A idade é apenas um número. Uma mulher de 40 anos hoje muitas vezes está em seu auge: chegou ou está chegando aonde queria na carreira, conquistou a estabilidade financeira, sabe quem é e do que gosta e banca as suas decisões. Inclusive a de que este pode ser o seu momento de ter filhos.
Mas, quando o assunto é fertilidade, a tal idade ainda faz muita diferença. A chance de engravidar começa a decrescer por volta dos 30 anos e se reduz em ritmo acelerado a partir dos 35. Ainda assim, é cada vez maior a quantidade de mulheres que adiam a maternidade. Há duas décadas, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra o aumento acentuado e progressivo de mães maduras que dão à luz.
Este crescimento das gestações tardias é um fenômeno mundial, observado nas últimas décadas especialmente em países industrializados, segundo Tagma Schneider Donelli, coordenadora da graduação em Psicologia da Unisinos, psicóloga que há mais de 10 anos pesquisa o tema.
– Antes, casava-se com o primeiro namorado. A vida doméstica era uma escolha automática para as mulheres e, portanto, a centralidade da maternidade. Hoje, elas podem ser o que quiserem, têm outras realizações – afirma Tagma, que nota dois fatores de influência no adiamento da gravidez: o trabalho e o tempo de escolha do companheiro.
Com isso, número de bebês nascidos de mães na faixa dos 40 aos 44, quando a queda na taxa de fecundidade se intensifica ainda mais, teve um crescimento de 97% de 1998 para 2018.
– Geralmente, a mulher chega ao seu auge profissional quando o seu “prazo” para engravidar está terminando. Não é justo. Quando a gente está bem para ter um filho pode ser tarde. Outro motivo frequente de adiamento da maternidade é a falta de parceiro certo. Elas não querem ter filho “com qualquer um”. Encontrar alguém, ter um relacionamento e chegar ao próximo passo, de formar uma família, demora – complementa Tagma.
Geralmente, a mulher chega ao seu auge profissional quando o seu “prazo” para engravidar está terminando. Não é justo. Quando a gente está bem para ter um filho pode ser tarde.
TAGMA SCHNEIDER DONELLI
psicóloga e coordenadora da graduação em Psicologia da Unisinos
Foi essa a situação de Andrea Parisi Kern, engenheira civil, 49 anos, que conheceu o marido aos 37 e casou aos 39. Engravidou naturalmente após tentar por dois meses e deu à luz aos 40.
– Eu não tinha isso conscientemente planejado, mas tinha certeza de que não queria ter uma produção independente, embora sempre quisesse ter filho. Nesse meio-tempo, investi na carreira e, quando o Fernando nasceu, já tinha um bom emprego, uma estrutura profissional e financeira – conta Andrea, que passou por uma gravidez tranquila e teve o parto de cesárea somente devido à posição do bebê no útero.
Ela ressalta o contraste de sua situação com a da mãe, que teve filhos jovem e só passou a trabalhar três anos depois de o caçula nascer. Para continuar trabalhando tanto ou mais do que antes da maternidade, Andrea considera fundamental a dinâmica da casa:
– Sou professora universitária e dou aula à noite, então, conto com uma estrutura. Temos uma babá desde quando deixei de amamentar. O meu marido e eu nos revezamos, tentamos trabalhar em horários diferentes. É um malabarismo para casa funcionar, mas funciona superbem – conta Andrea.
– (A vida) muda, mas muda para melhor. Eu era muito feliz antes e sou muito mais feliz agora. Talvez, se tivesse tido um filho mais cedo, não teria conquistado um monte de coisa que conquistei. Por outro lado, eu teria um filho mais velho.
Relógio biológico x ritmo de vida
Débora Oliveira, psicóloga clínica e professora de Psicologia da PUCRS, recebe cada vez mais pacientes acima de 30 anos com estes dilemas: “Como ter filhos agora, na melhor idade biológica, sem estar consolidada no mercado de trabalho ou nem ter escolhido o parceiro?”, “Congelo óvulos?”, “Tenho uma produção independente?”.
– Às vezes, o mercado de trabalho não dá espaço para ser mãe. Sobre a maternidade, muito se diz que o importante é qualidade da relação com o filho e não a quantidade de tempo. Você falaria para um chefe que a qualidade do seu serviço é o que importa e não a jornada de oito horas que você tem de cumprir? Então, como dizer isso para o filho? – compara.
O problema é o descompasso entre os ritmos do relógio biológico e da construção da estrutura material e emocional para receber o filho. Para a saúde da criança, faz toda diferença crescer em um ambiente familiar estável, com pais satisfeitos e realizados, afirma Débora.
A psicóloga Tagma Schneider Donelli acrescenta que as mulheres maduras são mais seguras e realistas sobre o que é ser mãe e como cuidar de uma criança. Quem se realizou no casamento e na profissão parte para a nova fase da vida com menos cobrança, avalia.
Tendo engravidado com 15 anos de casamento e a carreira consolidada como consultora em turismo, Penelope Barp, 48 anos, conta que sua mãe teve as filhas jovens e deixou o emprego para criá-las, só voltando ao trabalho quando as meninas estavam maiores e sob a supervisão da avó. Quando sua irmã se separou, foi a vez da mãe delas se mudar para São Paulo para ajudar com as crianças. O papel de cuidadora era exclusividade feminina nas gerações anteriores e absorvia todo o tempo.
– Na minha família, houve pouca presença masculina na criação dos filhos – afirma, comparando com a relação dela e do marido, em que fazem o máximo para dividir as responsabilidades com o filho, Pedro, de quase sete anos.
Além da organização das tarefas com o marido, a rede de apoio familiar de ambos permitiu que ela continuasse trabalhando no mesmo ritmo. Quando o bebê tinha apenas três meses, Penelope passou cinco dias a trabalho em outro Estado, relembra.
A falta de uma rede de apoio fez diferença para a consultora em nutrição, Kátia Tanielian, 49 anos. Com poucas opções a quem pedir ajuda, ela decidiu não trabalhar no primeiro ano de vida de Enrico, seis anos.
Ao voltar, reduziu as viagens profissionais e encurtou as distâncias. Só atende clientes em cidades de onde possa voltar no mesmo dia, para dormir em casa. A adaptação à mudança de vida e à atenção que o bebê exigia foi bastante difícil.
– Teve um dia em que o meu marido chegou e perguntou: “Quanto tempo eu tenho?”. E eu respondi: “Agora que a gente teve um filho, tu acha que eu vou me separar?” – diverte-se Kátia. Com um filho já adulto do primeiro casamento, o marido tinha experiência com criança e foi “a melhor babá que poderia existir”.
Para Jacilene Silva Torres, 45 anos, a “virada de chave” começou ao se mudar do Rio de Janeiro para Porto Alegre, para casar e viver com o namorado gaúcho, com quem estava havia 6 anos.
Analista de sistemas, ela sabia que perderia um pouco de espaço na vida profissional, mas cedeu em prol da formação da família.
Após romper a união anterior, conhecer e casar-se com seu atual marido, Jacilene estava com 41 anos. O casal não tinha dúvidas de que teria um filho – nem que fosse do coração. A gestação de Lucas, um ano, foi muito tranquila, e Jacilene vê a queda da fertilidade como única desvantagem de ser mãe após os 40.
– Somos muito tranquilos. Eu vejo conflitos em algumas famílias que a gente não tem. A pediatra comentou que encaramos tudo com serenidade, não fica ligando por qualquer coisa. Talvez isso seja por causa da idade.