Na quinta-feira, dia do anúncio dos reajustes de 10% na gasolina e de 15% no diesel, a Fundação Getulio Vargas (FGV) também comunicou o resultado da segunda prévia de fevereiro de um de seus índices de preços, o IGP-M. Ao contrário de outros indicadores em que o termo não é muito preciso – como o IBC-Br do Banco Central, chamado de "prévia do PIB", mas com universo e metodologia diferentes –, as antecipações mensais do IGP-M seguem as regras do indicador mensal definitivo. Só muda o período de pesquisa, realizada de 10 em 10 dias. E o resultado antecipado de fevereiro bateu em 28,64%. Foi o maior desde junho de 2003, que havia sido de 28,68%, diferença de 0,04 ponto percentual. Na época, era o resultado da maxidesvalorização decorrente da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência, em novembro de 2002. Ao entrevistar André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da FGV, a coluna começou com a pergunta que está na cabeça de todo consumidor brasileiro.
Aonde os preços vão parar?
Também quero saber. O IGP-M é muito sensível ao câmbio, o indicador com mais peso é o de preços ao produtor, que responde por 60% do total. Isso significa que agronegócio e indústria foram afetados pela alta no preço das matérias-primas. Na indústria, pesaram minério de ferro, cobre e alumínio. Na agricultura, soja, milho e trigo. Todos são matérias-primas para vários segmentos. O trigo, para pão, biscoitos, macarrão. A soja, para óleo e rações, e o milho bate direto nas aves, tanto que se diz que frango é milho com asas. O ferro elevou o preço do aço, dos carros, dos eletrodomésticos. O alumínio pressionou as latas e o cobre, fiação e cabos. Mesmo que a alimentação suba menos neste ano, o que subir engrossa esse caldo, faz inflação ficar mais diversificada e gera desafio maior.
Os reajustes dos combustíveis vão piorar a situação?
O aumento do petróleo está relacionado à perspectiva de reaquecimento da economia no mundo, à frente do nosso país em vacinação. E não impacta só o preço dos combustíveis, mas o custo da indústria química, de adubos, fertilizantes, além de plásticos e até roupas. Ainda que no Brasil o agronegócio vá muito bem, vai sofrer pressão de custo.
Quando a gente compra tomate no supermercado, uma fração do preço é do diesel queimado para levar o produto até lá.
O que pode ocorrer?
Agora, vai depender do que vai ocorrer com o preço do diesel (o combustível subiu 15% nas refinarias, mas deve ter isenção de PIS-Cofins a partir de 1ª de março). Quando sobe, eleva o custo do transporte público e do frete. Quando a gente compra tomate no supermercado, uma fração do preço é do diesel queimado para levar o produto até lá. São efeitos que nem se consegue medir direito, porque existem os diretos e os indiretos. O aumento da gasolina na bomba não deve ser o mesmo da refinaria. Geralmente, um terço do reajuste chega aos postos. A projeção é de que suba 3% ao consumidor.
A inflação, que já estava pressionada pelos alimentos, vai se espalhar?
Todo o Brasil vai perceber a inflação dos combustíveis. A gasolina pesa mais de 4% no IPCA (índice de inflação usado pelo Banco Central para monitorar – e frear com elevação de juro – a alta de preços). Cada ponto percentual de aumento eleva o IPCA em 0,04 ponto percentual. Vai haver grande impacto da gasolina no índice oficial, que mede o consumo de famílias que recebem de um a 40 salários mínimos. Pesa no custo de vida dessas famílias, embora quem tem carro tenha mais defesa do processo inflacionário. Em 2020, a gasolina foi âncora para a inflação. O IPCA só fechou em 4,5% (pouco acima do centro da meta de 4% do BC), porque houve repique de energia (com a adoção da bandeira vermelha nas contas de luz). Mas como os preços de gasolina e diesel caíram, ajudaram a segurar a inflação. A inflação de 2021 não deve ser maior do que a de 2020, mas ficará acima do centro da meta, que é de 3,75% neste ano. Essa é minha estimativa, não da FGV. A pressão da inflação vai se espalhar mais do que no ano passado, quando foi concentrada em alimentos. Neste ano, vai continuar afetando a comida, porque os preços das commodities seguem subindo, embora menos do que no ano passado. Mas vamos ver a chegada da inflação de preços administrados puxando os índices no início do ano.
Ainda que o BC aumente o juro agora, não vai provocar mudança rápida na inflação. Só se colhe o resultado em nove meses.
Vai exigir que o BC aumente o juro para segurar a inflação?
Já ocorre uma grande discussão sobre quando começa o aumento da Selic, se março ou maio. A cada resultado que se colhe da inflação, fica mais claro que pode ocorrer em março, e a gasolina vai dar uma força para isso. Ainda que o BC aumente o juro agora, não vai provocar mudança rápida na inflação. Só se colhe o resultado em nove meses. A mensagem seria reforçar o compromisso da autoridade monetária com o controle da inflação. Seria comunicar "vi espalhamento e vou subir juro" (no ano passado, o argumento do BC de que a inflação estava restrita aos alimentos foi usado para justificar a manutenção do juro em 2% ao ano).
Mesmo diante do risco de o Brasil voltar à recessão, já que se projeta queda do PIB no primeiro trimestre, com risco de se estender para o segundo, dado o atraso na vacinação?Esse é um grande desafio. O que a gente deveria fazer é cuidar da política monetária e fiscal. Temos uma dívida que não para de subir, o que gera maior nível de incerteza e afasta investidores. E a elevação no juro pode dar tiro no pé na tentativa de alavancar a atividade. Seria preciso se comprometer com metas factíveis no médio prazo, fazer as reformas que diminuem o peso da estrutura do Estado, algo que convença os agentes econômicos de que pode ser feito. Se for muito difícil de ser alcançado, não terá credibilidade. Mas é possível se comprometer com a redução da dívida pública no médio e longo prazo sem negligenciar o auxílio emergencial. O posicionamento do governo importa para os agentes econômicos se sentirem mais seguros, assim como recuperar a credibilidade do país, encarando vacinação de frente.