Na madrugada de 18 de março, o motorista aposentado Etelvino Mezzomo, de 64 anos, foi transferido de um leito clínico para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), do Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, na serra gaúcha.
Na porta da UTI, Jussara Bordin Mezzomo, religiosa fervorosa, rezou diante do marido:
– Vai com Deus e Santa Rita da Cássia.
O aposentado respondeu:
– Eu não tenho o coronavírus.
Etelvino já estava internado havia cinco dias, e seu estado de saúde se agravara, ainda sem diagnóstico definido. Sem que soubessem, a troca de palavras representou a despedida entre o casal, após 39 anos de casamento.
Jussara lembra que o marido temia a covid-19 e nutria esperança de não estar infectado.
– Enquanto esteve no quarto, viu na TV notícias sobre o que estava acontecendo, e ficou com medo da doença. Foi para a UTI com a certeza de que não tinha o vírus.
O teste do aposentado, concluído horas depois, confirmou o pior. O exame de Jussara deu negativo, mas ela teve de cumprir isolamento em casa, em Serafina Corrêa, onde é dona de um salão de estética. Nunca mais falou com o marido.
Entubado, Etelvino dependia cada vez mais do respirador mecânico. Em 8 de abril, ele completou 64 anos no leito de UTI. Jussara fez uma chamada de vídeo via WhatsApp e, com a ajuda de enfermeiros, desejou saúde e felicidades ao marido.
– Cantamos parabéns. Foi a última vez que vimos ele, praticamente em coma.
Há três anos, o aposentado convivia com falta de ar, mas se cuidava. Pagava plano de saúde particular e consultava regularmente com pneumologista em Bento Gonçalves.
A família suspeita que Etelvino foi infectado ao conversar com turistas europeus que visitaram Serafina Corrêa no começo de março. Dias depois, o aposentado passou a ter febre e sentir dores pelo corpo. Mesmo assim, viajou em um ônibus de sacoleiros para o Paraguai, onde costumava comprar mercadorias para revender a conhecidos.
– Ele foi e voltou da viagem com febre – conta Jussara.
Etelvino procurou atendimento médico pensando se tratar de uma gripe qualquer, mas foi hospitalizado e não voltou mais para casa. Nenhum familiar apresentou sintomas da doença. Jussara diz ter ouvido de um médico que a covid-19 abateu Etelvino de modo tão agressivo que, mesmo sobrevivendo, ele enfrentaria graves sequelas.
– Ficaria vegetativo, não voltaria mais ao normal. Os rins estavam paralisados, e a insuficiência respiratória era aguda.
A cerimônia de cremação foi em Caxias do Sul. A despedida durou 15 minutos.
– Tivemos de ficar de longe. Não sei nem a roupa que vestiram nele. É muito triste. Ele lutou o tempo todo pela vida para cuidar do nosso único filho.
Etelvino deixou a esposa, Jussara, 59 anos, e o filho, Thiago, 30 anos, cadeirante.