Há quase três meses, os finais de semana de quem está solteira são bem diferentes. Nada de barzinho com as amigas, esquenta antes da festa e balada para dançar até o sol raiar. Primeiro encontro? Quem está seguindo as regras de distanciamento social em razão da pandemia já nem lembra mais a sensação do ritual de escolher o look e se preparar para conhecer alguém novo.
Mas estar em casa não significa ter deixado a paquera de lado - aliás, longe disso. Segundo as solteiras ouvidas para essa reportagem, o verbo flertar não entrou em quarentena.
Como era de se esperar, o ambiente de paquera é, obviamente, o virtual. Há, também, mais gente aderindo aos apps de namoro - inclusive, quem tinha certo preconceito em inaugurar um perfil por lá.
— Este momento ajuda, de certa forma, a favorecer essa quebra de tabus. Pessoas que diziam que nunca entrariam (em um aplicativo de relacionamento) porque não é o estilo delas estão se abrindo. A quarentena força as pessoas resistentes a, pelo menos, olhar como os apps funcionam — explica a psicóloga Ligia Baruch, doutora em psicologia clínica pela PUC de São Paulo e uma das autoras do livro Tinderellas – O Amor na Era Digital.
Aplicativos de namoro, inclusive, registraram recordes durante o confinamento: logo nas primeiras semanas de isolamento, o dia 29 de março foi o que mais registrou interações na história do Tinder, lançado em 2012. Foram mais de 3 bilhões de swipes no mundo - os deslizes para a direita ou para a esquerda, que determinam o sim ou o não para um possível match. Para a psicóloga, os números refletem a chamada "carentena", a solidão motivada pelas medidas de distanciamento social.
— As pessoas estão solitárias — sentencia. — É o que dá essa coragem de entrar nos apps.
Trocar likes e buscar matches nos apps, contudo, está longe de ser a única estratégia para conhecer alguém, mesmo que o encontro presencial não vá rolar tão cedo. Vale resgatar aquele contato antigo, investir em redes sociais para as quais você não dava tanta atenção - e, claro, dar chance a um bom papo. Veja o que especialistas e solteiras revelaram sobre como é estar livre e desimpedida durante o confinamento.
Papo (nem tão) reto
Conhecer pessoas virtualmente está longe de ser novidade. O que o confinamento pode ter mudado, na prática, é a intensidade das conversas. Estar mais em casa (e com tempo disponível) tem colaborado para que os papos sejam um pouco mais aprofundados e possam ir além das perguntas iniciais e clichês, como "no que você trabalha" e "quais são os seus hobbies".
— Como há medo de se contaminar (com o coronavírus) em um encontro, as pessoas são forçadas a conversar mais. O momento favorece isso. E as pessoas estão aumentando as conversas, de fato — pontua Lígia Baruch.
Dados divulgados pelos aplicativos de namoro corroboram a visão da psicóloga: levantamento do Tinder, por exemplo, mostra que as conversas aumentaram 25% e estão 20% mais longas, segundo dados obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo. No caso do Happn, houve crescimento de 18% no número de mensagens enviadas desde o início do distanciamento social nas principais cidades do país. O app, que funciona por geolocalização - mas aumentou o raio de encontros de 250 metros para 90 quilômetros durante o período de confinamento -, também promoveu uma enquete com os usuários que revelou um dado interessante para quem valoriza um bom papo. Segundo a pesquisa, 56% dos entrevistados acreditam que as medidas impostas pela pandemia permitiram ter mais tempo para conversar com seus "alvos" e, assim, conhecê-los melhor.
— Conversas são fundamentais para construir um vínculo. E, quanto mais se cria uma boa expectativa para um encontro regada por uma boa conversa, mais chance do encontro funcionar — lembra a psicóloga.
Oi, sumido!
Sabe aquele casinho de um ano atrás, com quem até rolou uma certa química, mas acabou não evoluindo - e você nem sabe bem o motivo? Para algumas das solteiras ouvidas por Donna, resgatar um "contatinho" antigo é o melhor jeito de paquerar durante o período de distanciamento social. Solteira há quatro anos, uma turismóloga* de 36 anos entrevistada pela reportagem conta que seus melhores papos têm sido com pessoas que já conhecia, mesmo que apenas virtualmente.
— São pessoas com quem já tinha alguma coisa. Rola aquela manutenção... Pergunto o que está fazendo, o que deixou de fazer — relata.
É com os contatos que estavam na agenda do celular, aliás, com que ela tem mais liberdade não apenas para conversar, mas para investir em algo mais íntimo como sexo virtual, por exemplo - o tal do sexting. Segundo dados do aplicativo Happn, 31% dos brasileiros já aderiram à prática durante o período de confinamento. Dentre os 1.117 entrevistados entre os dias 4 e 11 de maio, 16% contaram ter enviado mensagens eróticas, 10% praticaram o sexting por meio de fotos e 5% com vídeos. Para 15% dos entrevistados, a primeira experiência com o sexting ocorreu durante os meses em distanciamento social.
Mas não custa lembrar: enviar fotos íntimas, sobretudo para desconhecidos, é uma prática que exige cautela. Somente em abril deste ano, a ONG Safernet registrou 123 pedidos de ajuda de usuários que relatam ter tido "nudes" vazadas - um aumento de 156% em relação ao mesmo período de 2020. Segundo dados levantados com a organização pelo jornal O Globo, 70% das vítimas eram mulheres. Entre as principais recomendações da entidade, está a orientação de não fazer fotos em que apareça seu rosto ou detalhes que identifiquem facilmente quem você é, como uma tatuagem.
Muito além dos apps de namoro
Mesmo que não tenham sido criados com o objetivo de promover encontros amorosos, não é novidade que aplicativos como o Instagram viraram aliados dos solteiros. Em alguns casos, há quem prefira conhecer gente nova pela rede social, que possibilita uma troca mais natural, do que pelos tradicionais apps de namoro - visto por muita gente como um "cardápio virtual". É o caso de uma profissional de relações públicas* de 30 anos ouvida por Donna: separada desde o ano passado, ela descobriu no Instagram um jeito de se conectar com pessoas com que tem mais afinidade.
— Para mim, o Instagram é melhor do que qualquer app de paquera. Estava decepcionada com os aplicativos (tradicionais de namoro) — conta. — É como um cardápio, só veem o lado externo das pessoas — pondera.
O melhor jeito de atrair pessoas no Instagram, explica, é justamente mostrar mais de quem ela é, como seus gostos e sua rotina. No caso dela, compartilhar seus treinos diários e a descoberta do amor pela meditação, por exemplo, têm rendido papos com pessoas que também se interessam por essas atividades. A estratégia da solteira, claro, exige um certo investimento: ela conta que, antes, postava poucos momentos de seu dia a dia nos Stories. Mesmo em casa, agora se dedica a dividir um pouco mais, justamente para estimular o papo com quem a segue:
— Já conheci mais de cinco pessoas que achei legais. Se não rolar nada sério, uma amizade pode permanecer — espera.
Professora e pesquisadora da Feevale nos programas de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social, Sandra Portella Montardo acredita que motivos como o tempo extra em casa faz com que as pessoas se sintam mais à vontade, inclusive, para investir nessas interações pelos Stories, por exemplo.
— A situação faz com que as pessoas se encorajem a fazer mais isso, talvez por tempo, ou por não ter a oportunidade de encontrar as pessoas — analisa a acadêmica, que é coordenadora do c3dig, Grupo de Pesquisa em Comunicação, Cultura e Consumo Digitais.
O que a pandemia (infelizmente) não mudou
Para as solteiras ouvidas pela reportagem de Donna, há aspectos negativos da paquera virtual que parecem estar exatamente iguais. Se o seu objetivo é conhecer alguém para um (futuro) relacionamento sério, por exemplo, nem sempre você vai encontrar facilmente nos apps de namoro pessoas com o mesmo desejo.
Sem generalizações, claro, mas, na visão de uma profissional de marketing* de 43 anos que concedeu entrevista à revista, os aplicativos seguem como um dos redutos preferidos para quem busca apenas sexo. Não à toa, para ela, mesmo em meio à pandemia, não são raros os matches que originam conversas propondo um encontro, ignorando as medidas de prevenção ao coronavírus. A impressão é a mesma da turismóloga com quem Donna conversou:
— Os caras tem insistido muito em marcar encontro. O assédio dos homens em tentar conhecer você e furar a quarentena tem sido forte — revela.
* Identidades omitidas por Donna a pedido das entrevistadas