Apesar de ser a maior desde setembro de 2003, a inflação "oficial", medida pelo IPCA, ainda não assusta à primeira vista. A alta de 0,64% no mês passado, porém, é quase três vezes maior do que a de agosto.
E outros indicadores (veja quadro explicativo abaixo) seguem apontando que os preços ainda vão subir, como deve ocorrer em segmentos em que isso, há poucos meses, era considerado impensável, caso dos imóveis.
Divulgada no mesmo dia do IPCA, a primeira prévia do IGP-M, outro indicador de inflação, calculado pela Fundação Getulio Vargas, veio com alta mensal de 1,97% (acima do IPCA acumulado entre janeiro e setembro) e anual de inacreditáveis 19,45%. No período da que deve ser maior recessão da história do país, a forte pressão sobre os preços é sinal de que há algo de errado. Inflação é um fenômeno associado à expansão da economia, tanto que o remédio é a alta de juro, que desacelera esse movimento.
Existem até boas notícias no IGP-M. Um dos integrantes do que André Braz, coordenador do IPC do FGV Ibre, chama de "trio parada dura" (milho, soja e trigo), amoleceu: o milho, que havia disparado 13,49% no levantamento anterior, agora subiu "só" 5,08%. Outro vilão perdeu ruindade: o minério de ferro virou de alta de 20,08% para queda de 7,25%. Mas os aumentos acumulados nas matérias-primas já contagiam insumos do dia a dia: os materiais e equipamentos para construção aumentaram 3,22% no mês. Como em acidente de avião, se algo muito inesperado acontece, não é resultado de apenas um problema, mas da combinação de vários.
– É como uma tempestade perfeita, muitos componentes contribuíram para uma alta concentrada em comida, que afeta a maior parte da sociedade brasileira. Essa inflação é um problema social, porque os mais pobres têm mais dificuldade de comprar o básico, mas não é algo que possa abalar as bases da economia, porque não está espalhada – diz Braz.
Um dos problemas é que o indicador oficial, o IPCA, mede o aumento de preços para famílias com renda de até 40 salários mínimos. Na prática, não reflete a realidade da maioria da população brasileira. No Brasil de 2020, combinaram-se ainda a alta de demanda internacional por matérias-primas (de soja a minério de ferro), a forte desvalorização do real, o auxílio emergencial e até a dificuldade de gastos da classe média, como gasolina, cinema, teatro e viagens.
– A classe média economizou de forma forçada na pandemia, entesourou um pouco e conseguiu comprar fogão, geladeira, material de construção. Alguns trocaram de imóvel. Mas esse movimento não é sustentável. Não vai se transformar em crescimento com inflação.
Nos próximos meses, pondera Braz, apesar da queda pela metade no valor do auxílio emergencial, profissionais de prestação de serviços devem voltar a atuar e faturar, do arquiteto ao guardador de carros. Vão voltar a consumir e podem dar mais um impulso à inflação, admite.
– Mas será uma melhora no consumo marginal, discreta, porque nada indica que o desemprego vá cair rapidamente. Vamos avançar a passos de cágado. Até porque falta o ingrediente do investimento público, e a falta de estratégia para reverter esse cenário aumenta a incerteza que breca o investimento privado. Com esse freio de mão puxado, não tem como acelerar a atividade e estimular reajustes – afirma Braz.
Quais são os principais índices de inflação
IGPs: Índices Gerais de Preços, calculados pela Fundação Getulio Vargas. Têm três variações, IGP-M, IGP-DI e IGP-10, com diferença apenas no período de apuração. Cada um é composto por três subíndices: Índice de Preços no Atacado (IPA), com peso de 60%, Índice de Preços ao Consumidor (IPC), com peso de 30%, e Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), com peso de 10%.
IPCA: Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, calculado pelo IBGE, é considerado o índice oficial do Brasil porque serve de referência para o Banco Central. Mede a variação de preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e 40 salários mínimos.
INPC: Índice Nacional de Preços ao Consumidor, também do IBGE, mede avariação nos preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e oito salários mínimos. É a referência para negociações de reajustes salariais.
IPCs: Índices de Preços ao Consumidor calculados pela FGV, tem quatro variações, entre as quais a mais conhecida é o IPC-S.