O tema infidelidade é envolto em uma contradição. Apesar de a traição estar muito mais presente nos relacionamentos do que queremos imaginar, segue como um grande tabu dentro e fora deles. Muito se trai e pouco se fala abertamente sobre o assunto, o que torna ainda mais difícil detectar quando acontece e compreender suas causas e seus efeitos sobre um casal.
Foi justamente essa falta de dados sobre a infidelidade uma das motivações para que a psicóloga gaúcha Patricia Scheeren dedicasse sua tese de doutorado a uma extensa e detalhada pesquisa sobre o tema no Brasil, por meio do Núcleo de Pesquisa Dinâmica das Relações Familiares da UFRGS. A dificuldade em obter dados concretos sobre o tema se verificou, inclusive, no próprio andamento da pesquisa:
– Pensamos, primeiramente, em fazer grupos focais de discussão, mas a conclusão foi de que as pessoas não falariam com franqueza sobre o assunto. Optamos, então, por um questionário online. Ainda assim, houve quem parou de responder pela metade, incomodado, e pessoas que achavam que não deveriam responder pois diziam que nunca haviam traído. Precisávamos explicar que este também era um dado relevante. É muito complicado falar sobre isso – relata Patricia, que também atua como terapeuta de casal e de família.
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Participaram da pesquisa 1.042 pessoas das cinco regiões do Brasil de orientação heterossexual, casados ou que coabitavam com seus parceiros há pelo menos seis meses. As idades variavam de 21 a 73 anos, o tempo médio dos relacionamentos era de 10 anos.
Os dados que surgem da pesquisa, revelados com exclusividade por Donna, impressionam pela ocorrência do fenômeno e põem abaixo alguns mitos sobre a infidelidade. O primeiro deles: o de que homens traem muito mais do que as mulheres.
Quem trai e quanto trai
Se questionados sobre todos os seus relacionamentos amorosos (atual e passados), 50,9% das mulheres e 56,1% dos homens declaram já ter sido infiéis aos seus parceiros. Proporção próxima o suficiente, segundo Patricia, para que não haja distinção revelante entre os dois gêneros. Já quando questionados sobre o relacionamento atual, apareceram diferenças mais significativas: 18,7% das mulheres e 35,2% dos homens disseram já ter traído seus parceiros. Ao serem indagados sobre já ter sido vítima de traição, 18,2% das mulheres disseram que sim, contra apenas 6,8% dos homens.
Nesse últimos dado, cabe uma ressalva, segundo a terapeuta de casal e sexóloga Rita Nunes:
– Tem dois fatores aí para esse número ser tão baixo. O primeiro, e mais óbvio, é que os homens podem não saber que estão sendo traídos porque as mulheres traem com mais discrição. Mas acredito ainda que esse percentual está muito baixo porque os homens mentiram. Eles falam abertamente que traíram, mas nunca que foram traídos, mesmo que saibam. Essa hipótese é ruim a ponto de ele negar. Para si mesmo e até para o formulário de uma pesquisa. Desses dados, este é o que vejo com certa desconfiança.
Como traem
Homens e mulheres traem, sim. Mas traem de formas distintas até por terem conceitos diferentes do que é trair. Em uma etapa da pesquisa, foram listados 23 “comportamentos de infidelidade”, e homens e mulheres selecionaram os mais frequentes. Enquanto entre homens infiéis o comportamento mais listado (por 100% deles) foi “trocar carícias sexuais com aquela pessoa”, mulheres indicaram ações muito mais subjetivas, como “arrumar-se mais e vestir roupas melhores para encontrar aquela pessoa” (84,8%), “flertar/paquerar aquela pessoa” (78,8%), “esconder do seu companheiro mensagens que trocou com aquela pessoa” (75,8%) e “manifestar atração sexual por aquela pessoa e não pelo seu companheiro” (69,7%). Só então, com 68,2%, aparece “trocar carícias sexuais com aquela pessoa”. Ou seja: para muitas, trair em pensamento é tão significativo quanto ter uma relação carnal.
– A infidelidade é algo mais complexo para a mulher. Não é algo tão preto ou branco, há mais tons de cinza. Essa lista de comportamentos da mulher evidencia que, quando trai, costuma ser com alguém com quem ela já tem alguma intimidade. Uma pessoa com quem já estabeleceu algum tipo de relação – interpreta Patricia.
Quando traem
O início de relacionamento é um período em que ocorrem boa parte dos casos de infidelidade: mais precisamente 29,2% dos primeiros episódios de traição ocorrem no primeiro ano. Porém, há um período ainda mais crítico: entre o segundo e o quinto ano, quando 36,7% das pessoas traem pela primeira vez.
A explicação: segundo especialistas esse percentual decorre de uma queda acentuada da paixão entre um casal entre um ano e sete meses e três anos de relacionamento, que é natural. A boa notícia é que, passado esse tempo, a chance diminui consideravelmente: é de 13,7% entre o sexto e o décimo ano, de 9,3% deste até o décimo quinto e de 11% a partir deste. Porém, mais do que o tempo, há outro fator que pode presdispor a um episódio de traição: a chegada de um terceiro elemento na família – e não estamos falando de um amante.
Enquanto entre homens e mulheres fiéis a proporção de filhos se equivale, entre os que admitem ter traído 60,4% dos homens e 63,4% das mulheres têm filhos. Eis aí uma das poucas correlações existentes entre fatores externos e infidelidade.
– Os filhos são um ponto de conflito potencial entre o casal, o que pode influenciar nos níveis de intimidade entre o pai e a mãe – diz Patricia.
Quando o casal é também pai e mãe, outro motivo pode levar à infidelidade: a ideia de que, mesmo sem estarem se sentindo satisfeitos com a relação, precisam seguir casados por causa dos filhos. Logo, as crianças não são necessariamente a causa da traição, mas o motivo de o casamento se manter, explica Patricia.
Seggundo a sexóloga e terapeuta de casal Lucia Pesca, há períodos da vida dos filhos mais críticos para a vida a dois:
– Ao longo da gravidez convém o casal se esforçar para manter a intimidade, as relações sexuais. Para eles não deixarem de se ver como macho e fêmea e para o bebê sentir aquele afeto. Depois do nascimento, também, para o casal não se distanciar. O segundo período crítico é a adolescência, quando os pais passam a competir com os filhos. A testemunhar o despertar da sexualidade deles e a querer isso para si de volta.
Não à toa, a idade média do filho mais velho dos casais infiéis verificados na pesquisa foi de 15 anos.
Por que traem
Com a experiência de mais de 30 anos de consultório e trabalhando questões relativas à infidelidade com mais de metade dos seus pacientes, Lucia Pesca reflete:
– Se tem algo que eu aprendi nesse tempo sobre infidelidade é que é um comportamento egoísta. Algo pessoal que as pessoas fazem sobretudo por vaidade. Pela experiência, para se sentirem valorizadas e desejadas. Isso é fundamental para entender o papel do parceiro nisso. Às vezes, ele é quase nulo.
Essa visão faz sentido quando se analisa, na pesquisa, os dados sobre as razões que levaram a pessoa a trair. Embora a parcela de mulheres que traia por estar insatisfeita com o cônjuge ou com a relação seja significativamente maior do que a do homens – 29,9% contra 14,5% –, se somados os motivos mais frequentes, tanto para eles quanto para elas, são fatores pessoais que levam à traição, e não os relacionados ao parceiro.
– Para prevenir uma traição, o melhor que um casal pode fazer é estar atento um à demanda do outro. Já apareceram casos no consultório em que a mulher está em vias de trair o parceiro porque ele ignora a vontade dela de viajar só com ele, por exemplo. Ou de realizar alguma fantasia sexual – conta Lucia.
Trair é o fim?
Talvez o viés mais curioso da infidelidade, conforme concluiu Patricia depois de encerrada a pesquisa, é como, ainda que involuntariamente, uma traição pode ajudar um casal a melhorar seu relacionamento.
– Não que o ato de trair seja positivo. Mas por vezes ajuda a pessoa a refletir sobre seu relacionamento.
A comparar, por meio da experiência com outra pessoa, o que quer para a sua relação – declara a pesquisadora.
Mesmo quando a infidelidade é descoberta, pode servir para que o casal converse sobre o que estava buscando em outra pessoa. É quando o tema deixa de ser um tabu. Segundo a pesquisa, de uma escala que vai de 1 a 5, sendo 1 como “nunca” e 5 como “sempre”, fica em torno de 2,6 a média com que os casais conversam sobre o assunto.
– Não adianta nada decidir continuar um casamento e aí ser um inferno, em que o traído jogará a infidelidade na cara do que traiu a cada oportunidade. Mas se o casal tiver maturidade para conversar sobre o assunto, sobre o que levou um deles a trair, o relacionamento tende a melhorar – declara a terapeuta Rita Nunes.
Lucia Pesca acrescenta:
– Em outros tempos, eu costumava respeitar demais a vontade dos casais de se separarem imediatamente quando era revelada a traição. Deixei de fazer isso por vivenciar a imensa quantidade de pessoas que se arrepende de ter tomado essa decisão por impulso, e passei a incentivar que eles tentem superar juntos. Um episódio de infidelidade é um trauma, e como outros tantos, pode ser superado.
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