Estou apaixonado pela nova série da Apple TV+: Sugar (2024), uma abordagem contemporânea do policial noir estrelada por Colin Farrell e que tem cinco dos oito episódios dirigidos por Fernando Meirelles. Os dois primeiros foram lançados no dia 5 de abril, e os demais irão ao ar a cada sexta-feira, um por vez, até 17 de maio.
Essa estratégia híbrida de distribuição, uma mistura entre o padrão Netflix e a moda antiga dos canais de televisão, pode frustrar o espectador que curte maratonar seriados. Mas tende a se mostrar duplamente positiva — tanto para a obra quanto para o público.
Em primeiro lugar, dá mais tempo de vida para a série. Cada episódio vira um evento, gera engajamento, expectativa, especulação, elementos essenciais para uma trama que oferta um enigma.
Obrigados a seduzir o espectador para que ele volte na semana seguinte, os capítulos não costumam apostar na inércia do público, ao contrário do que faz a Netflix ao despejar todo o conteúdo de uma vez só — a minissérie Ripley (2024), que estreou na gigante do streaming na quinta-feira (4), exemplifica um efeito colateral dessa tática: episódios dolorosamente longos e cheios de, para usar uma metáfora do futebol, passes enfeitados para o lado. Enquanto isso, Sugar verticaliza o jogo — mesmo os seus recuos (os flashbacks ou as referências a filmes antigos de Hollywood) são pensando em fazer a bola chegar lá frente.
Por fim, o método a conta-gotas tira dos nossos ombros a pressão para assistir a tudo atabalhoadamente, sem pausa para refletir, combatendo o sono para não perder o trem do hype (o estrangeirismo que se adotou para substituir expressões como "dando o que falar") e não ficar tão exposto a spoilers nas redes sociais.
Dito isso, pode ficar sossegado: nesta coluna, não revelarei mais do que diz a sinopse oficial.
Sugar foi criada por Mark Protosevich, roteirista de A Cela (2000), coautor da adaptação de Eu Sou a Lenda (2007) e responsável pela versão de Oldboy (2003) que Spike Lee realizou em 2013. É a primeira série estadunidense do brasileiro Meirelles, que, depois da indicação ao Oscar de melhor direção por Cidade de Deus (2002), trilhou uma carreira internacional que inclui outros dois títulos concorrentes à premiação da Academia de Hollywood: O Jardineiro Fiel (2005) e Dois Papas (2019). Nos cinco episódios sob seu comando, conta com o diretor de fotografia uruguaio César Charlone, seu parceiro já há quase 25 anos.
E Sugar é uma das duas séries de 2024 que terão como protagonista Colin Farrell, indicado ao Oscar de melhor ator por Os Banshees de Inisherin (2022) — a outra é Pinguim, um derivado do filme Batman (2022) focado no vilão de Gotham City, com data de estreia ainda não anunciada pela plataforma Max. Após encarnar um policial na segunda temporada de True Detective, em 2015, o irlandês volta a interpretar um investigador, mas agora particular.
Trata-se de John Sugar, sujeito dedicado a encontrar pessoas desaparecidas. Como seu sobrenome ou pseudônimo aponta, ele tem uma doçura que contrasta com a personalidade de seus predecessores — embora também seja beberrão como o Philip Marlowe que protagonizava os livros de Raymond Chandler, autor de O Sono Eterno (1939), Adeus, Minha Adorada (1940) e O Longo Adeus (1953). Na sequência de abertura do primeiro episódio, fotografada em preto e branco e ambientada em Tóquio, ele demonstra sua elegância no figurino, sua fala mansa — e poliglota — e sua rejeição à violência, que só emprega quando realmente necessário. A arma que ele mais usa parece ser a bondade.
Da capital japonesa, Sugar viaja para Los Angeles, onde dirige um lindo Corvette azul conversível da década de 1960 e se sente em casa: a cidade é a meca do cinema, e o detetive é um cinéfilo de carteirinha. Daí que contraria uma espécie de agente de seus serviços, Ruby (papel da inglesa Kirby, anteriormente chamada Kirby Howell-Baptiste, a Morte do seriado Sandman), e aceita trabalhar para um lendário produtor de Hollywood, Jonathan Siegel (vivido pelo octogenário James Cromwell, de Los Angeles, Cidade Proibida).
Siegel quer que Sugar encontre sua neta, Olivia, uma jovem com histórico de uso de drogas e de sumiços, mas que dessa vez parece ter desaparecido "pra valer", segundo o avô. A investigação vai trazer à tona segredos e rusgas de família, ao mesmo passo em que o protagonista tem de lidar com os seus próprios problemas pessoais, talvez alguns fantasmas de seu passado.
É um enredo característico dos filmes noir, subgênero popular nos anos 1940 que é referenciado diretamente na série da Apple TV+. A certa altura, por exemplo, Ruby entrega a Sugar a arma que o ator Glenn Ford usou em Os Corruptos (The Big Heat, 1953), de Fritz Lang. Mas as citações não costumam ser tão diretas: a ágil e charmosa edição entrecorta ações e diálogos com trechinhos de filmes antigos — que podem estar ali como espelhamento do presente, ou como comentário, talvez como elipse, quem sabe como memória ou sonho. Entre os títulos já vistos, estão também O Tempo Não Apaga (1946), dirigido por Lewis Milestone e estrelado por Barbara Stanwyck, Confissão (1947), policial de John Cromwell com Humphrey Bogart, Crepúsculo dos Deuses (1950), clássico de Billy Wilder sobre Hollywood, o faroeste Johnny Guitar (1954), de Nicholas Ray, e A Morte num Beijo (1955), de Robert Aldrich.