Há um ano, Ana Carolina Dal Zotto, 35 anos, e Leandro Generali, 32, se conheceram por meio de um aplicativo de relacionamentos. O papo evoluiu, o namoro engrenou, e os dois não se desgrudaram mais. Embora morassem muito próximos, juntar as escovas ainda não estava nos planos por ser cedo demais para tanto compromisso – ela tem apartamento na Cidade Baixa, e ele, no Centro da Capital.
Pelo menos era nisso que acreditavam até março, quando o coronavírus se espalhou pelo país e tudo mudou. O confinamento fez Ana e Leandro decidirem encarar uma espécie de "test drive do amor". Já são mais de 60 dias que o casal divide o mesmo espaço.
– Foi a melhor decisão que tomamos, eu já teria enlouquecido se estivesse sozinha – explica a maquiadora. – A gente passa 24 horas do dia juntos, a intimidade é total. Mesmo já sendo íntimo e se conhecendo muito bem, agora temos tempo para saber tudo mesmo sobre o outro. Até as roupas a gente tem compartilhado.
Assim como eles, outros casais resolveram passar sob o mesmo teto o período de distanciamento social. É claro que essa intimidade forçada e repentina não tem só clima de lua de mel.
Ana conta que, para o relacionamento seguir sem percalços, foi necessário estipular limites. Mesmo que ambos estivessem sem trabalhar em razão da pandemia, por serem autônomos, criar uma rotina que contemplasse a individualidade de cada um era essencial. Ana gosta de ver séries de madrugada, Leandro dorme cedo. Durante o dia, as atividades são feitas em conjunto: filmes, cursos, alongamentos, práticas artísticas, pilates e por aí vai. O acerto entre eles inclui ainda um refúgio temporário:
– Uma vez por semana ele vai para casa dele. Eu acabo tendo mais tempo sozinha no dia a dia porque sou a pessoa da madrugada. Se sentimos que estamos travados e não conseguimos realizar algumas coisas por estarmos sempre juntos, conversamos e falamos sobre ter um tempo mais longo sozinhos.
Se sentimos que estamos travados e não conseguimos realizar algumas coisas por estarmos sempre juntos, conversamos e falamos sobre ter um tempo mais longo sozinhos.
ANA CAROLINA DAL ZOTTO
maquiadora
O maior desafio do casal tem sido a alimentação. Leandro é vegano, e Ana se define como "terrivelmente chata para comer". O test drive serviu para mostrar que é possível fazer refeições em conjunto sem estresse. Alguns pratos são adaptados, e, em outras ocasiões, ela se dispôs a provar novos alimentos. A experiência deu tão certo que Ana confessa: já estão até conversando sobre um casamento pela internet, via Zoom, para marcar o momento e rever os amigos – mesmo que ainda não tenham decidido se continuarão na mesma casa quando a pandemia acabar.
– A gente se acerta muito bem em tudo. Cada um tem suas manias, o jeito de lavar a louça, mas nossa relação sempre foi muito aberta e sincera. Vamos chegando a acordos dia após dia – diz Ana.
Sem medo dos riscos
E se você acha que é cedo para falar de casamento com um ano de namoro ficará surpresa com a história de Amanda Freitas, 32, e Gabriel Carvalho, 28. Eles se conheceram também por meio de um aplicativo de relacionamentos no início de março – e desde o primeiro encontro engataram um romance intenso. Mal tinham assumido o status "namorando" e a pandemia chegou.
Quando se deram por conta, já dormiam juntos quase todos os dias e viviam 24 horas na mesma casa. E seguem assim (e muito bem) até hoje, diz Amanda, que trabalha na área administrativa de uma empresa:
– Ele ainda tem que fazer uma lista das coisas de que não gosta em mim e eu do que me incomoda nele para sentarmos e conversarmos, vermos como podemos melhorar para seguir depois da pandemia. O primeiro ano de casado normalmente é mais difícil, as pessoas estão se adaptando. Como estamos tendo essa experiência antes, precisamos aproveitar. Quando oficializarmos, já vamos ter passado por esses problemas.
Como se conheciam há pouquíssimo tempo, a hiperconvivência virou a oportunidade para um mergulho na vida do outro: descobrir gostos, se é mais bagunceiro ou organizado, o que gosta de comer, se os estilos de filmes e séries batem e por aí vai. Amanda conta que sente falta do frio na barriga, da paquera dos primeiros encontros, e que também está aprendendo a administrar os estresses do dia a dia – divisão das tarefas domésticas e das contas, por exemplo.
Ela sabe que começar um relacionamento com alguém que pouco se conhece traz ainda mais desafios para esse momento de incertezas da pandemia. Mas defende que intensidade é a palavra que define seu namoro e conta que eles até já falaram sobre casamento e filhos:
– Morar juntos na quarentena simplesmente aconteceu. Essa convivência diária faz as coisas aflorarem, tanto as boas quanto as chatas. Mas está sendo melhor do que eu esperava, estamos nos adaptando bem um com o outro.
Na mesma cidade
Já para alguns casais, como Fernanda Formagio, 34, e Luciano de Senna, 36, a pandemia se tornou a chance de transformar o relacionamento via telefone, WhatsApp e chamada de vídeo. Eles se conheceram por intermédio de amigos em comum em uma viagem que Fernanda fez a trabalho para Bagé – ela mora em Porto Alegre. Mesmo a distância, decidiram engatar o romance e há sete meses estão juntos, reservando os fins de semana para curtir a dois. Com o home office em razão do distanciamento social, a opção foi Luciano passar uma temporada na casa da namorada.
– Foi uma decisão natural, meio na euforia de ficarmos mais tempo perto, não deu frio na barriga de medo – explica Fernanda.
Especialista em eletrotécnica, ela conta que a experiência está servindo para confirmar tudo o que descobriram pelo contato online e nos poucos momentos juntos: a parceria e a cumplicidade dão o tom da relação.
Mas, claro, há aqueles ajustes de rotina devido à convivência intensa. Eles aprenderam a dividir as tarefas domésticas: cada dia, um fica responsável por cozinhar, o outro lava a louça. Toalha molhada fica no banheiro, nada de deixar na cama. Para driblar a ansiedade gerada pela pandemia, o foco foi tentar lidar com tudo de forma tranquila, sem estresse, prezando pelo diálogo de forma consciente, diz Fernanda:
– Encarei na boa a mudança e sem grandes traumas. Não percebemos ainda nenhuma mania absurda a ponto de nos incomodarmos, descobrimos na convivência intensa mais ainda do jeitinho de cada um. Foi a melhor decisão e, se tivesse que tomá-la novamente, seria a mesma.
E os planos para o pós-pandemia? Eles já conversaram sobre o futuro e concordam que o test drive garantiu a possibilidade de novos passos no relacionamento:
– Por enquanto, voltaremos à programação normal, devido aos compromissos profissionais. Mas confirmamos que queremos estar juntos o mais breve possível.