O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
No ano inicial da pandemia, comércio e serviços tiveram comportamentos diferentes no país. Enquanto o primeiro cresceu 1,2% em 2020, o segundo desabou 7,8%, indicou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para avaliar o cenário dos dois setores, a coluna conversou com o economista Fabio Bentes, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Na visão de Bentes, os negócios devem ser estimulados com a volta "responsável" do auxílio emergencial em 2021. Veja os principais trechos da entrevista.
As vendas do comércio cresceram 1,2% em 2020, mas perderam fôlego na reta final do ano. Como analisa o cenário para o setor?
O comércio está bem se comparado ao setor de serviços. No segundo trimestre de 2020, ninguém esperava que o comércio fechasse o ano no azul. Apesar de toda a falta de coordenação, o governo tomou algumas medidas importantes. Falamos muito do auxílio emergencial, que deve ser retomado a partir de março, com formato diferente. O benefício ajudou a recompor parte da renda, principalmente dos trabalhadores informais.
Também tivemos medidas que ajudaram o comerciante, como autorização para suspensão de contratos de trabalho e adaptação de jornada. A folha de pagamento pesa para o setor. A gravata foi afrouxada para o empresário, auxiliando na preservação de empregos. O comércio, dentro do possível, foi muito bem. Fechar o ano no azul é um resultado a ser comemorado.
E qual é o cenário para 2021, em meio a incertezas geradas pela pandemia?
2020 ainda não acabou. Nem para comércio, nem para serviços. Esse é o ponto. Continuamos com problemas de 2020 em 2021. Mas acredito que será um ano de crescimento, porque houve compressão da base de comparação. Algo que veio para ficar é o comércio eletrônico, que cresceu 37% no ano passado, em termos reais. É um resultado espetacular. Foi uma válvula de escape.
Ao contrário do comércio, o setor de serviços fechou o ano passado no vermelho. Qual é o horizonte para 2021?
O setor de serviços foi muito mal. Um dos motivos que o impediram de ir bem é que a geração de receitas não é feita via internet como no comércio. Um salão de beleza precisa dos clientes no estabelecimento. Então, o cenário é mais complicado.
Ao ficarem mais tempo em casa, as pessoas gastaram mais nos supermercados, e menos nos restaurantes. Além disso, dentro de serviços, o turismo não é movimentado como antes. O cenário está sujeito à vacinação. O setor de serviços vai ter um ano mais complicado do que os demais. A agropecuária está muito bem, parece que não teve crise. A indústria patina, mas registra algum crescimento.
O governo federal sinalizou retomada do auxílio emergencial com formato mais enxuto. Como a volta do programa pode impactar a economia?
O auxílio emergencial é muito importante para o consumo das famílias, seja o consumo de bens ou serviços. O benefício propiciou recuperação do comércio. Mas, claro, não vamos só puxar a brasa para nossa sardinha. Entendo que as contas públicas estão em frangalhos. Isso é resultado de uma série de erros dos últimos anos.
Na economia, não existe ação sem efeito colateral. Se o auxílio for retomado, vai ter gente falando que o benefício vai sacrificar as contas públicas. Ou vai dizer que a inflação está mais alta por causa dele (o programa aqueceu a demanda por alimentos e pressionou preços em 2020). Acho que a inflação mais alta é o menor dos males.
Por quê?
Sem o auxílio emergencial, a economia pode entrar em estado de estagnação ou até de retração. Aí você deixa de ter os gastos do governo de um lado, e a economia travada reduz o nível de impostos recolhidos. Para não ficarmos perdidos na tempestade, temos de fazer um programa responsável de concessão de benefício, ainda que temporário. Não é dar auxílio por dois anos. Não estamos na Noruega, nem na Suécia. É dar o benefício por três meses e, se for o caso, reavaliamos o assunto depois. Sempre há um efeito colateral.
A gente vai precisar dessa medida, assim como vai precisar da suspensão de contratos de trabalho. Sem isso, chega uma hora em que o empresário não aguenta e joga a toalha. Assim, o estrago é maior para todo mundo. Perde o empregado, perde o governo, perde o país. Não estamos fazendo esforço para turbinar o PIB. Não é isso. Estamos tomando ações para minimizar perdas. A parte mais comovente da história é que existem pessoas que precisam do auxílio. Que a gente aprenda a lição de controlar as contas no momento de vacas gordas.