Que o distanciamento social é uma das medidas mais recomendadas pelos órgãos de saúde para diminuir a disseminação do coronavírus, não é novidade. Curiosamente, mesmo sem a possibilidade de encontros presenciais em um futuro próximo, o Tinder, aplicativo de namoro mais popular no Brasil, apresentou aumento no número de interações dos usuários no último mês.
No dia 29 de março, houve mais "swipes" - opção de curtir ou não os pretendentes apresentados pela ferramenta - do que em qualquer outro dia na história do aplicativo. Um dos motivos que ajudam a explicar este fenômeno é que o site disponibilizou gratuitamente a função “passaporte”, normalmente oferecida aos assinantes pagos, que permite o contato com pessoas de outros países. A taxa de uso desse recurso aumentou 15% no Brasil na última semana de março.
Para a psicóloga Tatiana Spalding Perez, a impossibilidade de haver encontros presenciais não é sinônimo de falta de troca. Mesmo que virtualmente, é possível, inclusive, experienciar relações sexuais. E, para um grande número de pessoas, a principal busca nestes aplicativos não é o contato físico.
— Pessoas que estão ali só para conversar e conhecer gente nova, e não pretendem concretizar o encontro, pensam: "Ninguém vai insistir, porque estamos vivendo o distanciamento". De certa forma, elas agora possuem uma desculpa — pontua.
A profissional também enxerga um lado positivo nessa experiência. Afinal, o distanciamento é físico, mas não social. Pessoas continuam se relacionando, mesmo que virtualmente, se conectando, trocando relatos e - principalmente - conhecendo gente nova.
— Cada pessoa na nossa vida tem uma função diferente. Uma dessas é nos ajudar a conhecer gente nova. Não existe uma rede de apoio sem ambientes em que a gente conheça pessoas. Conforme envelhecemos, paramos de frequentar lugares que nos trazem essa possibilidade. De certa forma, os aplicativos vêm fazendo isso. Se, antes, para eu conhecer alguém, eu tinha que ir em uma festa, por exemplo, hoje eu posso fazer isso a qualquer momento e em qualquer lugar — explica Tatiana.
Mas, cuidado! Um dos riscos neste momento é usar o aplicativo como uma forma de escape da realidade, para evitar se conectar com suas próprias angústias e fingir que está tudo bem, aponta a psicóloga. Fique atenta.
Por que você voltou a usar o aplicativo?
Conversamos com três mulheres que voltaram a usar aplicativos de namoro no período de distanciamento social. Entre as justificativas apontadas, estão carência, tédio, aumento da autoestima e até para praticar o inglês com os novos contatos. Confira seus depoimentos:
Estudante de Publicidade e Propaganda, 19 anos
"Todas as vezes que baixo o aplicativo de novo sinto que estou me sentindo carente. Talvez seja só um momento da minha vida em que eu esteja para baixo, querendo atenção. Não supre a carência, mas, ainda assim, é um sentimento bom. Especialmente porque quando estou me sentindo encalhada, quero me sentir desejada. Saber que tem gente que me achou bonita ou interessante, mesmo que seja no Tinder, faz com que eu me sinta melhor. Querendo ou não, a gente sempre acaba dando match com alguém. E isso quer dizer que uma pessoa que eu achei bonita também me achou.
Neste momento de quarentena, temos uma carência de afeto humano. Saber que tem uma pessoa me achando desejável no momento que minha autoestima está lá embaixo é um dos motivos pelos quais baixei o Tinder agora. Essa coisa de não poder sair em um encontro não me incomoda nem um pouco, porque eu nunca saí com ninguém do Tinder, morro de medo. Já ouvi muitas histórias, e não pretendo. Por a gente estar na quarentena, isso é uma coisa que me tranquiliza".
Social media, 22 anos
"O app ajuda na melhora da autoestima, ver as pessoas que eu ficaria se estivesse em algum lugar diferente. Eu coloquei São Paulo, para onde penso em viajar. Isso faz bem para a imaginação durante a quarentena. Não temos (eu e minha namorada, que baixamos o app) a pretensão de encontrar essas pessoas, até porque não estamos colocando Porto Alegre e região, mas é uma experiência legal".
Estudante de Serviço Social, 22 anos
"Voltei a entrar no app porque soube que liberaram a localização aberta. Agora não são mais só pessoas próximas de ti, tu podes botar que está em qualquer lugar do mundo. Isso me chamou atenção, consegui conversar em inglês com os matches.
O aplicativo também é bom para sair do tédio. Mas vários caras não estão nem aí para a quarentena e propõem encontro mesmo assim. Só que não consigo sair com nenhum por medo. Esses dias, vi uma guria que foi conhecer o match no mercado. Só fizeram compras juntos. Achei legal a ideia, mas confesso que dá medo pensar que todos os meus encontros no futuro terão que ser assim. (...) Vou evitar sair até tudo isso passar, e vou ver quais desses matches vão sobrar até lá".