Vai ao ar nesta sexta-feira (9), na HBO Max, o quinto e penúltimo episódio da quarta temporada de True Detective (2014-), Terra Noturna, que já se candidata para ser a melhor série policial de 2024. O lançamento do capítulo foi antecipado em dois dias para fugir da concorrência, na noite de domingo (11), com o Super Bowl, a decisão do campeonato de futebol americano.
Terra Noturna marca uma grande ruptura no seriado. Pela primeira vez, a trama não é escrita por seu criador, o estadunidense Nic Pizzolatto — o cargo coube à mexicana Issa López, do filme Os Tigres Não Têm Medo (2017), que também assina a direção dos seis capítulos. Pela primeira vez, não se passa em um cenário costumeiramente ensolarado, mas na vastidão nevada do Alasca (na verdade, a série foi filmada na Islândia) — e sob o fenômeno da noite polar: a fictícia cidade de Ennis, que recebe seus visitantes com uma placa de "Bem-vindos ao fim do mundo", ficará sem sol durante mais de um mês. Pela primeira vez, o protagonismo não é masculino: Jodie Foster, ganhadora do Oscar de melhor atriz por Acusados (1988) e por O Silêncio dos Inocentes (1991), e Kali Reis, que já foi campeã de boxe, interpretam as personagens principais — a chefe de polícia Liz Danvers e a patrulheira estadual Evangeline Navarro. A propósito de O Silêncio dos Inocentes, Foster o considera "bisavô" da série que estrela: "Inspirou Seven (1995), que inspirou True Detective, que inspirou Terra Noturna", disse em entrevista à revista Time.
Mas há importantes pontos de contato com a primeira temporada. Novamente, temos uma dupla formada por policiais que — pelo menos à primeira vista — são como água e azeite e combinam seus perfis antagônicos numa convivência em alta tensão descarregada sobre um objetivo comum. Novamente, um crime do passado volta à tona para atormentar os personagens, que já lidam com sérios problemas pessoais ou familiares. Novamente, o mistério a ser investigado envolve violência física, teorias da conspiração e elementos bizarros ou sobrenaturais (incluindo cenas de terror).
Algumas conexões são explícitas.
(AVISO DE SPOILERS PARA QUEM AINDA NÃO COMEÇOU A VER A QUARTA TEMPORADA OU NUNCA ASSISTIU À PRIMEIRA.)
A tatuagem de espiral remete à marca deixada no corpo da primeira vítima encontrada pelos detetives Rust Cohle (Matthew McConaughey) e Martin Hart (Woody Harrelson), abandonada em uma árvore e adornada com chifres de cervo. A atriz Fiona Shaw encarna uma mulher, Rose, que vê o fantasma do marido, Travis Cohle (Erling Eliasson) — o sobrenome entrega: é o pai de Rust. E a estação de pesquisa Tsalal, de onde desapareceram oito cientistas — restando no local apenas a língua decepada de uma mulher —, foi fundada por uma empresa da família Tuttle, que, na primeira temporada, comandava um culto diabólico.
Esses ingredientes referenciais atiçam os fãs de True Detective, mas não impedem a fruição de Terra Noturna pelos neófitos. Afinal, há uma força própria na história escrita por Issa López.
A escuridão que cai sobre Ennis joga luz sobre dramas coletivos — a cidade vive um dilema: metade da população trabalha nas minas da corporação Silver Sky, responsável tanto pela economia local quanto pela poluição ambiental; e os Iñupiats, o povo nativo, lutam para manter sua cultura e seus costumes. López é eficiente em dar rosto aos temas sociais, inserindo-os organicamente na trama. E sem distinção entre o dia e a noite, também fica mais difícil separar o trabalho da vida pessoal, o que é real do que é delírio.
Como na minissérie Mare of Easttown (2021) e nas produções do chamado noir nórdico, a ambientação em uma paisagem fria combina muito bem com personagens que ocultam segredos — o que há por trás, por exemplo, do comportamento do policial veterano Hank Prior (John Hawkes, indicado ao Oscar de melhor ator por As Sessões)? —, traumas do passado e relações amorosas: todos estão quase sempre escondidos atrás de casacos, mantas, gorros e luvas. Para, como diz a sinopse, "escavar as verdades assombradas que jazem enterradas sob o gelo eterno", as policiais Danvers e Navarro terão de primeiro aprender a fazer as perguntas certas — o que talvez signifique abrir os olhos para superstições indígenas e a presença de espíritos. Não à toa, a música dos créditos de abertura é Bury a Friend (2019), de Billie Eilish, que começa com uma série de indagações: "O que você quer de mim? Por que você não foge de mim? O que você está querendo saber? O que você sabe? Por que você não está com medo de mim? Por que você se importa comigo? Quando todos dormimos, para onde vamos?". Terra Noturna é hábil em engajar o público na investigação, porque evita pecados de algumas obras do gênero: o espectador não fica nem muito atrás das detetives, refém de um enredo muito complexo ou até confuso, nem muito à frente, indignado por ter sua inteligência subestimada.
Por fim, vale observar o modo como Terra Noturna representa, nas palavras de Jodie Foster, uma "evolução" tanto de O Silêncio dos Inocentes quanto da própria True Detective.
REPITO O ALERTA SOBRE SPOILERS.
No filme de Jonathan Demme que foi o último a vencer as cinco principais categorias do Oscar, a atriz interpretou uma policial do FBI, Clarice Sterling, que enfrenta a misoginia de seus superiores e seus pares e acaba sendo orientada pelo mítico Hannibal Lecter na caçada a um serial killer de mulheres. "Agora, temos caras mortos, e as mulheres são quem investigam. É uma reversão completa", comparou Foster.
Contudo, por trás do caso dos pesquisadores encontrados em um lago congelado com olhos queimados, marcas de mordidas autoinflingidas, tímpanos rompidos e outros ferimentos estranhos, além do símbolo de espiral na testa, há um outro episódio de violência contra mulher: Anne Kowtok, morta a facadas supostamente por protestar contra a construção de uma mina.
Na entrevista à Time, Jodie Foster comentou que a primeira temporada de True Detective foi extraordinária, mas girava demais em torno da identidade masculina e do sofrimento dos homens, apesar de as vítimas dos crimes serem femininas. Terra Noturna segue "por um caminho diferente", afirmou a atriz: fala da misoginia através de quem lida constantemente com isso, tendo de lidar com o medo, a desesperança, a raiva, "e não pelos olhos dos misóginos".