As pessoas estão transando menos. Os dados de uma pesquisa divulgada em maio pelo Jornal Britânico de Medicina mostram que os adultos praticam sexo menos de uma vez por semana, curva que só desce em comparação a uma década atrás. E o grupo dos que afirmam não terem transado nem uma vez no último mês já bate os 29%.
Pensando no cenário brasileiro, a realidade não é tão diferente. Na entrevista a seguir, a antropóloga Mirian Goldenberg, autora do livro A Bela Velhice e pesquisadora referência na área de comportamento feminino e sexualidade, afirma que muitas mulheres não acham o sexo tão importante assim. E avisa:
– É raríssimo encontrar alguém que esteja confortável e satisfeita com sua vida sexual.
Pesquisas recentes, como a divulgada há poucos dias pelo Jornal Britânico de Medicina, apontam que as pessoas estão fazendo menos sexo. É uma mudança cultural?
Não sei se é uma mudança cultural, acho que na verdade as pessoas estão falando mais sobre sexo, sobre suas vidas íntimas, do que antes. Então nós não temos um parâmetro para comparar com o que acontecia no século passado, que as pessoas não falavam sobre isso e acho que até hoje não falam ou falam parcialmente, falam o que querem falar. Tenho pesquisado a vida sexual há muitos anos e sei que as pessoas se sentem obrigadas a falar de uma determinada forma ou então omitir. Então o que eu vejo é que se tornou um problema social e, portanto, um problema individual. Muita gente provavelmente não tinha sexo, era só para procriar ou nem tinha durante toda a vida e não era um problema. Hoje é, porque é um imperativo ter uma vida sexual ativa e satisfatória, como se fosse algo importante para todo mundo. E o que tenho observado, em trinta anos de pesquisa, é que varia muito o que é importante para cada um. E principalmente em relação às mulheres, muitas não acham tão importante assim o sexo. Mulheres mais velhas que já têm filhos, ou que já têm netos, que já se separaram ou estão viúvas, vivem muito bem sem sexo. Então acho que não é um problema, não é uma mudança, não é uma questão nova, mas se tornou uma questão social, e eu diria dos anos 1960 para cá principalmente em função de um conhecimento maior de sexualidade, da psicanálise, da própria medicina, e também com o aumento de vida das pessoas. Porque as pessoas antes viviam muito pouco, tinham muitos filhos, não tinham tempo para pensar nessas questões. Hoje elas têm e estão preocupadas com isso.
Duas hipóteses dos cientistas justificariam essa queda na atividade sexual: a tecnologia (uso de smartphones, internet, etc.) e a preocupação com o trabalho e o dinheiro (medo de desemprego, dívidas, estresse, etc.). São dois agravantes realmente impactantes ou, na sua opinião, há uma soma de fatores?
Além dessas questões que você já levantou, destacaria também a obrigação de ter uma performance sexual dentro de um padrão que ninguém sabe qual, é mas que todo mundo sofre como se não correspondesse. Então é duas, três vezes por semana, é orgasmo múltiplo, é ter tesão em não sei quantos minutos de preliminares. Isso é um fator que acho que pressiona muito as pessoas e também faz com que o sexo vire um trabalho a mais na vida de muita gente que já está exausta e que não quer ter um trabalho, uma obrigação a mais. E a outra questão é o tempo da relação. Em uma relação muito longa é muito difícil você manter um tesão, um desejo, numa relação de muitos anos. São raríssimos os casais que encontro que tem uma vida sexual como era no início. Tem a rotina, tem a mesmice, tem o desgaste, o cotidiano. Acho que isso prejudica bastante a vida sexual das pessoas apesar de muita gente não dar muita bola para isso e descobrir outros prazeres com os parceiros. E acho que também tem pessoas que gostam de fazer outras coisas e acham que o sexo não é tão importante na vida delas. Para muita gente não é. Apesar de culturalmente se acreditar nisso, principalmente no Brasil. Acho que tem muitos fatores e eu diria que essa hipervalorização sexual na nossa cultura prejudica ou impede as pessoas de descobrirem o que lhes dá mais prazer.
E os aplicativos de relacionamento? Hoje, com a ajuda da tecnologia, o sexo casual não ficaria mais fácil? É um contrassenso de alguma forma?
Escrevi um livro sobre sexo casual e mostrei como as mulheres vivem esses relacionamentos casuais e obviamente todos esses aplicativos facilitam encontros sexuais e até encontros amorosos, encontros de amigos. Facilitam não quer dizer que mudam tanto assim. Por exemplo, há vários livros sobre infidelidade, o homem que queria trair tinha que ir para um orelhão ligar, era complicadíssimo, se a pessoa tivesse em casa a amante não podia ligar para ele em casa. Hoje com o celular e a internet tudo isso ficou mais fácil. Não acredito que o fato de ser mais fácil faça com que as pessoas que não queiram fazer façam só porque ficou mais fácil. Só facilitou para aquelas que já queriam fazer e faziam mesmo com a dificuldade ou não faziam por conta da dificuldade. Mas quem não quer fazer, não vai fazer simplesmente porque hoje existe mais facilidade. Então, não gosto muito de demonizar os aplicativos, a internet, como se eles tivessem causado grandes mudanças. Obviamente eles facilitaram tudo o que as pessoas já tinham desejo de fazer.
Os dados desta pesquisa recente são do Reino Unido, mas você enxerga um paralelo com a realidade da mulher brasileira?
Tenho escrito muitas colunas sobre sexo na Folha de S. Paulo e percebo que é um tema que mexe muito com as pessoas. A falta de sexo, a insatisfação sexual, o desejo não correspondido. Vejo que as mulheres se sentem muito cobradas para terem uma performance sexual que elas não conseguem ter e, às vezes, não querem ter. Vejo que as pessoas se sentem muito desviantes, mesmo as meninas mais jovens não sabem o que é normal, com quantos anos elas devem deixar de ser virgem, quantos parceiros elas podem ter. Acho que o que acontece hoje, aqui, e posso falar a partir das minhas pesquisas, é essa sensação de que você não corresponde ao modelo. Que você está fora da festa, que está todo mundo se divertindo menos você. Só que todo mundo está na mesma situação, então ninguém está se divertindo tanto quanto nós imaginamos. É raríssimo encontrar alguém que esteja confortável e satisfeita com sua vida sexual. Muito raro mesmo. Mesmo entre jovens e mulheres mais velhas.
Em seus artigos e colunas recentes, você destaca o fato de muitas mulheres serem felizes sem sexo. Enxerga isso como uma mudança comportamental que tem afetado apenas as mulheres acima de 40 anos? Ou também se estende para as mulheres mais novas?
Tenho encontrado muitas mulheres que não sentem tanta falta de sexo, que sexo não é tão importante assim ou então até podem ter prazer com uma relação, ou até sozinhas, mas que isso não é o centro, nem o determinante de felicidade delas. E acho que sempre foi assim, acho até que era muito mais assim. As mulheres mais velhas nem sabiam o que é orgasmo, hoje nós sabemos. Só que isso adquiriu uma dimensão cultural que faz com que as pessoas falem mais, pensem mais e problematizem mais essa questão. Mas, acho que isso é uma opção, é uma escolha mas também é um desejo. As pessoas têm outros desejos que não necessariamente passam pelo sexo.
Hoje, as mulheres experimentam uma nova relação com a liberdade sexual. Esse cenário faz com que elas se sintam menos culpadas em dizer que estão felizes sem sexo? Há mais coragem para abrir o jogo?
Não vejo tantas mulheres assim gostando de sexo casual. Acho que isso é um mito. Vejo sempre uma expectativa de relacionamento, de afeto. Obviamente, mulheres mais jovens querem experimentar, querem ter prazer. Mas, ao longo da vida, vejo as mulheres querendo mais um companheirismo, um afeto, uma parceria, uma troca, reciprocidade. E não somente uma noite de sexo. E são raríssimas as mulheres que encontro que afirmam isso. Então, acho também que as mulheres não tem tanta coragem assim de abrir o jogo. Muitas mentem, muitas fingem orgasmo, muitas fazem sexo sem ter vontade por medo de perder o parceiro. Acho que o discurso sobre a liberdade não está compatível com o comportamento. É o que eu tenho dito sempre, o comportamento não é tão livre assim.
Você considera as mulheres mais exigentes hoje quando se trata de sexo? A qualidade sexual, e não a frequência, está ganhando mais adeptas?
Acho que as mulheres são mais exigentes em tudo, cada vez mais. Principalmente exigentes com elas mesmas. E isso tem provocado uma enorme insatisfação e até dificuldade de aceitar os próprios limites e os dos outros. Porque as mulheres hoje querem cada vez mais, e quanto mais livres elas são, mais independentes elas são, mais elas querem algo muito satisfatório. Em todos os sentidos. No trabalho, no casamento, com os filhos, com o marido, no sexo. Isso prejudica a vida porque as mulheres às vezes idealizam não só a vida sexual, mas a vida amorosa, o casamento, o trabalho. E acabam usufruindo pouco a liberdade, o prazer que elas podem ter concretamente em função dessa idealização.
Para as mulheres, o sexo muitas vezes está mais ligado à questão de "se sentir desejada" do que necessariamente "ter prazer"? É algo que você identifica em suas pesquisas?
Percebo muito isso na nossa cultura, esse desejo de ser desejada. O desejo de ser considerada uma mulher atraente, interessante, bonita, e isso muito relacionado ao corpo jovem, sensual, magro. Vejo as mulheres sofrendo muito, muito mesmo com esse desejo de continuarem no mercado afetivo, sexual, como mulheres desejáveis e isso muito associado ao corpo e ao sexo. E isso tem sido fruto de muito sofrimento para mulheres de todas as idades mas principalmente para as mulheres mais jovens.
Você entrevistou mulheres na Alemanha e no Brasil e observou que a diferença entre elas é que as brasileiras têm vergonha de dizer que não desejam mais praticar sexo com os parceiros. Por que essa diferença? As pressões que as mulheres sofrem lá são diferentes das pressões daqui?
Essa diferença que observo com as alemãs é que elas são muito diretas, elas falam muito o que elas querem e não têm culpa nem vergonha de dizer “eu quero” ou “eu não quero”. Não só em relação ao sexo, mas em relação a tudo na vida. Aqui não. Aqui não somos uma cultura direta, nós estamos aprendendo a ser, mas somos uma cultura em que a mulher tem muita dificuldade de dizer não, de dizer exatamente o que ela quer, às vezes ela nem sabe o que ela quer. Então por isso nós acabamos fazendo coisas que nós não queremos e deixamos de fazer muitas coisas que nós desejamos.
O sexo geralmente é aliado à boa saúde em todas as idades. Existe uma pressão nesse sentido também? A mulher, além de não se sentir desejada, acha que a ausência de sexo pode apontar que sua vida não é tão saudável e ideal assim?
Todo o discurso que existe hoje é essa associação entre uma vida sexual plena e ativa com saúde. Então quem não tem essa vida idealizada que ninguém sabe muito bem como que é se sente doente, ou em falta, ou perdendo alguma coisa. Isso é uma coisa que complica muito a vida das pessoas porque é quase uma imposição. Escrevi um artigo que é chamado Ditadura do Sexo, quase uma imposição. Porque, pelo o que eu observo, esse modelo não serve para todas as pessoas. Estou falando do discurso dos comportamentos delas. É óbvio que não sou médica, então não posso falar como isso repercute na saúde. Mas acredito que essa pressão acaba produzindo mais doença do que a própria ausência de sexo.