No centésimo dia de 2024 (fevereiro teve 29 desta vez, vale lembrar aos calculadores de plantão), é hora de fazer a lista dos melhores filmes do ano até agora.
Por enquanto, temos um problema: nenhum dos títulos que de fato são de 2024 me conquistou a ponto de garantir vaga neste ranking afetivo. Nem mesmo o elogiado Duna: Parte 2, atual campeão de bilheteria — para o meu gosto, embora traga uma discussão muito pertinente sobre messianismo, a sequência do épico de ficção científica perdeu o encanto do novo e cedeu demais a convenções hollywoodianas, o que inclui diálogos bastante expositivos e um vilão caricatural (Austin Butler). O que mais chegou perto foi o argentino Descanse em Paz, em cartaz na Netflix. Mas não despertou a urgência em rever, não é algo a que eu assistiria pela segunda vez neste exato momento, diferentemente dos longas-metragens citados abaixo.
Então, a seleção dos melhores "do ano" foi composta por filmes de 2023 (ou até de 2022) que só nesta temporada estrearam comercialmente no Brasil. Friso o "comercialmente" para justificar a presença de obras que já haviam sido exibidas em festivais no ano passado.
A ordem é puramente alfabética. Clique nos links se quiser saber mais.
1) Meu Amigo Robô (2023)
De Pablo Berger. O diretor espanhol competiu no Oscar dos longas de animação com este filme ambientado na Nova York dos anos 1980, onde um cachorro compra um robô pra fazer companhia a ele. É uma história linda e sem diálogos sobre solidão, amizade e lealdade. (Ainda sem data de estreia no streaming)
2) Anatomia de uma Queda (2023)
De Justine Triet. Interpretando em francês e em inglês, a atriz alemã Sandra Hüller tem um dos desempenhos mais elogiados dos últimos tempos na pele de uma escritora suspeita de matar o marido. A investigação traz à tona as fissuras do casamento e permite ao roteiro — premiado no Oscar — discutir o que é verdade, a ilusão das palavras e o poder das narrativas. (Amazon Prime Video)
3) As Bestas (2022)
De Rodrigo Sorogoyen. Vencedor de nove prêmios Goya e exibido no ano passado no Fantaspoa e no Festival Varilux, o filmaço espanhol está ambientado em uma aldeia no interior da Galícia, onde o diretor acompanha as desavenças de um casal francês — que cultiva vegetais e reabilita casas abandonadas — com os vizinhos, que querem vender as terras para a implementação de um parque eólico. (Ainda sem data de estreia no streaming)
4) Dias Perfeitos (2023)
De Wim Wenders. Sob direção do cineasta alemão e com canções de Nina Simone, Lou Reed, Van Morrison e Patti Smith na trilha sonora, representou o Japão no Oscar internacional. Acompanhamos o dia a dia de um faxineiro (Koji Yakusho, prêmio de melhor ator no Festival de Cannes) dos banheiros públicos de Tóquio. Solitário e quase calado, ele vai nos ensinar a arte do komorebi, a beleza da rotina e o prazer das coisas simples da vida. (Em cartaz no Espaço Bourbon Country, no GNC Moinhos e na Sala Paulo Amorim; estreia no MUBI em 12/4)
5) O Homem dos Sonhos (2023)
De Kristoffer Borgli. Nicolas Cage interpreta um professor universitário que leva uma vida absolutamente comum ao lado da esposa e das duas filhas, mas que acaba ganhando fama global ao aparecer nas fantasias noturnas de quase todo mundo. Não raro, em situações de perigo ou terror — ou ainda eróticas. O enredo incita o cineasta norueguês a criar cenas que embaralham o real e o imaginado e a abordar os fenômenos midiáticos, a fabricação da fama, o narcisismo patológico e a cultura do cancelamento. (Em cartaz no Cineflix Total, no Espaço Bourbon Country, no GNC Moinhos e no GNC Praia de Belas)
6) Pobres Criaturas (2023)
De Yorgos Lanthimos. Ganhadora do Oscar nas categorias de melhor atriz (Emma Stone), design de produção, figurinos e maquiagem e cabelos, esta mistura de Frankenstein, socialismo e muito sexo talvez seja o filme mais polêmico da temporada. Para algumas pessoas é uma obra-prima feminista; para outras, uma ofensiva fantasia sexual masculina. (Star+)
7) A Sala dos Professores (2023)
De Ilker Çatak. Foi o filme da Alemanha no Oscar internacional. Na trama, uma professora idealista (Leonie Benesch) resolve investigar uma série de furtos na escola. Um aluno dela, filho de imigrantes, é o principal suspeito. A cada passo, a protagonista afunda numa espécie de areia movediça do campo da ética. (Disponível a partir de 18/4 nas plataformas de aluguel digital)
8) Segredos de um Escândalo (2023)
De Todd Haynes. Em sua quinta parceria com o diretor, Julianne Moore interpreta Gracie, personagem inspirada em uma história real de pedofilia: a da professora de 36 anos que acabou tendo dois filhos com um aluno de 13 anos. Natalie Portman encarna a atriz de Hollywood que vai fazer um filme sobre o casal, abrindo a porta para este filmaço reexaminar a relação dos dois e retratar o tema da duplicidade. (Disponível para aluguel nas plataformas digitais e em cartaz no Amazon Prime Video a partir de 30/4)
9) Todos Nós Desconhecidos (2023)
De Andrew Haigh. Indicado a categorias do Bafta e do Globo de Ouro, foi um dos grandes esnobados no Oscar.
Na trama que se passa em Londres, Andrew Scott interpreta Adam, um roteirista que leva uma vida pacata e monótona em seu apartamento. Durante um teste de alarme no condomínio, ele acaba conhecendo um vizinho, Harry (Paul Mescal). À medida que o romance entre os dois avança, Adam regride no tempo: começa a visitar a casa de sua infância e conversar com os pais (personagens de Jamie Bell e Claire Foy). Não é spoiler o que vem a seguir: os dois morreram muito tempo atrás. A direção de fotografia, a edição e a trilha sonora dão uma aparência etérea, onírica e algo fantasmagórica a este filme bonito sobre solidão, luto e traumas ligados à sexualidade, à relação com os pais e ao bullying na escola. (Estreia no Star+ em 24/4)
10) Vidas Passadas (2023)
De Celine Song. Jamais é manipulativo ou maniqueísta no retrato de um triângulo amoroso que tem como vértice uma escritora (Greta Lee) que emigrou da Coreia do Sul para os Estados Unidos. Concorreu ao Oscar de melhor filme e ao troféu de roteiro original. (Disponível para aluguel nas plataformas digitais e em cartaz no canal Telecine do Amazon Prime Video e do Globoplay a partir de 2/5)
11) Zona de Interesse (2023)
De Jonathan Glazer. Vencedor do Oscar internacional, perturba ao mostrar o cotidiano familiar do nazista comandante de Auschwitz, onde pelo menos 1,1 milhão de judeus foram exterminados. Ganhou também a estatueta de som, graças a um trabalho assombroso: existe o filme que a gente vê e o filme que a gente ouve. (Amazon Prime Video)