Os efeitos da pandemia de covid-19 sobre a saúde mental das pessoas e a importância do amor próprio nestes tempos difíceis estão entre os temas que o psicólogo e escritor Rossandro Klinjey vai abordar em uma palestra online e gratuita. O evento será na sexta-feira (23), às 16h30min, e integra a programação do Congresso do Ensino Privado, promovido pelo Sindicato do Ensino Privado do RS (Sinepe/RS). Ainda é possível fazer a inscrição — confira mais informações neste link.
Paraibano de 49 anos, Rossandro ficou conhecido por seus comentários sobre relacionamentos, educação e comportamento no programa Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo, no seu canal no YouTube e em sua conta no Instagram. Na palestra, o consultor em educação e desenvolvimento humano também vai falar sobre o caminho para a realização pessoal e a felicidade, que inclui uma "parada" no que chama de desertos da vida — assunto de seu mais recente livro, O Tempo do Autoencontro (editora Academia, disponível em versão impressa e e-book). Nesta terça-feira (20), ele conversou com GZH via Zoom:
Vou começar pela pergunta que norteia sua palestra: como buscar a autorrealização e a felicidade nestes tempos difíceis?
Essa busca é constante no ser humano desde que começamos a ter uma autoconsciência, ali pela Idade Média. O Iluminismo e o surgimento das democracias tornaram mais presente essa busca por ser feliz que, em momentos de crise com a da pandemia, mostra-se mais essencial porque nos proporciona recursos emocionais para atravessar esse momento com mais robustez. A autoconsciência nos dá mais segurança para navegar.
Isso de pensar em si próprio não pode ser encarado como egoísmo na atual conjuntura?
Independentemente da conjuntura, costumo ouvir essa pergunta quando falo de amor próprio. O egoísmo é caracterizado como incapacidade de empatia, como falta de compaixão. Quanto mais a pessoa tem amor por si, mais tem amor por outros. Uma pessoa madura que se ama e que teve de se amar mesmo com todos os seus defeitos tem mais condescendência com os defeitos dos outros. Aprendemos a ter o mesmo olhar para as outras pessoas.
"Uma pessoa que tem amor próprio não entra em uma relação tóxica. Ela cuida do seu espaço, do seu corpo, da sua alimentação, do seu sono. Sabe dizer não sem culpa. Tem a capacidade de olhar para si e validar suas emoções: quando está triste, não nega isso. Escolhe as pessoas com quem convive: se alguém está atrapalhando, exclui."
ROSSANDRO KLINJEY
Psicólogo e escritor
O senhor poderia sistematizar um pouco o que é o autoamor?
O autoamor é ter consciência de quem se é. Uma pessoa que tem amor próprio não entra em uma relação tóxica, em uma relação misógina. Ela cuida do seu espaço. Cuida do seu corpo, da sua alimentação, das suas horas de sono. Sabe dizer não sem culpa, não faço, não vou, não concordo. Tem a capacidade de olhar para si e validar suas emoções: quando está triste, não nega isso. Quando está feliz, procura manifestar, com cuidado. Escolhe as pessoas com quem convive: se alguém está atrapalhando a sua vida, ela vai excluindo.
O senhor falou de excluir, verbo muito empregado nesta era das redes sociais, que ganharam mais força ainda durante a pandemia. Às vezes, ficamos nos expondo a perfis que nos fazem mal porque falta a coragem de excluir aquela pessoa do nosso convívio digital, não?
Eu não cheguei a excluir, mas silenciei uma pessoa porque o que ela estava postando não me fazia bem. Na vida fora das redes, eu posso ter um parente com quem tenho um convívio mais social, mas há um pacto de que não vou falar com ele sobre política, futebol ou religião. Na rede social, não tem como combinar. Então, precisamos fazer uma curadoria emocional. E entender que a gente não está excluindo a pessoa, mas o conteúdo que ela posta. Eu, por exemplo, não vejo vídeo de acidente que me mandam, não vejo cena de assassinato. São coisas que eu sei que me fazem mal. Isso, de novo, tem a ver com amor próprio. Há pessoas que, para não se sentirem excluídas de um grupo, fazem piada racista, por exemplo, ou até inventam que traem a esposa.
No seu livro O Tempo do Autoencontro, o senhor fala sobre os desertos da vida. Pode explicar o que são?
Todos nós passamos por momentos em que enfrentamos uma solidão intensa. No livro, faço uma análise da experiência metafórica do deserto, um encontro radical consigo mesmo, um momento de desnudamento do ego e de contato com o sagrado, que é imaterial e para além da História. É nesse deserto que podemos encontrar recurso para enfrentar um câncer, a morte de alguém que amamos, uma crise profunda, uma grande decepção. Lá, você entende que vai ter de se reerguer. Importante saber que é um lugar temporário, não devemos habitar o deserto. E também não dá para desviar dele. Quem não queria dormir e só acordar em janeiro de 2022? Mas não dá para desviar da pandemia. Não temos a garantia de que muita gente vá sair melhor do deserto da pandemia, e muitos que saem melhor depois podem voltar a padrões anteriores, mas todos temos de enfrentar.
Em agosto de 2019, em entrevista a GZH, o senhor falou que o sofrimento e a frustração têm caráter pedagógico. Mas não esperávamos que nossos filhos fossem enfrentar tanto sofrimento e tanta frustração de uma vez só e por tanto tempo com a pandemia. Como é que fica essa questão neste novo momento?
Nós, os adultos, também não sabíamos que iríamos enfrentar tanto sofrimento e tanta frustração, claro que com mais recursos emocionais. A pandemia fez cada família renegociar o pacto de convívio, o que inclui, por exemplo, deixar o filho usar mais o celular ou mesmo dar um celular ao filho. Mas a pandemia não criou novos padrões, apenas explicitou os anteriores. As famílias que já eram harmônicas olharam para essa condição e disseram: "Graças a Deus que é com vocês que estou passando por isso". As famílias medianas começaram a perceber as fissuras e os detalhes. Pais descobriram que os filhos comiam! Isso foi decorrente da terceirização da educação, as escolas de inglês, de balé, de xadrez etc que acabam fazendo com que muitos pais nem vejam os filhos. E havia as famílias que já eram caóticas, pouco agregadas, que viviam se evitando: um chegava mais tarde, o outro tomava café da manhã antes para nem dar bom dia... Daí veio uma explosão de divórcios.
Um fato incontornável da pandemia é que algumas pessoas tiveram o privilégio de continuar trabalhando e outras perderam seu sustento financeiro. O que se pode dizer, pensando no tema da autorrealização e da felicidade, para ajudar esse contingente que ficou desempregado ou que teve uma redução muito grande na sua renda?
A primeira coisa que sempre digo, antes ainda da pandemia, é não perder a esperança, mas também não ficar parado esperando que alguma coisa aconteça. Claro que o momento é muito mais complicado. Pela primeira vez na história, a tecnologia está efetivamente tirando mais empregos do que gera. Toda tarefa repetitiva vai sendo substituída por robôs. É uma crise que a pandemia intensificou. E agora não é nem mais luta de classes, porque esse avanço tecnológico vai criar a categoria dos irrelevantes, agravando a crise social, a pobreza e a violência. É algo sobre o que os governos precisam pensar e agir. Do ponto de vista das pessoas, é vital ter em mente que, dada a evolução tecnológica, não conseguimos prever os próximos cinco anos. Como não podemos prever quais competências técnicas estarão sendo buscadas, precisamos desenvolver competências emocionais, que vão nos ajudar a enxergar os cenários e nos adaptarmos. Paralelamente, podemos procurar os cursos gratuitos que existem na internet, desde idiomas até linguagem de programação. O ponto é que não dá para ficar só no desespero. Quando estou tão focado na minha dor, não vejo a saída. A gente pode sentir desespero, mas a gente não pode ficar desesperada. O desespero, assim como o deserto, assim como a felicidade e o prazer, é lugar de passagem, não para estacionar.