O Globo de Ouro já foi considerado o termômetro do Oscar, embora seja concedido por críticos, e não por artistas e trabalhadores que efetivamente votam na principal premiação do cinema nos Estados Unidos. Mas perdeu seu enorme status depois que uma reportagem publicada em fevereiro de 2021 pelo jornal Los Angeles Times acusou a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood de trocar o recebimento de presentes e viagens por indicações ao troféu, além de constatar a falta de diversidade étnica — não havia um único jornalista negro entre os 87 membros.
Atores anunciaram boicote ou foram até mais radicais — como Tom Cruise, que devolveu suas três estatuetas. A rede de TV estadunidense NBC decidiu não transmitir a cerimônia de 2022, marcada para este domingo (9), por entender que a Associação precisaria de "tempo e trabalho" para promover a reforma institucional prometida após a deflagração da crise. No IMDb, o maior banco de dados online sobre cinema, TV e streaming, o Globo de Ouro foi rebaixado: antes, na lista de premiações e indicações obtidas por um filme, só ficava abaixo do Oscar; agora, respeita a ordem alfabética.
Mas no imaginário do público o Globo de Ouro persiste como um prêmio se não importante, pelo menos tradicional: vai para sua 79ª edição (o Oscar de 2022 será o 94º). Então, apesar de não ter visto todos os indicados — por exemplo, quatro dos cinco concorrentes a melhor filme internacional ainda não foram lançados no Brasil —, resolvi esfregar a bola de cristal e fazer apostas para as categorias cinematográficas da cerimônia.
Melhor filme: drama
Indicados: Ataque dos Cães, Belfast, Duna, King Richard: Criando Campeãs e No Ritmo do Coração
Páreo duro entre os dois campeões de indicações (cada um com sete): o sensível e espirituoso Belfast, que vê pelos olhos de um menino o conflito entre protestantes e católicos na Irlanda do Norte do final da década de 1960, e o faroeste sobre repressão sexual e masculinidade tóxica de Ataque dos Cães. Mas este último me parece o favorito, a julgar pela posição alcançada (não raro a primeira) em vários rankings dos melhores de 2021 elaborados por críticos.
Melhor filme: comédia ou musical
Indicados: Amor, Sublime Amor; Cyrano; Licorice Pizza; Não Olhe para Cima e Tick, Tick... Boom!
São três musicais contra duas comédias. Não vi Cyrano, de Joe Wright, nem Licorice Pizza, de Paul Thomas Anderson, o que dificulta a aposta. Mas, pela capacidade de gerar debate — sobre negacionismo, sobre o papel da mídia, sobre bilionários que posam de benfeitores, sobre o próprio cinema etc. —, seria bacana premiar Não Olhe para Cima.
Melhor direção
Indicados: Kenneth Branagh (Belfast), Jane Campion (Ataque dos Cães), Maggie Gyllenhaal (A Filha Perdida), Steven Spielberg (Amor, Sublime Amor) e Denis Villeneuve (Duna)
Com todo o respeito à carreira de Spielberg, na comparação com os demais concorrentes ele é o menos cotado, na minha opinião. Acho que o troféu fica entre Branagh e Campion, mas eu não me surpreenderia se escolhessem Villeneuve, pelo trabalho em grande escala, ou Gyllenhaal, que, num caminho oposto, faz da câmera ora uma amiga muito íntima das personagens, ora uma intrusa em meio a suas angústias e seus desejos.
Melhor ator: drama
Indicados: Mahershala Ali (O Canto do Cisne), Javier Bardem (Apresentando os Ricardos), Benedict Cumberbatch (Ataque dos Cães), Will Smith (King Richard), Denzel Washington (A Tragédia de Macbeth)
É muito bom ver dois Mahershala Ali no mesmo filme, uma ficção científica existencialista sobre clonagem humana, mas 2021 foi o ano de Benedict Cumberbatch. Equilibrando contenção física e uma voz tensa e ameaçadora, o ator inglês mostra como a masculinidade tóxica pode destruir não apenas tudo em que toca, mas também ser nociva para seu portador.
Melhor atriz: drama
Indicadas: Jessica Chastain (Os Olhos de Tammy Faye), Olivia Colman (A Filha Perdida), Nicole Kidman (Apresentando os Ricardos), Lady Gaga (Casa Gucci) e Kristen Stewart (Spencer)
O auê aponta para uma vitória de Kristen Stewart pelo filme do chileno Pablo Larraín que praticamente transforma em história de terror um fim de semana em que a princesa Diana confronta tradições da família real britânica. Lady Gaga tem chances, mas eu não votaria nela por entender que filmes ruins não devem ser premiados, independentemente da categoria. Gostaria de ver Olivia Colman recebendo seu quarto Globo de Ouro, depois da minissérie The Night Manager, em 2017, do filme A Favorita, em 2019, e do seriado The Crown, em 2020. A quantidade de emoções que consegue transmitir em uma única cena, e sem precisar falar muito, é extraordinária.
Melhor ator: comédia ou musical
Indicados: Leonardo DiCaprio (Não Olhe para Cima), Peter Dinklage (Cyrano), Andrew Garfield (Tick, Tick... Boom!), Cooper Hoffman (Licorice Pizza) e Anthony Ramos (Em um Bairro de Nova York)
Aqui, também faz falta não ter visto Cyrano e Licorice Pizza. Mas torço com todas as forças por Andrew Garfield, que tem um desempenho vibrante, seja cantando, sofrendo ou fazendo piadas, no musical sobre o maior fracasso do autor de um dos maiores sucessos da Broadway.
Melhor atriz: comédia ou musical
Indicadas: Marion Cotillard (Annette), Alana Haim (Licorice Pizza), Jennifer Lawrence (Não Olhe para Cima), Emma Stone (Cruella) e Rachel Zegler (Amor, Sublime Amor)
O fator revelação empurra o favoritismo para as cantoras Alana Haim e Rachel Zegler. Entre as quatro candidatas que pude ver, nenhuma me arrebatou.
Ator coadjuvante
Indicados: Ben Affleck (The Tender Bar), Jamie Dornan (Belfast), Ciarán Hinds (Belfast), Troy Kotsur (No Ritmo do Coração) e Kodi Smit-McPhee (Ataque dos Cães)
Eis uma categoria em que deveria haver dois ou até três vencedores. Para destacar os papéis de um avô (Ciáran Hinds), de um pai (Troy Kotsur) e de um filho (Kodi Smit-McPhee). Acho que a carta da representatividade pode desempatar a briga em favor de Kotsur, que é surdo como o seu personagem.
Atriz coadjuvante
Indicadas: Caitriona Balfe (Belfast), Ariana DeBose (Amor, Sublime Amor), Kirsten Dunst (Ataque dos Cães), Aunjanue Ellis (King Richard) e Ruth Negga (Identidade)
Outra categoria muito forte. Todas as indicadas brilham e têm pelo menos um "momento-ganha-prêmio". Torço por Kirsten Dunst e Ruth Negga, mas acho que Ariana DeBose vence.
Melhor roteiro
Indicados: Paul Thomas Anderson (Licorice Pizza), Kenneth Branagh (Belfast), Jane Campion (Ataque dos Cães), Adam McKay (Não Olhe para Cima) e Aaron Sorkin (Apresentando os Ricardos)
Aaron Sorkin já ganhou três vezes: por A Rede Social (2010), por Steve Jobs (2015) e por Os 7 de Chicago (2020). Pode ser eleito de novo ao reconstituir uma semana infernal na vida e na carreira do casal Lucille Ball e Desi Arnaz — astros da popularíssima série cômica I Love Lucy (1951-1957) —, graças ao emprego de várias técnicas narrativas: temos depoimentos "documentais", as típicas batalhas verbais do roteirista, a recriação de cenas do seriado que ilustram, espelham, resolvem ou comentam situações dos bastidores... Pessoalmente, gostaria que Jane Campion vencesse, por adaptar uma história escrita em 1967 e ambientada em 1925 mas que dialoga muito com questões marcantes do século 21.
Trilha sonora
Indicados: Alexandre Desplat (A Crônica Francesa), Germaine Franco (Encanto), Jonny Greenwood (Ataque dos Cães), Alberto Iglesias (Madres Paralelas) e Hans Zimmer (Duna)
Meu coração e meus ouvidos estão divididos entre Jonny Greenwood, que, de forma sinistra e minimalista, sublinha os sentimentos de melancolia e de dissonância dos personagens de Ataque dos Cães em relação a seu entorno e aos papéis que deveriam desempenhar; e Hans Zimmer, que realça a sedução dos mistérios de Duna ao sintetizar elementos percussivos e uivos humanos, além de agregar instrumentos anacrônicos, como gaitas de foles, refletindo a fusão de futurismo e feudalismo inerente à obra de Frank Herbert.
Canção original
Indicadas: Be Alive, por Beyoncé (King Richard), Dos Oruguitas, por Sebastian Yara (Encanto), Down to Joy, por Van Morrison (Belfast), Here I Am (Singin' my Way Home), por Jennifer Hudson (Respect) e No Time to Die, por Billie Eilish (007: Sem Tempo para Morrer)
É uma categoria na qual sempre dou preferência para canções que estão efetivamente integradas à trama — em vez de aparecerem somente nos créditos, por exemplo. Ponto para a linda Dos Oruguitas. Mas eu poderia abrir uma exceção à envolvente No Time to Die, que escutamos depois da eletrizante sequência de abertura do último 007 com Daniel Craig.
Filme de animação
Indicados: Encanto, Flee, Luca, My Sunny Maad e Raya e o Último Dragão
Na ausência do meu preferido, A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas, torço por Luca, de Enrico Casarosa. Mas mesmo sem ter assistido a Flee, acredito — pela originalidade da proposta e pelo tema candente — no favoritismo desse documentário em animação do dinamarquês Jonas Poher Rasmussen sobre um refugiado do Afeganistão chamado Amin Nawabi.
Filme internacional
Indicados: Compartimento nº 6 (Finlândia), Drive my Car (Japão), A Mão de Deus (Itália), Um Herói (Irã) e Madres Paralelas (Espanha)
Como apenas A Mão de Deus foi lançado no Brasil, me abstenho de votar. Algo me diz que o prêmio irá para Madres Paralelas, como uma espécie de desagravo: o mais recente filme de Pedro Almodóvar não foi o escolhido para representar a Espanha no Oscar da categoria. Perdeu para O Bom Patrão, de Fernando León de Aranoa — que, vale dizer, está na lista dos 15 semifinalistas da Academia de Hollywood, assim como os outros quatro indicados do Globo de Ouro.