"Eu estava fora da linha e estava errado. Estou envergonhado e minhas ações não foram indicativas do homem que quero ser". Assim, Will Smith desculpou-se pela polêmica que marcou a cerimônia do Oscar em 2022 — o tapa que o ator deu em Chris Rock após o comediante fazer uma piada sobre a aparência de Jada Pinkett Smith, esposa de Will. Rock, por outro lado, afirmou que ainda está processando o episódio.
Sobre esse tema, no programa Timeline, da rádio Gaúcha, o psicólogo, escritor e fundador da Educa 21, Rossandro Klinjey, conversou sobre perdão, controle emocional e autoconhecimento. Confira abaixo alguns trechos da entrevista.
Ele (Will Smith) fez um pedido de desculpas. Não teve "mas", "porém". Ele não se justificou, né?
A gente geralmente se justifica demais. A gente pode analisar sob duas perspectivas. A primeira seria realismo. O realista é aquele que analisa coisas de forma muito fria. Os advogados chegaram perto dele, elaboraram a nota juntos para ele evitar perder o Oscar e não ser cancelado na rede social. Outra leitura é a de um ser humano que foi tão humano ao perder o controle ali. E quem de nós já não perdeu, né? E também foi tão humano reconhecer que foi ridículo essa perda de controle que merecia, no mínimo, um pedido de desculpa muito claro. Independente de qualquer coisa, primeiramente é um homem que tem uma trajetória muito bonita, um grande ator e que ganhou o Oscar. E ninguém vai lembrar que ele ganhou o Oscar. A gente vai lembrar do tapa que virou meme para o resto da vida. A internet está povoada disso. Isso mostra que, muitas vezes, uma biografia belíssima pode ser manchada por um momento de descontrole — sobretudo, no momento em que você faz esse descontrole diante de câmeras.
Nem uma pessoa que é um ator, que é acostumado a controlar e direcionar sua emoção, conseguiu se controlar. O que pega nesse ponto, que faz com que a gente se descontrole assim e exploda ao ponto de dar um tapa no meio de uma cerimônia do Oscar?
Primeiro, a gente tem que lembrar que esse controle emocional do ator é no ambiente controlado, né? Um set de filmagem, com o diretor, se a cena der errado, corta e refilma. Na vida real não tem isso. Não tem edição. Vai direto pro ar. Uma outra coisa é: o que faz alguém se descontrolar? É uma soma de variáveis, que nós, que não somos ele, nem sabemos. Por exemplo, será que ele estava muito tenso com a possibilidade de finalmente ganhar o Oscar? Será que eles tiveram uma pequena discussão de marido e mulher no caminho até lá? Então aquilo ali pode ser uma gota d'água. A diferença é que a gota d'água dele foi ao vivo para milhões de pessoas. Mas nós todos temos as nossas gotas d'água. (...) Personalidade é a constância do comportamento. Alguém que constantemente é uma pessoa educada e que esporadicamente numa situação de estresse tem uma atitude assim, ela não é assim. Mas isso mostra a nossa humanidade. Vamos fazer uma conexão entre o o Smith dar um tapa em Chris Rock e Simone Biles não competir em Tóquio: são duas celebridades que mostraram sua humanidade. Uma porque se descontrolou e outra porque quis controlar a sua depressão. É como se eles dissessem para todo o resto da humanidade, os meros mortais que somos, "vocês podem ser humanos".
A gente tem que treinar as pessoas não para a vitória, mas para as derrotas que antecedem a vitória
Por que a gente tem recortes hoje... O que eu posto numa rede social é editado. Se você comparar o seu bastidor com o palco de outra pessoa, você irá se frustrar.
Isso. Imagine quando a gente chega na casa de alguém tem um conjunto de porta-retratos. Ali é um recorte dos melhores momentos da família. Você nunca vai encontrar uma foto lá e dizer e "Que foto é essa? Ah, essa foto é quando a gente deu a mamãe o diagnóstico que ela estava com câncer de mama". Não tem essa foto. Tem a foto do aniversário, tem a foto da viagem, tem a foto do Natal, nunca tem a foto da dor. Então as redes sociais não têm a foto da dor. É porta-retrato. Aquele porta-retrato ali ele revela que entre muitas dores teve os momentos felizes. É assim que essa vida de todo mundo é. (...) A gente tem que treinar as pessoas não para a vitória, mas para as derrotas que antecedem a vitória, porque é isso que faz a diferença. Veja um caso simples, Thomas Édison tentando trazer a lâmpada elétrica, milésima experiência, uma pessoa diz "desista", e ele diz "por quê?" "É a milésima tentativa" "Não" "Por que não?" "Porque eu sei mil formas de não fazer a lâmpada elétrica". O que fez ele fazer a lâmpada elétrica não foi ser tecnicamente capaz, foi ser emocionalmente capaz de suportar as mil "derrotas" até chegar ao sucesso.
O Chris fez uma piada e levou um tapa. Como que se lida depois de levar um tapa na cara?
O humorista está sempre ali na borda da corda da sociedade e, de vez em quando, ele passa dessa borda. Às vezes a gente vai naquela de querer fazer a piada, e sabe aquela de "eu perco o amigo mas não perco a piada"? Isso é tão verdadeiro no mundo da piada. Tanto que o show dele é Todo Mundo Odeia o Chris, então ele sabe muito bem disso. Mas ele mostrou uma coisa que o Smith não mostrou, que foi o controle emocional, porque ele não revidou, ele ficou um pouco perdido até voltar ao eixo e tentar apresentar.
Como chegar nesse controle?
Ele é um cara, como todo todo humorista, que é muito atacado. Então pra ele aquilo não é uma novidade, talvez a forma e o lugar tenha sido, mas ser atacado é o lugar onde eles vivem, então eles tem um treino mental para aquilo. (...) Foi uma circunstância que favoreceu um e desfavoreceu o outro.
O que esses seres humanos que se controlam tem que a gente pode aprender?
Eles se conhecem. Sabe qual o vício da humanidade? Não é drogas, não é jogos, não é internet, é o vício de fugir de si mesmos. Nós fugimos de nós mesmos, é o próximo episódio, é a próxima compra, é a próxima viagem, a próxima cachaça, tudo pra não se conhecer, porque dói se conhecer. Se conhecer implica entender que aquele homem está lá, mas também tem um agressor dentro dele. E se eu não conheço isso, eu nunca controlo, então eu preciso mergulhar nas minhas sombras emocionais. Sabe egotrip? Eu preciso fazer. As pessoas que se controlam, controlam porque conhecem os monstros que tem dentro dentro de si. Quando você não os conhece, você os projeta lá fora.