Foram vários dias de sol observados da janela, mas deu certo: a curva da pandemia de coronavírus está achatada no Rio Grande do Sul, mostra análise de GaúchaZH sobre dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES). Isso significa que o Estado conseguiu, neste primeiro momento, conter a velocidade de expansão da doença. Contudo, médicos alertam que a covid-19 ainda cresce e que dados estão atrasados.
A primeira medida de distanciamento social decretada em Porto Alegre foi em 17 de março. Dois dias depois, o governador Eduardo Leite (PSDB) impôs as primeiras limitações a todo o Estado, até que, no dia 31, obrigou comércios a fecharem. A redução da velocidade da pandemia demora ao menos duas semanas para aparecer, segundo cientistas.
O maior número de casos registrados em um único dia ocorreu justamente em 31 de março, quando a SES contabilizou 62 novos infectados, um crescimento de 15% em relação ao dia anterior. A partir daí, o coronavírus perdeu força diariamente até que, na última sexta-feira (17), o crescimento foi de apenas 0,7%, com somente seis novos infectados.
Na manhã desta segunda-feira, Leite reconheceu o achatamento da curva e afirmou que as medidas de distanciamento salvarão quase 300 vidas até o fim do mês. A projeção é de que haja, no dia 30, 62 mortos – hoje, são 27. Até a manhã desta segunda-feira (20), o Estado tinha oficialmente 869 pessoas com covid-19.
A boa situação do Rio Grande do Sul contrasta com a de Estados como Amazonas, Ceará, Pernambuco e Maranhão, onde a curva epidêmica cresce a ponto de estar prestes a esgotar os leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Sistema Único de Saúde (SUS).
Se entre 15 e 22 de março (antes do isolamento), o total de infectados dobrava a cada dois dias no RS, agora dobra a cada seis dias, revela análise de Anderson Ribeiro, professor de física teórica na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e integrante do grupo de pesquisa Análise Covid-19, que reúne várias universidades brasileiras.
— A curva no Rio Grande do Sul nunca teve crescimento exponencial a partir dos 30 casos registrados. Isso pode ser reflexo das medidas de distanciamento adotadas cedo no Estado. Mas é uma curva crescente, então ainda existe preocupação, porque o número de casos continua aumentando. Não quer dizer que esteja tudo tranquilo — afirma Ribeiro.
Eduardo Sprinz, chefe da Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, avalia que a curva está “totalmente achatada”. Ele diz que isso ocorre graças às medidas restritivas, tomadas antes do rápido crescimento da epidemia.
Mas os números podem estar abaixo do real: há subnotificação de casos e risco de alguns exames darem falso negativo. Além disso, Ribeiro, da UFFS, pondera que o achatamento da curva pode ser influenciado pelo atraso na liberação das análises pelo Laboratório Central do Estado (Lacen), que atende à grande maioria das instituições. Há, portanto, casos de coronavírus não confirmados e que não entram nas estatísticas. A ressalva é importante, diz André Luiz Machado, médico infectologista do Hospital Conceição.
— Há um represamento dos resultados. Essas atualizações que temos dia a dia não são de casos diagnosticados nas últimas 48 horas. Muitas vezes, são de exames dos últimos 10 dias. No Hospital Conceição, o tempo de espera está entre cinco e sete dias. Mas, apesar do represamento de testes, há, sim, um achatamento. Isso não significa que atingimos o platô. Ainda temos casos acontecendo e ainda não há tendência de queda — afirma Machado.
A Secretaria Estadual da Saúde nega represamento. A pasta diz que o Lacen está com a testagem em dia e que, no final de semana, a fila foi zerada. Por dia, são realizados cerca de 300 exames, cujo resultado, afirma o governo, sai em até 48 horas.
Alerta sobre liberação da circulação sem testes
O achatamento é uma conquista, mas especialistas alertam que a epidemia é dinâmica e que liberar a circulação das pessoas sem aumentar os testes – ou seja, sem de fato conhecer o total de infectados – pode reverter o cenário. A reabertura de comércios no Interior foi liberada na semana passada. Na região metropolitana de Porto Alegre, isso ocorrerá em 30 de abril.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta que a liberação de movimento seja feita pelos governos de forma lenta. Sprinz, do Hospital de Clínicas, cita que estudos orientam relaxamento das medidas somente após 10 semanas de isolamento.
— A liberação nesse momento é precoce. Temos que continuar com distanciamento social e etiqueta higiênica. A liberação deve ser gradativa. Aglomerações não podem ocorrer, pequenos comércios podem abrir, mas com distanciamento — diz o médico.
Santa Catarina também achatou a curva epidêmica, mas, após o governador Carlos Moisés (PSL) permitir a reabertura do comércio no fim de março, o cenário foi revertido, indica estudo de cientistas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade de Joinville.
O professor Oscar Bruna-Romero, do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da UFSC, que analisou a curva epidêmica catarinense, escreveu em relatório que há “aceleração descontrolada da curva epidêmica” e que a flexibilização da quarentena em meio à falta de testes “levará de forma irremediável à infecção de milhares de pessoas e à convergência quase imediata com as terríveis taxas de contágio e morte observadas em outros países”.
O médico Ronaldo Hallal, consultor da Sociedade Sul Riograndense de Infectologia, chama atenção para como a covid-19 pode afetar mais a população de baixa renda, cujo acesso aos serviços de saúde e de infraestrutura é reduzido. Ele salienta que, com a abertura dos comércios, o número de casos irá crescer.
— Em Santa Catarina também houve achatamento da curva, mas com aumento após flexibilização, identificado pela UFSC. O problema é que, quando a curva aumenta muito rápido, o incremento exponencial de novos casos é maior do que a capacidade de giro dos leitos hospitalares, que se soma com a perda da capacidade de mão de obra, devido ao adoecimento dos profissionais de saúde — afirma o infectologista.
Dentre várias medidas tomadas para conter a epidemia no Rio Grande do Sul, a SES destaca as parcerias com universidades para que façam testagem em seus laboratórios, a compra de testes rápidos e RT-PCR, a distribuição de equipamentos de proteção a profissionais da saúde e o acompanhamento da ocupação de leitos, para ajudar a tomar as medidas com relação ao distanciamento social.