A analogia de um fio prestes a romper não é a única a representar um relacionamento que está ameaçado pelo fim. Um laço bem apertado, que gera mal-entendidos, asfixia e submetimento, uma rotina de ciúmes excessivos, controle do outro, atrofiando a relação em vez de fazê-la crescer, também serve de imagem para rompimentos potenciais.
— Quando se atende um casal, é importante ver o nível de dependência e de destrutividade entre eles — explica a psicanalista Rosa Avritchir.
Crises fazem parte de qualquer vínculo, lembra sua colega Denise Zimpek. A experiência das duas psicanalistas em consultório inclui muito o atendimento a casais. Elas inclusive assinam, com outros colegas, a autoria do livro Por que Psicanálise Vincular?, uma produção do Núcleo de Vínculos da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre.
O relacionamento, segundo elas, tem como bases acordos e pactos inconscientes, pontos de engate na trama conjugal, que vão inevitavelmente mudando e se renovado com o tempo, se o casal tiver um projeto de vida compartilhado.
— (Essa renovação) não se alcança somente navegando em águas calmas — lembra Denise. — Lidar com as instabilidades do dia a dia exige investimentos afetivos recíprocos que se apresentam no reconhecimento da importância do outro. A grande diferença entre uma tensão passageira e um relacionamento que corre risco de rompimento são os recursos encontrados pelo casal para trabalhar e crescer com as crises.
Ambas psicanalistas notam um aumento na procura pela terapia de casal nos últimos anos. A pandemia e o trabalho home-office provocaram uma proximidade familiar que evidenciou entraves antes escondidos nas rotinas e na falta de tempo.
— Isso gerou conflitos, e os casais têm buscado ajuda — afirma Denise.
Preconceitos, resistência, vergonha de fazer terapia de casal? Sim, ainda se percebe, mas isso está mudando.
— Em geral, os homens têm mais dificuldade de aceitar, mas me parece que está mudando. Na minha experiência, as mulheres têm iniciativa, mas os homens têm aceitado bem, veem benefício nisso — avalia Rosa.
Para superar crises, no entanto, um requisito é básico, lógico mas nem sempre simples de colocar em prática: o desejo de permanecerem juntos. Rosa cita dois obstáculos que podem ser extremamente difíceis de superar:
Quando não tem mais nenhuma conexão entre o casal, a separação pode ser muito mais satisfatória.
ROSA AVRITCHIR
Psicanalista
— Distanciamento, olhares para lados muito diferentes, sem ponto de encontro. E não tem uma pergunta do porquê disso. (...) Quando não tem mais nenhuma conexão entre o casal, a separação pode ser muito mais satisfatória.
E ainda:
— Quando tu ficas com a ilusão de que o outro vai te completar, a tendência é que o relacionamento não dê certo ou se transforme num atrito infinito.
Quando vale a pena a terapia
A terapia de casal é indicada quando a capacidade de diálogo está interrompida e se esgotaram os recursos para o casal resolver sozinho a situação. Mas é preciso estar disposto a escutar o outro, explica a psicanalista. Para Denise, sempre vale a pena tentar, desde que no conflito entre os parceiros não haja violência.
— A violência é um impeditivo ao trabalho vincular e, claro, isso terá de ser muito bem avaliado — avisa.
O trabalho em consultório visa a abrir espaço para que aquele relacionamento crie algo novo e tire seus agentes do estado de mal-estar que levou à busca de ajuda. Porém, a análise tem seus limites: quando há muito ressentimento envolvido e os membros não conseguem sair de um estado de cobranças mútuas, as chances de funcionar sem um trabalho individual se reduzem.
— A terapia também é uma forma de trabalhar a separação de modo menos doloroso e menos bélico. Os casais se casam várias vezes numa vida, vão mudando os contratos, conscientes e inconscientes entre eles, para poderem se manter juntos — explica Rosa.
Individual ou casal?
Segundo a psicanalista Rosa, uma crise pode evidenciar a necessidade de terapia individual tanto quanto a de casal. Ressalta, ainda, que não adianta só um lado se esforçar. Para ela e para Denise, sua colega na área, as duas frentes (individual e de casal) são complementares.
Quando, numa terapia individual, um cônjuge fala da sua relação com o outro e do outro, ele se refere a como esse outro está dentro dele. Mas, quando o conflito é predominantemente na relação, a presença do outro faz toda a diferença e a terapia de casal se torna um espaço privilegiado para tal.
— Assim, os dois falarão em presença um do outro e com a intervenção de um analista ou psicoterapeuta de casal, uma escuta daquilo que se passa “entre” eles — explica Denise.
Na análise individual, as queixas aparecem de formas bem variadas, a narrativa costuma passear por várias e diferentes formas de vínculo, a pessoa costuma se ver repetindo as mesmas cenas em diferentes cenários e momentos de sua vida.
— Quando é o casamento que está em crise, entretanto, predominam na pessoa questionamentos sobre o seu lugar nesse vínculo e o que faz ambos permanecerem juntos. O sofrimento é gerado pelo relacionamento — conclui Denise.
O que tentar antes da terapia de casal
Ambas as psicanalistas reforçam que não existem fórmulas ou receitas para a solução de uma crise. Mas apontam algumas dicas a seguir.
O que sugere Denise Zimpek:
- “A primeira atitude deveria ser a autorreflexão. É muito fácil transferir todas as culpas para o outro, e isso só leva ao caos vincular. Saber identificar em si o que pode estar causando mal-estar ao casal já é um bom caminho. Se isso puder ser seguido de diálogos, com a verdadeira motivação de mudarem o que causa sofrimento, poderão perceber o quanto conseguem progredir sozinhos ou o quanto uma escuta diferenciada deve ser buscada”.
O que sugere Rosa Avritchir:
- “Sempre que se pode parar e analisar o que está acontecendo ajuda a todos. A escuta é necessária. Entender que nem sempre o outro vai agir conforme nossa expectativa. As pessoas ficam juntas por muitos motivos. O amor tem significado muito amplo, que não inclui necessariamente o que é idealizado nos filmes e na literatura.”
PONTO A PONTO
7 sinais de que o relacionamento pode estar por um fio
- Diálogos se transformam em dois monólogos
- Brigas excessivas, com acusações mútuas sem reflexão, expressando raiva e ressentimentos
- Falta de interesse sexual
- Infidelidade - um dos pontos que mais fragilizam relações
- Distanciamento: movimentos individuais sem o que o outro consiga ou queira acompanhar
- Um grande sentimento de vazio vincular
- Indiferença, zero investimento na relação
Atitudes que agravam uma crise
- Desqualificar o outro
- Violência verbal
- Ressentimento sem fim, fazendo o outro se sentir um eterno devedor
- Focar em vinganças e não em soluções criativas
- Não oferecer espaço de aceitação, só imposição de que as coisas têm de ser de determinado jeito
- Infidelidade