Em meio às centenas de posts compartilhados diariamente no Instagram, os delas têm se destacado cada vez mais. São três gaúchas que falam de prazer e autoconhecimento do corpo feminino – tão em alta em tempos de pandemia.
A construção da sexualidade e autoestima da mulher quase sempre é cercada de tabus. Para ajudar a romper conceitos preestabelecidos, essas mulheres tomaram para si a tarefa de dividir conhecimento e compartilhar conteúdo sobre o assunto nas redes sociais.
Abaixo, conheça um pouquinho sobre cada uma delas:
Ana Gehring, da Vagina Sem Neura
Há quatro anos, Ana Cristina Gehring, 31 anos, que não tinha nem rede social particular, criou o perfil Vagina Sem Neura (@vaginasemneura). De férias em 2016, a fisioterapeuta pélvica começou a fazer as primeiras postagens:
– Durante oito meses fui anônima, porque existe muito preconceito, né? Mulher falando de sexualidade... mas depois eu botei a cara. As pessoas que eu mais temia um julgamento, que era minha família, meus irmãos, meus primos, acabaram descobrindo. Mas todo mundo me apoia, a família inteira paga o contrai e solta– diverte-se ela ao falar sobre o exercício de musculatura íntima que é prática pop entre suas seguidoras.
A intenção na rede social era chegar causando mesmo e usar o nome da "dita cuja" no projeto foi um empurrãozinho para o sucesso:
– É verdade que grande parte das mulheres tem neura com sua vagina. O objetivo aqui é ir reto e direto ao ponto – afirma Ana, carinhosamente chamada pelas seguidoras de Vagi.
Especialista na reabilitação de disfunções sexuais femininas, Ana tem um consultório em Porto Alegre, mas que está fechado desde o Carnaval. Em seguida, em março, veio a pandemia de coronavírus.
Na internet, ela cria conteúdo para ajudar as mulheres a conhecerem melhor o próprio corpo e tira dúvidas mais frequentes. Hoje, o perfil Vagina Sem Neura soma mais de 500 mil seguidores – e segue contando.
Logo que estourou a pandemia, Ana estava a caminho de Portugal, onde ia dar uma palestra sobre o tema. O compromisso no Exterior acabou suspenso, mas isso não significa menos trabalho.
Pelo menos 60% das seguidoras do meu perfil relataram que o desejo sexual despencou ou até piorou nesse momento.
ANA GEHRING
fisioterapeuta pélvica
– Estou trabalhando mais que nunca! A audiência subiu muito e cresceu também o número de alunas, agora na modalidade online – conta ela, que tem feito lives diárias e está com três cursos em andamento: um para mulheres que sentem dor na relação, outro para mulheres em busca de técnicas para ter mais prazer e o de pompoarismo.
Segundo a fisioterapeuta pélvica, a principal dúvida das mulheres durante o confinamento envolve libido – mais precisamente, a falta dela.
– Segundo as minhas enquetes, a insatisfação aumentou absurdamente. Pelo menos 60% das seguidoras do meu perfil relataram que o desejo sexual despencou ou até piorou nesse momento – explica.
Por isso, Ana destaca a importância do autoconhecimento e da mulher se permitir descobrir os prazeres que seu corpo pode proporcionar:
– O meu objetivo é transformar a vida sexual das mulheres. Seja por meio do meu conhecimento ou de produtos.
Luana Lumertz
Luana Lumertz tem 28 anos e é dona de um sex shop de Porto Alegre. O negócio é administrado há oito anos por ela e a mãe, Zélia Peters. A Egalité foi a alternativa que as duas encontraram como fonte de renda depois que os pais de Luana se separaram. Mas se tornou bem mais do que isso:
– Nós queríamos empreender, e o sexo sempre foi um assunto tranquilo em casa. A gente percebia algumas amigas comentando que tinham vergonha e dificuldade na hora de atingir o orgasmo. Foi com a vontade, justamente, de trazer mais igualdade na hora de ter prazer que pensamos no negócio de sex shop – explica.
Há quatro anos, Luana, que é formada em gestão comercial e "uma publicitária frustrada", decidiu levar a marca para as redes sociais com o objetivo de dar uma estimulada nos negócios. Criou um perfil no Instagram (@luanalumertz), onde passou a mostrar o que era novidade no sex shop. Mas entendeu que a demanda sobre o assunto era muito maior e precisou mudar a estratégia:
– Percebi que, além dos produtos eróticos, era importante falar com as seguidoras sobre outros assuntos – conta ela. – Mas demorei pra conseguir crescer o Instagram da loja. As pessoas têm vergonha de mostrar que seguem esse tipo de conteúdo – analisa.
Luana, inclusive, lembra de sentir falta de ter com quem falar sobre sexualidade na adolescência. Sentia-se incompreendida ao tocar no assunto na escola, com colegas da mesma idade, embora em casa, com a mãe, isso nunca tenha sido um problema:
– Era aquela guria no colégio que gostava de falar sobre masturbação, mas isso era mal visto. Sempre me senti estranha em relação a isso, porque parecia que eu era a tarada do rolê. Existe esse mito ainda, de que a mulher não gosta de sexo, não pode falar de sexo. Isso está mudando, mas são baby steps. Mulher também tem desejo, tem vontade e está tudo certo – pontua.
Existe esse mito ainda, de que a mulher não gosta de sexo. Isso está mudando, mas são baby steps.
LUANA LUMERTZ
No canal no Youtube, que leva seu nome, o engajamento foi mais fácil. São mais de 200 mil seguidores acompanhando os vídeos que falam não só de lançamentos de produtos eróticos, mas de relacionamentos. Mesmo assim, foi no Instagram pessoal que Luana encontrou seu público:
– No começo, achava esquisito as pessoas me falarem tantas coisas íntimas, sabe? Recebo, no mínimo, cem mensagens por dia! – comenta, com surpresa. – A ideia é bater esse papo mesmo, ser essa amiga virtual. Mas às vezes é um apoio que eu nem posso oferecer porque não sou profissional da área. O que eu faço, nesse caso, é tentar acolher e encaminhar para o profissional correto – esclarece.
Victória Castro, da Diga Vulva
A anatomia e a fisiologia do corpo feminino sempre despertaram interesse na bióloga e professora Victória Castro, 24 anos, criadora do perfil Diga Vulva (@digavulva), que tem mais de 50 mil seguidores. Ela tinha oito anos quando pediu ao pai um livro que explicava sobre educação sexual para crianças. Diariamente, ia pra escola com a obra na mochila.
– Eu era uma criança sem vergonha – diverte-se.
O que parecia "sem-vergonhice" era uma curiosidade natural e isso não foi reprimido, mesmo estudando em uma instituição religiosa, conta Victória:
– As freiras observaram meu comportamento e em vez de reprimirem, elas chamaram uma profissional para falar de educação sexual com a turma – lembra.
No Ensino Médio, Victória decidiu que queria trabalhar com educação. Também no final da adolescência, descobriu o feminismo, que foi porta de entrada para buscar conhecimento científico sobre a saúde feminina.
Passou a estudar ginecologia de forma autodidata. Deu cursos, participou de palestras no interior do Estado e escreveu sobre o assunto de forma leve e bastante didática como colaboradora para marcas. Cumprindo uma de suas metas para 2019, criou o perfil no Instagram em janeiro daquele ano, onde passou a publicar seu próprio conteúdo:
– Comecei a falar de sexualidade, de autoestima, que é o mote do meu trabalho. Existem muitos mitos e inseguranças sobre a vulva que afetam seriamente a vida sexual das mulheres. A gente precisa romper isso pra ter uma sexualidade saudável – pontua.
Existem muitos mitos e insegurança sobre a vulva que afetam seriamente a vida sexual das mulheres.
VICTÓRIA CASTRO
bióloga e professora
Seu público, na maioria, é formado por mulheres jovens, entre 25 a 34 anos. Mas muitas adolescentes também a procuram, muito em função das palestras que ela dá em escolas.
Para Victória, além do diálogo, a autoestima é fortalecida com referências positivas sobre o comportamento feminino. E esse é o caminho para ter paz com o próprio corpo e uma vida mais prazerosa:
– Não existem fórmulas mágicas, o caminho é de autonomia. Quero que as mulheres tenham informações e referências positivas para tomar as melhores decisões para sua vida.