Há dias em que Márcia Azevedo, 45 anos, precisa respirar três vezes para não surtar com tantas demandas. Quando chega na cozinha, a pilha de louça está lá. A cada e-mail enviado para resolver questões de trabalho, um grito de "mãããe" ecoa pela casa. E não para por aí: ainda tem a limpeza do resto dos cômodos, a roupa suja, a comida do gato…
Com o distanciamento social, as tarefas domésticas se multiplicaram, o trabalho se tornou home office e a diarista foi dispensada. Márcia admite: está se sentindo sobrecarregada.
– Acumularam muito as tarefas domésticas e isso me deixa mais sensível e irritada – explica a profissional da área de recursos humanos.
Mãe de Pedro, nove anos, e Mariana, quatro anos, ela tenta dividir parte das obrigações com o marido, mas nem sempre colocar as combinações em prática é fácil. A rotina é puxada e, no fim das contas, falta tempo e ânimo: ambos trabalham em tempo integral, se revezam para fazer o almoço, precisam ajudar os filhos com os exercícios escolares e é à noite que boa parte da limpeza da casa é feita.
Márcia conta que na dinâmica da família ela sempre assumiu a parte mais pesada das tarefas domésticas. Agora, não está sendo diferente.
– Meu marido não é das atividades domésticas, nunca foi, ele é a parte divertida de ser pai, brinca muito com as crianças, e sempre quando pode dá atenção exclusiva aos filhos. Eu sou o lado chato, das obrigações, então isso não mudou muito, eu só acumulei mais trabalho mesmo – explica.
É claro que a forma de gerenciar essa nova rotina não é padrão para todas as famílias, mas uma coisa é certa, explica a terapeuta Helena Centeno Hintz: esse ajuste na divisão de tarefas precisa passar por uma conversa franca entre o casal. Sem diálogo, não há alinhamento de expectativas sobre os deveres de cada um na casa, e é aí que mora o problema.
Construir uma agenda junto do parceiro pode ajudar. Quem faz almoço, quem faz janta, por exemplo. Ou buscar outras alternativas, como a telentrega. Mas precisam combinar. Não dá para um esperar para o outro pedir que seja feito. Ambos precisam entender que aquilo faz parte da vida deles de igual forma, inclusive a limpeza da casa."
HELENA CENTENO HINTZ
terapeuta
Até porque, segundo dados do IBGE divulgados há quatro anos, as mulheres dedicam mais que o dobro de tempo do que os homens às tarefas domésticas, sendo 25,3 horas semanais para elas contra 10,9 horas para eles. E por isso, se sentem mais sobrecarregadas.
– Construir uma agenda junto do parceiro pode ajudar. Quem faz almoço, quem faz janta, por exemplo. Ou buscar outras alternativas, como a telentrega. Mas precisam combinar. Não dá para um esperar para o outro pedir que seja feito. Ambos precisam entender que aquilo faz parte da vida deles de igual forma, inclusive a limpeza da casa – defende a psicóloga e coordenadora do Domus – Centro de Terapia Individual, de Casal e Família.
– É preciso também deixar alinhado que, se um vai fazer, vai fazer do seu jeito. Não é o jeito do outro. É muito comum ver os casais brigando por causa do "só eu sei fazer". Agora, isso gera ainda mais conflito, estamos vivendo um momento de ansiedade e incerteza. Tudo se torna maior.
E não é apenas nas famílias com filhos que o acúmulo e a divisão de tarefas está em debate. Entre os casais sem crianças, o assunto também tem pautado o dia a dia, principalmente as discussões entre marido e esposa.
– Muitas vezes as crianças distraem o casal, eles acabam não olhando para si. Quando não se têm filhos, é um com o outro, as diferenças podem ficar ainda mais acentuadas. Se os dois não sentam e não conversam, não buscam a intimidade, o quadro pode ficar muito ruim. Estar junto no mesmo ambiente não quer dizer que se tenha intimidade, não é automático – afirma a especialista. – E dentro de casa, a ajuda precisa ser mútua, um não pode se colocar na posição de auxiliar. Ainda há essa ideia de que o lado feminino fica responsável pelas tarefas de casa. É um conceito em transição, está mudando, mas ainda vivemos isso – completa Helena.
Na apartamento que Erica Castilhos, 35 anos, divide com o marido, a regra é clara: a sujeira não pode acumular. Ao longo do dia, eles tentam dar conta da louça, da comida e dos pequenos afazeres domésticos. No fim de semana é a hora da faxina mais grossa, tudo feito em parceria. Só que a adaptação à nova rotina no lar não foi fácil, lembra:
– A primeira semana foi terrível, precisamos nos habituar. Foi realmente muito estressante essa organização na quarentena. Precisamos nos acertar com os horários em função das reuniões de trabalho.
Erica é engenheira metalúrgica e, atualmente, trabalha com gestão de projetos em RH. Com uma demanda grande de trabalho desde o início do ano, foi o marido que abraçou a maior parte das tarefas domésticas.
– Quem tem puxado tudo é ele, inclusive cozinhando. Ele está com uma rotina um pouco mais tranquila no trabalho, ele que sabe o que precisa comprar no supermercado, ele lava roupa, faz tudo. Acho que temos nos organizado bem agora – explica. – À noite queremos tentar relaxar, se curtir, descansar. Sou a primeira a acordar, faço café, organizo algo do dia anterior que ficou pela casa. No mais, vamos sujando e limpando.
Essas novas experiências durante o distanciamento social podem ser justamente uma oportunidade do casal amadurecer junto, inclusive no quesito da divisão de tarefas, avalia a terapeuta Helena. A dica é olhar para o que o futuro pós-pandemia reserva de bom:
– Pode ser uma boa perspectiva e uma esperança de melhora, de mudança de hábitos. Se podemos vencer isso juntos agora, o que podemos fazer melhor daqui para frente? Traçar objetivos juntos, como pretendem estar daqui para frente. O que gostam de fazer de bom, o que tem prazer, o que funcionou e o que querem levar desse momento.