer o possível. O sofrimento traz um espaço para pensar em alternativas diferentes para a vida, redefinir valores. É hora de construir caminhos saudáveis que apontem para frente. Os casais podem encarar o confinamento como uma oportunidade – explica a psicóloga.
A seguir, veja dicas das especialistas para lidar com os desafios que a hiperconvivência impõe e saiba como construir um relacionamento mais saudável e transparente durante o confinamento:
Procure seus espaços de fuga
Antes da pandemia, você tinha os seus momentos sozinha, não é? A aula de dança, a caminhada, a saída com as amigas... Enfim, uma série de atividades que eram só suas, sem a presença do parceiro. Agora, manter essa programação virou um grande desafio, mas é preciso achar mecanismos para preservar a sua individualidade – mesmo que você more em um apartamento de 50 metros quadrados. É uma forma de autocuidado que, no fim das contas, beneficia a relação, defende Katy:
– Cada um precisa se cuidar, olhar para si, ter seu momento de autonomia. Preciso fazer determinada coisa sozinha, ver um filme, assistir uma live, fazer um curso online. Mas é preciso assinalar para o parceiro. Quando se isola para ter esses momentos, isso pode ter para o parceiro um tom de rechaço, as emoções estão à flor da pele. É preciso reconhecer e nomear os sentimentos, deixar claro do que se precisa.
Foco no abastecimento afetivo
Os casais devem criar momentos para compartilhar atividades prazerosas juntos. Montar um quebra-cabeça, assistir à uma live de música, dançar na sala, fazer uma janta. Invente!
– São atividades que se deve fazer sempre fora da pandemia, mas, nesse momento, isso tem um valor especial. É o enriquecimento afetivo. É o momento de vida, de alegria, que se contrapõe à crise – diz a psicóloga Katy.
Já Rosangela indica que o casal pode se dedicar a um projeto enquanto passa mais tempo em casa:
– Arrumar um móvel, uma horta, qualquer coisa. Concluir aquilo mostra a parceria, é uma forma de estar junto na mesma direção. A dica é focar em algo pequeno que pode ser concluído agora, juntos.
Exercite a empatia
Faça um esforço ainda maior para tentar compreender o que o outro está sentindo. O cenário é difícil para todo mundo e cada pessoa reage de uma forma ao que está acontecendo. Não vá no automático, faça esse exercício de se colocar no lugar do outro de forma consciente.
– Um pode ter mais dificuldade de lidar com as emoções. É justamente agora que a capacidade de se conectar com o outro, se colocar no lugar e tentar compreender o que está passando com ele é ainda mais importante. Use isso como aproximação, tentando dar espaço para as diferenças. Focar no meio termo para ter uma convivência saudável acaba sendo a melhor opção – destaca Katy.
Não deixe o romance de lado
Em casa 24 horas por dia, de pijamas na maior parte do tempo, ambos atolados com as tarefas domésticas e tentando dar conta do home office. O cenário acaba não sendo o ideal quando o assunto é sentir atração pelo parceiro. A hiperconvivência impacta também nessa área, mas não jogue a toalha: é preciso colocar no topo da lista de prioridades um tempo para o casal se conectar todos os dias. Não importa se são 10, 20, 30 minutos, explica a neurocoach Rosangela:
– Não é porque está o dia todo na mesma casa que não precisa separar um momento para um programa de casal. Todo o dia é necessário ter um tempo para a relação, o namoro, o colo, o chamego. Depois que os filhos vão dormir, antes de acordar. É o momento de cuidar da relação. O momento de ficar junto, de se reconectar.
Inteligência emocional
Rosangela indica lançar mão de aspectos da comunicação não violenta para encarar o confinamento com melhores resultados – o conceito foi criado pela psicólogo americano Marshall Rosenberg nos anos 1960.
Primeiro, tente analisar o fato de fora: o que está me incomodando? Identifique o problema e, em seguida, procure nomear seus sentimentos. Estou frustrada? Me sentindo sozinha? Desamparada? O próximo passo é descobrir as necessidades que a situação revela. O que eu preciso? O que eu quero? Por fim, com mais calma e serenidade, é hora de transmitir ao outro o que eu gostaria que ele fizesse.
– Depois desse processo, o pedido não se torna uma exigência ou uma acusação. Muitas pessoas acham que a comunicação não violenta é não se posicionar, deixar o outro fazer o que quer. Não é isso. É uma forma de construir laços, entender as suas necessidades e do outro, melhorar a conexão, a cumplicidade. E fazer a cooperação estar mais presente. Deixar claro que, se outro fizer aquilo, é importante para mim. As brigas sem sentido se multiplicam agora, aplicar esses passos já diminui a chance desses conflitos – avalia Rosangela.
Como me sinto amada
Você já parou pensar nas formas que se sente amada? Ou qual o melhor jeito de expressar amor ao seu parceiro? O confinamento é uma oportunidade de tentar alinhar as expectativas do casal.
As cobranças, segundo a neurocoach Rosangela, costumam nascer justamente desse descompasso e resultar naquele sentimento de vazio na relação. E ela ajuda você a identificar o seu, baseada nos estudos do autor Gary Chapman:
– Para alguns, o primordial é o tempo de qualidade. São as pessoas que gostam que o outro largue o celular, fique junto. Mas tem quem prefira palavras de afirmação, que sente necessidade de ouvir que é amado. Outros gostam de presentes e de presentar, dão valor a datas e mimos. Muitos são focados em serviço, não costumam falar "eu te amo", mas estão disponíveis para arrumar a casa, pessoas mais práticas. Tem ainda quem se sente amado pelo toque físico, gosta de beijo, abraço, precisa ser tocado toda hora. Entender as suas linguagens e a do parceiro ajuda a compreender como o outro funciona e isso impacta no dia a dia da relação.