Com passagens pela diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC) e pela área de economia do banco suíço UBS, Tony Volpon foi um dos profissionais da área de investimentos que mudou de posto no ano da pandemia. A combinação de mudanças promovidas pelo próprio BC (como Pix e open banking) e a redução na taxa de juro movimentaram o segmento de alocação de recursos. Volpon passou a ser estrategista-chefe da Wealth High Governance (WHG), uma gestora de fortunas a partir de R$ 20 milhões criada por ex-executivos de outro banco suíço, o Credit Suisse, em parceria com a XP Investimentos. Na entrevista, Volpon considera inevitável a volta do auxílio emergencial, mas cobra atenção da atual diretoria do BC em relação à inflação.
A taxa de juro deve chegar mesmo a 4% em 2021?
É um bom número. Ainda representa juro zero em termos reais, descontada a inflação. Mesmo assim, que a postura atual do BC está errada, diante da inflação. Como há perspectiva de retomada bastante forte, não há mais razão pela qual devamos ter taxa de juro negativa de cerca de 2% com inflação ao redor de 3,5% a 4%. O ajuste gradual deve começar em março. A taxa básica entre 4% e 4,5% ainda é estimulativa, como deveria ser, isso não se discute. Em 2020, quando não tinha vacina e estávamos no escuro por dois anos, havia projeção de queda do PIB de 9% a 10% e a inflação poderia fechar abaixo do piso da meta, fazia sentido. Mas a inflação acabou fechando acima da meta, a queda do PIB deve ser de 4%, o que é ruim, mas não tão catastrófico, não faz mais sentido. O BC tem de olhar à frente, não para trás.
Ainda é cedo para definir o tamanho, mas deve ser uma queda leve (neste primeiro trimestre do PIB), mais porque ainda não estamos em plena lógica de abertura ainda. Para isso, seria preciso ter um horizonte claro sobre a vacinação.
Está consolida a projeção de que o PIB voltará a cair no primeiro trimestre de 2021, ao redor de 0,5%?
A queda na atividade deve ocorrer pelo o fim do auxílio emergencial combinado à segunda onda da covid-19. Ainda é cedo para definir o tamanho, mas deve ser uma queda leve, porque ainda não estamos em plena lógica de abertura ainda. Para isso, seria preciso ter um horizonte claro sobre a vacinação. Como houve atraso, ainda estamos caminhando para isso. Em março, teremos um cenário mais concreto. É preciso observar que, em março, Estados Unidos e outros países estarão com o processo de vacinação já bem avançado, com efeitos palpáveis nas métricas da pandemia e também da economia. É por isso que o mercado está precificando efeito positivo no Brasil.
Os juros podem começar a subir no Exterior, pressionando a aceleração da alta no Brasil?
Não vejo esse risco, por enquanto. Os EUA são um bicho estranho, único. Como tem moeda usada como reserva, pode adotar medidas monetárias e fiscais que os demais não podem, especialmente os que têm problema fiscal crônico. O Brasil gastou feito gente grande no ano passado. Teve gasto de país de primeiro mundo. Infelizmente, há limite, não somos os EUA. O Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA) tem sinalizado que só deve elevar o juro quando a inflação ficar acima de 2%. Antes, subia quando projetava que poderia chegar a lá. O grande debate no mercado é se o Fed de fato vai fazer isso, ou não, quando a economia voltar a crescer em ritmo forte. O mercado trabalhava com alta de juro no Brasil no segundo semestre, muitos, como eu, passaram a prever para março, outros para maio, mas na primeira metade do ano. Nos EUA, talvez suba em 2022, ou 2023, mas não em 2021.
A inflação de bens deve se acalmar, a discussão é se será de forma rápida ou não. Uma pequena apreciação do real seria muito boa para isso nesse momento.
Qual o risco de a inflação ao produtor, que bateu em 20% em 2020, ser repassada ao consumidor?
A inflação tem pedaços. Um entrou no forno, outro ficou no congelador. Os bens agrícolas que o Brasil produz, chegaram a subir 40% no último ano, pela combinação da demanda interna aquecida pelo auxílio emergencial, que segurou a queda na renda, com o forte aumento na demanda global, decorrente da recuperação da economia chinesa. Em recessão padrão, costuma haver queda no preço das commodities. E quando o preço das matérias-primas básicas sobe, a moeda dos países produtores costuma se valorizar. Nada disso ocorreu. Todos os países emergentes tiveram desvalorização. O Brasil teve uma das maiores quedas, com Argentina e Turquia, que estão em crise por não ter reservas internacionais. Só que o Brasil tem mais de US$ 300 bilhões em reservas. Aqui, o real caiu pelo problema fiscal e pelo juro negativo. Isso contribuiu para elevar a inflação dos bens. Deve se acalmar, a discussão é se será de forma rápida ou não. Uma pequena apreciação do real seria muito boa nesse momento. O câmbio está desancorado. Então, não é nada para se assustar nem panicar, mas o BC tem de reconhecer a necessidade de mudar a política. Se der essa contribuição, valoriza o câmbio e desaquece os IGPs.
Qual foi o papel da política de juro baixo e dólar alto defendida publicamente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes?
Sou da filosofia de que os assuntos câmbio e juro deveriam ser comentados somente pelo BC. Não deveriam ser abordados pelo ministro da Economia para não gerar ruído. É difícil evitar que o investidor pense 'se o Guedes acha que dólar alto é bom, vou comprar dólar'. É uma possível consequência. Ele pode até estar certo, mas eu dizer isso é uma coisa, o ministro da Economia, é outra. Tudo o que o ministro fala tem peso diferente, e consequências ocorrem. É por isso que não se deve falar muito nisso. Quem fala de juro e câmbio é o BC, que tem política de comunicação mais estruturadas para evitar esses riscos.
O Brasil cometeu o o erro de gastar muito e parar de gastar do dia para a noite.
Como compatibilizar a necessidade de renovação do auxílio emergencial com a exigência de manter o equilíbrio fiscal?
O Brasil cometeu o o erro de gastar muito e parar de gastar do dia para a noite. O orçamento de guerra foi construído com data-limite, acabava em 31 de dezembro. Presumia que a pandemia ia acabar e queria comunicar ao mercado que os gastos extras se restringiam ao ano. Isso parece um pouco naïf (ingênuo). Antes do final do ano, começou a discussão sobre como dar continuidade, dentro da limitação do teto de gastos, mas conversa não poderia avançar durante a eleição municipal, e o ano não começa até eleger os presidentes das casas legislativas. A solução ficou pendurada. Agora, será preciso fechar o orçamento (o deste ano ainda não foi aprovado no Congresso) e decidir o que fazer com auxílio emergencial, se será dentro ou fora do teto. Isso acabou se tornando fonte da incerteza fiscal todos esses meses. Idealmente, é bom continuar com algum auxílio, mas em outras bases.
Houve excesso de gastos com o auxílio em 2020?
A despesa ficou grande demais. Se houver continuidade desse gasto extrateto em 2021, tudo bem, desde que de fato haja medidas compensatórias nos próximos anos. O mercado sabe que isso vai acontecer. É preciso fazer um corte importante para chegar a ano eleitoral com o fiscal organizado. Talvez caiba o debate sobre a mudança na regra do teto de gastos, mas sou cético sobre a possibilidade de aprovar a reforma administrativa ainda neste ano, dada a complexidade do assunto. O parlamento deve fechar as portas de aprovações importantes em setembro ou outubro, por causa do calendário eleitoral, e em 2022 não se faz nada.
Há consenso político de que auxílio emergencial tem de voltar e deve ocorrer a aprovação de alguma versão da PEC Emergencial, para produzir alguma poupança. Mas há muita possibilidade de desidratar a PEC.
O que considera factível encaminhar neste ano?
A prioridade absoluta é o orçamento. Há consenso político de que o auxílio emergencial tem de voltar e deve ocorrer a aprovação de alguma versão da PEC Emergencial para produzir alguma poupança. Mas há muita possibilidade de desidratar a PEC. O mercado não é bobo, está esperando. O auxílio vai sair, deve ter uma conta ao redor de R$ 20 bilhões. Espera-se que se poupe quantia equivalente, não necessariamente 2021, mas também em 2022. E é preciso lembrar que a alta da inflação de 2020 vai criar um teto maior em 2022, porque a conta é feita de julho a junho do ano anterior. O surto de inflação não vai esticar o teto neste ano, mas em 2022, então pode-se usar essa folga para o gasto de 2021. Mas isso tem de ser colocado em lei.