Quando o presidente Jair Bolsonaro e alguns de seus ministros dizem ou fazem "coisas bombásticas", soa o telefone de Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, especializada em investimento em infraestrutura. Ele é um dos brasileiros consultados por grandes grupos e fundos internacionais que avaliam projetos no país. Há pouco mais de uma semana, o telefone de Frischtak soa como nunca, depois do pé na porta da Petrobras dado pelo presidente Jair Bolsonaro. Os anúncios de privatização da Eletrobras e dos Correios que se seguiram, avalia Frischtak, foram uma tentativa de compensação que só será bem-sucedida se o governo resolver o que chama de "falhas grosseiras no âmbito sanitário". Nesta entrevista, explica a relação entre vacinação e privatização da Eletrobras, elogia um dos secretários do Ministério da Economia e tenta projetar o futuro da Petrobras.
Intervenção na Petrobras e privatização de Eletrobras e Correios fazem uma boa combinação?
Há uma série de obstáculos para o investimento no Brasil: insegurança jurídica, imprevisibilidade regulatória e financiamento. Nas estatais que dependem do Tesouro, existe problema porque a situação fiscal é extremamente frágil. Nas que não dependem, há risco de populismo tarifário, exacerbado pela fala e pelas ações de Jair Bolsonaro. O que foi dito e feito pelo presidente conspira contra a segurança jurídica, a previsibilidade regulatória e as condições de financiamento.
Quais são os impactos práticos dessa intervenção?
Quando há muito ruído, os investidores exigem um prêmio (cobram mais para financiar e pagam menos ao comprar ativos). A situação só não é pior porque há muita liquidez global (grande volume de dinheiro circulando, graças aos pacotes de estímulo dos países ricos), a inflação ainda está razoavelmente controlada e temos um Banco Central com grande credibilidade. São os motivos pelos quais a situação não degringolou. O Brasil se tornou menos atraente em anos recentes, tanto pelo desastre do governo Dilma quanto pelo neopopulismo que observamos. A imagem do país está muito deteriorada lá fora, até mais do que seria esperado. O presidente e dois ministros, os de Relações Exteriores e Meio Ambiente, são desastres ambulantes. As bobagens do presidente podem ser creditadas ao estilão populista, mas o que é feito no Itamaraty é inaceitável. Só quando disse que está bem o Brasil ser pária (em outubro passado, na formatura de futuros diplomatas), recebi 10 telefonemas de investidores do Exterior.
O Brasil se isola de propósito ao criticar vacinas e professar terraplanismo. Obriga a explicar o inexplicável.
O grau de atenção é tão detalhado?
Sim, até porque há um número muito grande dessas frases bombásticas, como a de "passar a boiada". A gente tem de a explicar, dizer que não é bem assim, atribuir ao calor do momento. O que as pessoas dizem têm consequências. O que está acontecendo no Ministério das Relações Exteriores é algo sem precedentes no Itamaraty. Houve momentos em que o alinhamento não era ideal, mas agora embute teorias da conspiração. O Brasil se isola de propósito ao criticar vacinas e professar terraplanismo. Obriga a explicar o inexplicável.
Quantos telefonemas houve com a Petrobras?
Não deu nem para contar. Temos um presidente que não tem estatura para o cargo. Falou e agiu sem ouvir os ministros mais relevantes, o da Economia e o de Minas e Energia. Não calculou o impacto. O objetivo era agradar parte da base eleitoral, os caminhoneiros. Para isso, acha que vale a pena rifar o presidente da Petrobras. Meteu pé na porta para manter a base leal a ele. Talvez pense que vai necessitar para um locaute como o de 2018 se perder a eleição em 2022. Mas talvez tenha subestimado a reação da sociedade, e tomou um susto. Para compensar, teve de editar as medidas provisórias da Eletrobras e dos Correios, mesmo que a primeira só permita estudos do BNDES para modelagem e que a efetiva privatização dos Correios ainda esteja muito distante. Ele tem de dar sinais de que continua favorável à economia liberal porque entre suas bases significativas estão empresários e a classe média.
Viramos um país pária, e isso não foi absorvido pelo governo. Espero reversão, mas acho difícil.
Piorou a imagem do Brasil, que já não estava boa?
As consequências não são medidas ex-ante (termo em latim muito usado por economistas, que significa "antes do fato"). A reação foi muito ruim para uma imagem já muito desgastada. O presidente não tem hábito de viajar ao Exterior, nem antes da pandemia. Talvez não queira se expor, tem suas dificuldades, e os ministros de Relações Exteriores e Meio Ambiente não ajudam. Não veem o que realmente ocorre lá fora. É desastroso. É triste dizer, mas é verdade. O Brasil já teve momentos ruins no passado, o atraso do fim do escravagismo, a dubiedade de Getúlio Vargas em relação ao regime nazista, a tortura no governo Geisel. Mas por pior que tenha sido, talvez não tenha sido tão ruim nos últimos cem anos. Não tenho cem anos de idade, mas avalio olhando a história. Viramos um país pária, e isso não foi absorvido pelo governo. Espero reversão, mas acho difícil.
Há chance de a Eletrobras ser de fato privatizada neste ano?
Ou sai neste ano, ou não sai, porque no próximo ano, que é eleitoral, a tensão vai crescer. E este é um ano curto. Quem fez a previsão é um dos melhores quadros do Ministério da Economia, o Diogo Mac Cord (substituto de Salim Mattar na Secretaria de Desestatização) que trabalha dia e noite. Mas não se sabe. O que o governo fez foi tentar compensar as maiores oposições à capitalização, de Minas Gerais, de Norte e Nordeste. Se será suficiente ou não, não sei. Agora tudo depende do Congresso, não do Ministério de Minas e Energia. E de como estará o governo nos próximos três ou quatro meses. Se a pandemia não for debelada, estará mais frágil. Se ainda estiver com esse flanco enorme aberto na saúde, que atinge diretamente a vida das pessoas, será mais difícil. Você vai perguntar qual a relação da privatização da Eletrobras com a vacinação e já respondo: toda. Aprovar essa MP vai precisar de força política. E a vontade política do presidente em relação à privatização não é própria, ele faz empurrado, basta olhar sua história de quase 30 anos como deputado. Disse que o Fernando Henrique deveria ser fuzilado por privatizar a Vale. Então, vai depender de quanto capital político vai querer gastar. Se esse capital estiver limitado por falhas sanitárias grosseiras, pode optar por gastá-lo de outra forma.
O general vai ter de lidar com três problemas: manter a diretoria, relacionar-se com o conselho desconfiado e provar a investidores que não vai dar uma de Dilma.
E o que se pode projetar no futuro da Petrobras?
É muito difícil prever depois desse custo político todo. Bolsonaro não vai querer trocar seis por meia dúzia. Obviamente não está nomeando Silva e Luna porque o Castello Branco está em home office (o presidente disse que o executivo não trabalhava há 11 meses). Imagina que Silva e Luna terá posição mais flexível. O general vai ter de lidar com três problemas: manter a diretoria, relacionar-se com o conselho desconfiado e provar aos investidores que não vai dar uma de Dilma e voltar ao controle de preços. E se o petróleo for a US$ 80, e a Petrobras voltar a acumular prejuízos? E se os caminhoneiros ameaçarem greve de novo, quem ganha essa queda de braço? O mais provável é um meio termo, que defina preços em uma média móvel de três meses, por exemplo. Teria custo, mas os investidores talvez consigam entender.