Não foram só as reuniões de trabalho, as aulas da faculdade e o happy hour com as amigas que migraram para o mundo online durante a pandemia. Há outra prática que vem ganhando mais adeptos conforme o confinamento se prolonga: o sexting. Sem toque físico, o sexo virtual está em alta. Um levantamento do aplicativo Happn realizado depois da chegada do coronavírus ao Brasil apontou que 31% dos entrevistados já aderiram à tendência, sendo que 15% experimentou o formato pela primeira vez nos últimos meses.
Você não sabe o que é sexting? Bom, não há muito mistério. Em resumo, é basicamente a troca de conteúdo erótico de forma digital. Mensagens de texto, áudio, fotos e vídeos são alguns dos principais caminhos para ingressar nesse universo – na enquete do Happn, por exemplo, 16% optou por usar frases escritas, 10% enviou imagens e 5% preferiu mandar vídeos.
– Vai da imaginação das pessoas. Há gente que usa até gifs, que mostram a pessoa sentindo prazer. Vai da criatividade e do limite de cada um, é uma forma de se soltar – ressalta a sexóloga Danni Cardillo, que fala sobre o tema para seus milhares de seguidores no Instagram (@dannicardillo) e em seu canal no YouTube.
Geralmente, a conversa vai fluindo, a intimidade é construída por meio dessa relação e o sexting se desenha de acordo com o estilo do casal. E foi justamente essa a experiência de uma estudante de 22 anos, de Porto Alegre, que aderiu à prática pela primeira vez com um parceiro casual durante a pandemia – ela havia experimentado apenas com namorados. A jovem explica que o papo começou pelo Instagram no início do distanciamento social e evoluiu para o WhatsApp. Foram dois meses de conversas, algumas provocações com frases picantes e, em seguida, os nudes. Depois, combinaram de mandar áudios. Assim, ela conta, se sentiram confortáveis para fazer uma chamada de vídeo mais explícita, mostrando a genitália:
– Demoramos um pouco para nos soltar. Nem eu nem ele mostramos nosso rosto, usamos o celular. E foi uma coisa divertida, não pensei que fosse dar tão certo. Na primeira vez ficamos envergonhados, na segunda vez senti que foi mais fluido. Até fumamos um cigarro juntos depois. Acho que é um exercício de confiança, de confiar na outra pessoa para se expor.
Ficou curiosa? Até tem vontade, mas está com medo dos riscos? Para falar sobre sexting sem tabus, conversamos com a especialista Danni Cardillo e a sexóloga Carla Cecarello, do site de encontros casuais C-date. Além disso, batemos um papo sobre sexo virtual seguro com Rodrigo Nejm, diretor de educação da SaferNet, organização com foco na defesa dos direitos humanos na internet no Brasil. Confira:
Por onde começar
Dê os primeiros passos de forma confortável. Começar por mensagens picantes ou usar emojis e gifs pode ser um ótimo início para ir se soltando. Fotos mostrando partes do corpo, a lingerie que está usando ou imagens nessa pegada também funcionam muito bem.
– O foco é se expor de uma maneira que substitua em alguma medida o contato físico. Use a imaginação para tentar excitar o outro e se excitar – indica Carla Cecarello.
Para ficar ligada
Rolou química e o papo evoluiu? Então, é preciso ficar atenta a alguns pontos importantes. Evitar mostrar o rosto, tatuagens e marcas de nascença ajudam a se proteger caso as imagens sejam vazadas indevidamente. E se o sexting rolar com alguém que você conhece somente pela internet, redobre a atenção.
– O ideal é focar em alguém que você já conhece há um tempo, até pessoalmente, pois há uma segurança maior. Se for com um desconhecido, também não dê pistas da sua localização. A identidade deve ser preservada em vídeos e fotos por segurança – reforça Carla.
Entre no clima
Flerte muito, provoque e se insinue. O sexting pode durar dias, não há tempo limite - não é uma relação sexual com início, meio e fim. Pense nas cenas dos próximos capítulos, indica Carla:
Vai da criatividade e do limite de cada um, é uma forma de se soltar.
DANNI CARDILLO
sexóloga
– Frases com duplo sentido, sem serem necessariamente explícitas, tipo "vou sair do banho agora", "quero te ver de toalha", funcionam muito bem. Mostre o que está usando e diga o que vai usar amanhã. Crie expectativa.
A sexóloga Danni também dá dicas de como entrar no jogo:
– Tomar um banho e trabalhar com uma foto de corpo molhado, barulho do chuveiro por áudio, imagem embaçada. Instigar faz parte, deixar a pessoa na vontade do dia seguinte, brincar com a fantasia. Quem sabe se masturbar e gravar o áudio, sem imagem? É estimular o imaginário.
Imponha seus limites
Não se sente confortável com as palavras que ele está usando? Não gostou do estilo de foto que recebeu? Diga isso ao parceiro (a), coloque seus limites, assim como numa relação cara a cara.
– Tem que ter bom senso e o consentimento. Não é achar que porque está ali pode fazer o que quiser atrás da câmera. É importante verbalizar a expectativa em algum momento – diz Danni.
Sem monotonia
O sexting também é uma boa ferramenta para sair da rotina no namoro ou no casamento. É uma forma de apimentar a relação com criatividade, defendem as sexólogas Danni e Carla. Mandar fotos sensuais, estimular a imaginação do(a) parceiro(a) durante o dia para criar expectativa para a noite ajuda a sair da monotonia.
Existe sexting seguro?
A resposta para a pergunta acima é a seguinte: não há sexo virtual 100% seguro. A partir do momento que você compartilha qualquer conteúdo desse tipo precisa estar ciente que há riscos. Diretor de educação da SaferNet, Rodrigo Nejm explica que costumamos ignorar o fato de que sempre há rastros digitais.
– Sem a pessoa perceber, a foto que foi enviada tem backups automáticos. Fica salva na memória do celular, na sua conta Google ou iCloud, está na nuvem. Você vai estar sempre correndo risco – avalia o especialista da organização com foco na defesa dos direitos humanos na internet no Brasil – Não é estranho aumentar o compartilhamento do conteúdo íntimo na quarentena. O problema é que vem junto o aumento da exposição não autorizada, violência que ataca muito mais mulheres e meninas do que homens.
A SaferNet registrou, em abril deste ano, 123 pedidos de ajuda relacionados ao vazamento de nudes – um aumento de 156% em relação ao mesmo período do ano passado. Das vítimas que buscaram orientação, 70% eram mulheres. Apesar de não garantir imunidade total, há alguns passos que podem ser seguidos para tentar proteger seus dados no sexting. Confira as dicas de Rodrigo Nejm, da SaferNet:
Identidade preservada
Como já destacaram as sexólogas, não mostrar rosto, tatuagem ou marca de nascença ajuda a evitar o reconhecimento caso as imagens sejam vazadas. Esse é o passo básico. Outra dica é manter um controle das pessoas para as quais você enviou as imagens. Ou seja: evite compartilhar a mesma foto com pessoas diferentes. Assim, fica mais fácil de rastrear a fonte caso o conteúdo seja disponibilizado na internet sem autorização.
App criptografado
Usar aplicativos com criptografia é um bom caminho. WhatsApp e Telegram contam com o sistema, e isso dificulta o roubo de conteúdos.
Rede segura
É importante não usar redes públicas, pois são mais vulneráveis a ataques. Opte por redes pessoais com senha. Além disso, também é preciso ter senhas fortes em suas contas, como a do Google ou do iCloud. Mesmo que você não tenha compartilhado suas fotos íntimas com alguém, caso um invasor tenha acesso a sua conta verá fotos nunca publicadas. Ativar a verificação desses sistemas em etapas também ajuda.
Pastas secretas
Se você mantém um arquivo de fotos íntimas em um pendrive, no computador ou em um HD, faça a criptografia da pasta. Não é difícil: uma busca simples no Google explica como criar uma senha de acesso para o conteúdo. Lembre que você pode ter a conta invadida, perder o celular ou ter o aparelho roubado.
Peça ajuda
O vazamentos de fotos e vídeos íntimos sem autorização já é crime previsto em lei. É preciso ir até a delegacia e fazer um boletim de ocorrência. Em alguns casos, é possível solicitar a remoção de conteúdo até mesmo antes da ordem judicial. Para orientar as vítimas, a SaferNet mantém um canal aberto em new.safernet.org.br.