Em cartaz a partir desta quinta-feira (9) nos cinemas, Amor, Sublime Amor (West Side Story, 2021) pode desagradar gregos e troianos — ou Jets e Sharks, para ficarmos no território do célebre espetáculo da Broadway em que se baseia o 33º filme de Steven Spielberg, um Romeu e Julieta transposto da Verona do século 16 para a Nova York dos anos 1950.
Quem procurar um musical vibrante, com coreografias criativas, pode ficar desapontado — em dado momento, a dança até desaparece em nome da abordagem mais realista empregada pelo cineasta. Vide as cenas de confronto entre as duas gangues rivais: se na primeira versão cinematográfica havia balé, simulação e certa delicadeza, agora a violência física cobre de hematomas e sangue o rosto dos personagens.
Quem for ao cinema atraído pelo romance proibido entre Maria, a irmã do líder dos Sharks, bando formado por imigrantes de Porto Rico, e Tony, ligado aos Jets, que representam os brancos xenófobos e sem perspectivas — são "os últimos caucasianos fracassados", nas palavras do policial Schrank (interpretado por Corey Stoll) —, também corre o risco de se decepcionar. A despeito dos esforços dramáticos e das notas altíssimas alcançadas pela estreante Rachel Zegler, o casal não tem química. Não nos flagramos torcendo pela união dos dois jovens.
A culpa pode ser repartida entre o dramaturgo e roteirista Tony Kushner, premiado com o Pulitzer em 1993 pela peça Angels in America e indicado ao Oscar de script adaptado por dois filmes de Spielberg, Munique (2005, com Eric Roth) e Lincoln (2012), e o ator Ansel Egort, de Em Ritmo de Fuga (2017) e O Pintassilgo (2019). O primeiro criou um passado antipático para o outrora pacífico e esperançoso Romeu nova-iorquino: acaba de sair da prisão por ter quase matado um porto-riquenho. O segundo parece estar sempre enfarado, e sua fala meio monótona, meio empolada emudece diante da energia e da expressividade de seu par e de seus coadjuvantes. Chegam a ser desequilibrados os duelos verbais com Riff, o líder dos Jets interpretado com fogo nos olhos e malícia no sorriso por Mike Faist, um ator egresso da Broadway, a avenida de Nova York que concentra mais de 40 teatros e onde nasceu, em 1957, Amor, Sublime Amor.
Com libreto de Arthur Laurents, música de Leonard Bernstein e coreografia de Jerome Robbins, o espetáculo marcou a estreia do letrista (e depois também compositor) estadunidense Stephen Sondheim. Morto em 26 de novembro, aos 91 anos, ele era o recordista de conquistas no Tony, o principal prêmio do teatro nos Estados Unidos, graças a obras como Company (1970), Sweeney Todd (1979) e Into the Woods (1987). A primeira adaptação cinematográfica de West Side Story, lançada em 1961, ganhou 10 Oscar, incluindo melhor filme, direção (Robert Wise e Jerome Robbins) e atriz coadjuvante — Rita Moreno, a Anita, que participa da refilmagem fazendo o papel de Valentina, uma reimaginação de Doc, o dono da loja onde Tony trabalha.
Amor, Sublime Amor é o primeiro musical na carreira de Spielberg, que comemora 75 anos em 18 de dezembro, e pode, mais uma vez, levá-lo ao Oscar, a julgar pela recepção da crítica estadunidense e pelas projeções da centenária revista Variety. Ele já ganhou três estatuetas da Academia de Hollywood — melhor filme e melhor diretor por A Lista de Schindler (1993) e direção por O Resgate do Soldado Ryan (1998) — e recebeu outras 14 indicações, três vezes em dobradinha como realizador e produtor: E.T. (1982), Munique (2005) e Lincoln (2012).
Para além da assiduidade de Spielberg no Oscar e de West Side Story no imaginário popular — desde o clássico estalar de dedos dos Jets, na abertura, até o dueto Somewhere, já regravado por artistas como as Supremes, Barbra Streisand, Phil Collins e Pet Shop Boys —, fatores político-culturais contribuem para a badalação em torno do filme. A atualização não se limita aos novos arranjos trazidos pelo músico David Newman para a orquestra conduzida pelo maestro venezuelano Gustavo Dudamel. Ou à proposta estética do diretor de fotografia polonês Janusz Kaminski, vencedor do Oscar por A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan e indicado ao prêmio por outras quatro parcerias com o cineasta, que imprimiu um tom mais melancólico às imagens — ao mesmo passo que os Jets foram vestidos pelo figurinista Paul Tazewell em tons de azul tristonho que contrastam com as cores quentes (amarelos e vermelhos) dos Sharks.
Ciente de que está falando, cantando e eventualmente dançando para as plateias atuais, o Amor, Sublime Amor de Spielberg enfatiza questões como racismo (logo no início, os Jets vandalizam uma bandeira de Porto Rico pintada em uma parede), assimilação/resistência cultural e gentrificação — o design de produção assinado por Adam Stockhausen, contumaz colaborador do diretor Wes Anderson, valoriza as ruínas dos quarteirões que foram demolidos na década de 1950, desalojando comunidades, para a construção do Lincoln Center, um complexo de prédios que abrigam instituições como a filarmônica nova-iorquina, a escola de música Juilliard e as companhias Metropolitan Opera e New York City Ballet. Até a cena em que há uma ameaça de estupro é mais brutal, dado que hoje a violência sexual contra as mulheres é um tema candente.
A grande mudança quanto ao Amor, Sublime Amor clássico é a representatividade. Em 1961, Rita Moreno era a única porto-riquenha no elenco principal. Jose De Vega, que encarnou Chino, tinha origem argentina. Os demais personagens latinos foram vividos pelos estadunidenses Natalie Wood (Maria), descendente de russos, e George Chakiris (Bernardo, o líder dos Sharks), filho de imigrantes gregos. Com exceção de Wood, todos foram obrigados a usar uma maquiagem que escurecia e padronizava o tom de pele — como se todas as pessoas de Porto Rico fossem pardas e todas tivessem a mesma cor.
Agora, o sobrenome de Rachel Zegler dá pista de que o pai é polonês, mas pelo menos ela tem uma mãe de origem colombiana. Intérprete de Bernardo, David Alvarez nasceu no Canadá, só que seus pais são cubanos. Filha de um imigrante de Porto Rico, Ariana DeBose faz Anita, cujo papel inclusive mereceu mais destaque no roteiro de Tony Kushner. Chino é encarnado por Josh Andrés Rivera, que no seu perfil no Instagram celebrou a "herança porto-riquenha" quando os atores de Amor, Sublime Amor foram anunciados.
Essa composição de elenco é uma importante e adequada ruptura em relação ao filme de 1961, assim como é significativo que os personagens latinos tenham falas em espanhol sem legendas (a exemplo de uma montagem bilíngue do musical encenada na Broadway em 2009 por Lin-Manuel Miranda, então futuro criador do fenômeno Hamilton). Também é simbólico de uma retratação cultural que os primeiros versos cantados não sejam os de Stephen Sondheim, mas os de La Borinqueña, o hino nacional de Porto Rico. E Amor, Sublime Amor é contemporâneo quando se trata de identidade de gênero: Anybodys, aspirante à gangue dos Jets que originalmente era descrito como uma tomboy, grosso modo uma garota com comportamento de garoto, aqui ganha interpretação de um artista não binário, Iris Menas.
Mas, por si só, comprometimento social não torna um filme sublime. Parece faltar a Spielberg o amor pelos musicais — não é à toa que somente às vésperas dos 75 anos foi estrear no gênero, depois de experimentar o suspense, a ficção científica, a aventura infantil, o drama histórico, as adaptações da literatura, a cinebiografia e até a comédia. Ironicamente, um diretor de nome tão associado à fantasia talvez tenha se concentrado demais na parte séria de Amor, Sublime Amor.
E dava para produzir um musical que veio da Broadway, que foca na comunidade latina de Nova York, que tem elenco representativo, que conta uma história de amor e que mistura alegrias com agruras. Aliás, saiu um assim neste mesmo ano de 2021: Em um Bairro de Nova York, disponível na plataforma de streaming HBO Max.
Com direção de Jon M. Chu, é a versão de um espetáculo concebido por Lin-Manuel Miranda e Quiara Alegría Hudes. Enquanto joga luz sobre a diversidade étnica dos Estados Unidos, usando o rap, o hip-hop, a salsa e o merengue para falar de perrengues dos imigrantes — preconceito, subemprego, gentrificação, assimilação cultural, processo de legalização etc —, o filme oferece aquilo que Spielberg ficou devendo: coreografias empolgantes e fascinantes, números musicais que nos surpreendem e nos arrebatam ao aproveitar elementos do cenário — a tampa de um bueiro na rua, as unhas das clientes em um salão de beleza — ou investir nas técnicas de ilusão cinematográfica e nos efeitos visuais (vide a cena da piscina pública, que espalha dezenas e dezenas de dançarinos, ou o momento em que um casal começa a dançar sobre a parede e as janelas de um edifício). E o diretor Chu faz tudo isso em menos tempo (141 minutos) do que Steven Spielberg (157 minutos), que a certa altura parece ter esquecido que estava fazendo um musical.