Dirigido por Steven Spielberg, Amor, Sublime Amor, que estreia nos cinemas brasileiros na quinta-feira (9), é o terceiro filme mais cotado ao Oscar conforme a centenária revista estadunidense Variety. Tick, Tick... Boom!, em cartaz na Netflix, aparece em oitavo lugar na mesma lista e lidera a corrida do Satellite Awards, entregue pela International Press Academy. Annette, já disponível na plataforma de streaming MUBI, valeu a Leos Carax o troféu de direção no Festival de Cannes e recentemente foi eleito o segundo melhor de 2021 pela prestigiada Cahiers du Cinèma, publicação francesa que completou cinco décadas em abril. Previsto para chegar ao país em 10 de março de 2022, Cyrano recebeu na última quinta-feira (2) três indicações à premiação da Associação de Críticos de Hollywood. Em um Bairro de Nova York, que pode ser visto na HBO Max, tem 94% de críticas positivas no site Rotten Tomatoes.
Além de serem destaques da temporada, os cinco filmes guardam duas coisas em comum: 1) são todos musicais; 2) portanto, provavelmente jamais serão assistidos pelo David Coimbra.
Em uma coluna de fevereiro de 2021, meu amigo e colega de GZH afirmou: "Eu não gosto de musicais. Aquela cantoria interrompendo a ação me aborrece". Para piorar, podemos encaixar quatro dos cinco títulos em outra categoria que não pega bem com o David, de acordo com o que escreveu em janeiro de 2020: "Às vezes não sinto desprezo absoluto quando assisto a um musical ou a um filme de amor. Às vezes é apenas um pouco de tédio". Mas, nesse mesmo texto, ele contou que foi ver Cats na Broadway e gostou.
Sendo assim, vou tentar convencê-lo a dar uma chance a essas obras.
Amor, Sublime Amor (2021)
Por um lado, parece fácil fazer o David se interessar: trata-se da nova versão de um clássico, tanto da Broadway quanto do cinema, e o colunista é um notório apreciador de clássicos. Com o título original de West Side Story, o musical estreou em 1957, com libreto de Arthur Laurents, música de Leonard Bernstein, letras de Stephen Sondheim e coreografia de Jerome Robbins. Inspirado em Romeu e Julieta, de William Shakespeare, retrata um romance em meio ao conflito entre duas gangues rivais nas ruas da Nova York dos anos 1950. O jovem Tony é ex-membro dos Jets, majoritariamente branca, e se apaixona por Maria, irmã de Bernardo, o líder dos Sharks, que são porto-riquenhos. A primeira adaptação cinematográfica, lançada em 1961 por Robert Wise e Jerome Robbins, ganhou 10 Oscar, incluindo melhor filme, direção e atriz coadjuvante — Rita Moreno, que participa da refilmagem, protagonizada por Ansel Elgort (de Em Ritmo de Fuga e O Pintassilgo) e a estreante Rachel Zegler. O problema do novo Amor, Sublime Amor em relação ao David é que foi dirigido por Steven Spielberg, e o David não colocou nenhum filme do cineasta na sua lista dos 30 melhores da história. Nem E.T. (1982), nem A Lista de Schindler (1993), nem O Resgate do Soldado Ryan (1998). (Estreia nos cinemas em 9/12)
Em um Bairro de Nova York (2021)
Talvez seja mais tranquilo persuadir meu amigo a ver o filme do diretor Jon M. Chu que adapta um musical da Broadway concebido por Lin-Manuel Miranda (o mesmo de Hamilton) e Quiara Alegría Hudes, chamado originalmente de In The Heights. Como o nome brasileiro diz, é outra história ambientada em Nova York — e também é outra história que envolve a comunidade latino-americana da cidade dos EUA. Acho que pode funcionar com o David porque ele, o David, é um sujeito que preza a alegria, que defende o otimismo, que enaltece a beleza. Pois bem: é muito gostoso, vibrante e colorido passar quase duas horas e meia na companhia de personagens como o dominicano Usnavi (Anthony Ramos), a manicure Vanessa (Melissa Barrera) e a Abuela Claudia (Olga Merediz). É capaz de o David sair cantarolando e até arriscando alguns passos de dança. (HBO Max)
Tick, Tick... Boom! (2021)
Lin-Manuel Miranda é o diretor deste filme que tem dois trunfos para seduzir o David. Primeiro, é de caráter biográfico. Baseia-se no musical homônimo de Jonathan Larson, interpretado no filme por Andrew Garfield, o segundo Homem-Aranha do cinema. Depois, vem a originalidade do recorte: Tick, Tick... Boom! é sobre o processo criativo do compositor de um dos maiores sucessos da Broadway, Rent (1994), mas o filme se concentra na história de seu maior fracasso, Superbia, que nunca chegou a estrear. (Netflix)
Cyrano (2021)
É mais um musical que pode merecer uma chance por ser inspirado em um clássico, a peça de teatro escrita em 1897 pelo francês Edmond Ronstand sobre Cyrano de Bergerac. Trata-se de um herói que combate a covardia e a estupidez, mas que, por causa da aparência física, se sente impotente para conquistar a jovem Roxane. Assim, ele acaba ajudando outro homem, o bem menos letrado Christian, a cortejar a moça. O novo filme foi dirigido pelo inglês Joe Wright, que tem tradição em adaptações da literatura: já fez Orgulho e Preconceito (2005), Desejo e Reparação (2007), Anna Karenina (2012) e o famigerado A Mulher na Janela (2021), por exemplo, além de O Destino de uma Nação (2017), que deu o Oscar de melhor ator a Gary Oldman no papel de um dos personagens históricos preferidos do David, Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico durante a Segunda Guerra Mundial.
Mas meu amigo é imune a um dos principais atrativos do filme: a presença do ator Peter Dinklage como protagonista. É que o colunista já admitiu que não assistiu a Game of Thrones porque não gosta de obras com dragão. Se tivesse visto a série, tenho certeza de que teria ficado encantado pelo personagem de Dinklage em GoT, Tyrion Lannister, que é desprezado pela poderosa família por ser anão, que se apaixona por uma prostituta e que, nas horas em que não está bebendo, demonstra ser um craque nas maquinações políticas. (Estreia em 10/3)
Annette (2021)
Deixei para o fim porque, apesar de o elenco contar com Marion Cotillard — Oscar de melhor atriz por Piaf: Um Hino ao Amor (2007) —, este é o título mais improvável de ser assistido pelo David. Para começar, durante os créditos iniciais o cineasta francês Leos Carax, que adquiriu aura de cult graças a obras como Sangue Ruim (1986), Os Amantes da Pont-Neuf (1991) e Holy Motors (2012), pede, uma narração em off, para o público ficar quieto, prender a respiração e refletir sobre o que está vendo. Ou seja, é um musical declaradamente artificial, e, para desgosto do David, totalmente cantado e rimado — mesmo quando os personagens estão em uma cena de sexo —, além de ser longo (são duas horas e 20 minutos).
Também é uma história de amor, ainda que marcada pelo signo da tragédia e pela crítica satírica à futilidade da indústria do espetáculo: a do comediante Henry McHenry (interpretado por Adam Driver) e a da cantora lírica Ann (Marion Cotillard). O suprassumo do artificialismo é o nascimento da filha do casal, Annette, que não é uma criança, mas uma boneca, não muito diferente daquela da franquia de terror Annabelle. Daí por diante, o filme que operava mais em chave cômica passa a lidar com o tormento, o grotesco e a morbidez, mas sempre contrabalançando com elementos paródicos. Até que ao final ganha contornos definitivamente dramáticos. É bom? Eu gostei? Não sei dizer. Certo que é ousado, por vezes genial, em outras maçante ou mesmo enervante. É uma obra-prima arrebatadora ou um desastre pretensioso, depende do ponto de vista do espectador. Taí, essa polarização pode acabar convencendo o David a ver Annette. (MUBI)