Um artigo publicado pela antropóloga, professora, pesquisadora e escritora Mirian Goldenderg em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo e em suas redes sociais gerou uma série de curiosidades.
Ao dar sequência a sua pesquisa sobre casamento e sexualidade, área que estuda desde 1988, ela atualizou as abordagens durante a pandemia para classificar os entrevistados a partir da metáfora do semáforo. Intitulado Em Busca do Tesão Perdido, Mirian conta que este trabalho ajuda a entender os impactos deste momento de crise sanitária e, consequentemente, econômica nas nossas vidas íntimas.
Ela cita, em determinado momento, que é "possível perceber uma intensificação de determinados medos e desejos que já existiam anteriormente, e também uma profunda transformação dos comportamentos de homens e mulheres de todas as idades".
Em uma conversa com a Revista Donna, ela explicou um pouco mais sobre as classificações.
Verde:
– O primeiro é sinal verde e, em geral, são jovens que estão transando muito! Tanto no mundo real quanto no virtual. São festas, bacanais online em que todo mundo fica nu, e tudo isso dentro de casa. Ou, ainda, uso de pornografia, masturbação, namorados que estão longe e transam virtualmente, os aplicativos. Muitos jovens também passaram a morar juntos e estão transando mais. Eles buscam alternativas virtuais ou reais para continuarem transando bastante.
Amarelo:
– O sinal amarelo é identificado entre pessoas já casadas, com relacionamento fixo há muitos anos, e que, neste momento, estão vivendo a situação com medo, insegurança e responsabilidades. Às vezes, uma das pessoas quer, e o outro, não. Não tem vontade, não consegue ter tempo, energia e vontade para transar nesta situação. Existe até a traição virtual e pensam em se divorciar, pois querem voltar a viver plenamente esse tesão. São mais brigas, conflitos, separações. Em todo mundo isso está acontecendo, pela incompatibilidade de sexo e pela convivência forçada em tempo de crise.
Nesses meses de isolamento e pânico, muitos estão podendo priorizar o "ser eu mesmo", que muitas vezes é priorizar meus desejos ou, simplesmente, a minha falta de desejo
MIRIAN GOLDENBERG
antropóloga
Vermelho:
– O que chamei de sinal vermelho são muitas, mas muitas mulheres que me diziam, antes mesmo da pandemia, que já tinham se aposentado neste departamento. Que já tinham sido casadas, mães, a maioria não gostava tanto assim e, quando envelheceram, disseram: "Vou investir em outros prazeres, já que não tenho mais obrigação de transar quando não tenho vontade. Minha liberdade de escolha é o principal, e não a obrigação". Muitas se sentiam prisioneiras de um modelo de mulher. São mulheres que vivem o envelhecimento como uma libertação dos padrões. O que é interessante é que alguns homens também me dizem o mesmo. Que sentem uma pressão interna e externa em ter uma performance sexual que não conseguem ter no dia a dia. E nem querem! Também sofrem a pressão de ter uma vida sexual superativa, diversificada, mas não é o mais importante para eles, é apenas uma pressão. Neste momento em que a pandemia obrigou todo mundo a transformar suas vidas, podem exercer um tipo de liberdade que não tinham antes.
As transformações provocadas pela pandemia
Mirian conta que tem encontrado muitos homens e mulheres que sofrem essa pressão. Mas enquanto elas sentem mais liberdade de falar sobre o assunto, eles ainda estão começando a se expressar.
– É uma pressão social, internalizada, para corresponderem ao modelo de ser homem de verdade. Na cultura brasileira, ser homem de verdade é associado à uma vida sexual diversificada, com muitas parceiras, muitas vezes na semana, e quase ninguém consegue corresponder a esse modelo. Nesses meses de isolamento e pânico, muitos estão podendo priorizar o "ser eu mesmo", que às vezes é priorizar meus desejos ou, simplesmente, a minha falta de desejo.
Embora os jovens tenham presença maior na cor verde, a pesquisadora percebe cada vez mais uma mudança de postura nesta faixa etária.
– Tenho observado muitos jovens dizendo "não, isso não é importante para mim agora, mais importante são outras prioridades". Tem um aspecto que acho interessante: a libertação sexual começou nos anos 1960. Hoje, o sexo não tem mais tanto esse significado de libertação, não é mais uma necessidade da juventude se libertar por meio de um comportamento sexual. Muitos procuram outras formas de realização, prazer e identidade.
E depois da pandemia?
Embora aposte que este momento esteja mexendo com as decisões das pessoas, Mirian acredita que pressões nunca deixarão de existir.
– Elas vão continuar. Aqueles que estão se libertando, provavelmente, vão ter mais coragem existencial de enfrentar pressões e cobranças. E como é um momento em que precisamos focar no que é realmente prioritário, vai fazer com que isso nos acompanhe pelo resto da vida.