Quando o gaúcho Paulo Uebel deixou a Secretaria de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, em agosto de 2020, evitou dizer em público o que admite agora nesta entrevista: percebeu que as reformas em que acreditava não iriam ocorrer. Na conversa com a coluna, confirmou e completou pontos que abordou em postagens imediatamente posteriores ao anúncio de demissão de Roberto Castello Branco da presidência da Petrobras: as semelhanças entre Bolsonaro e Dilma e entre Guido Mantega e Paulo Guedes. Faz questão de dizer que não são iguais de forma integral, mas agiram da mesma forma no episódio específico da intervenção na Petrobras.
O governo Bolsonaro nunca foi tão parecido com o governo Dilma como é hoje, como você postou?
Várias pessoas me questionaram sobre isso. Não acho os dois governos iguais. O governo Bolsonaro fez avanços substanciais em transformação digital, desburocratização, outras pautas que havia dito que faria. Mas nesse episódio concreto, eles se parecem. O governo do PT interferiu na gestão da Petrobras para controlar o preço dos combustíveis, e o presidente Bolsonaro também está fazendo isso na Petrobras. Só que os eleitores do presidente Bolsonaro queriam que ele agisse de forma diferente do PT, não igual. Então, entendo que não deveria ter feito essa ingerência na Petrobras, que está sendo bem gerida. O Roberto Castello Branco, muito profissional, muito correto, está cumprindo o mandato que o ministro Paulo Guedes e o presidente Bolsonaro haviam dado a ele, de ter gestão profissional, salvar a empresa, ter boa governança e gerar valor para todos os acionistas, que são todos os brasileiros. No momento em que a companhia dá lucro, distribui para acionistas. O maior é o governo federal, que recebe esses recursos e investe em educação, saúde, segurança, e beneficia todos os brasileiros. Isso é o que deveria ser feito.
A intervenção sem disfarces lhe surpreendeu?
Sim, achei muito negativo. Achei que o presidente poderia criticar, dizer que não concordava, mas respeitando a governança, a gestão da empresa, que é independente, tem um conselho de administração, outros acionistas minoritários, não é apenas do governo federal.
Guido Mantega silenciou quando houve intervenções na gestão do PT e desta vez, pelo menos em público, Paulo Guedes também silenciou. Fui informado de que ele mesmo ligou para o presidente Castello Branco pedindo que ele entregasse o cargo, que ele renunciasse.
Você também escreveu que Guido Mantega faria absolutamente o mesmo que Paulo Guedes está fazendo. É uma comparação entre Mantega e Guedes?
São muito diferentes. O ministro Paulo Guedes é muito mais qualificado. Mas nesse episódio concreto, na minha opinião, Guido Mantega silenciou quando houve intervenções na gestão do PT e desta vez, pelo menos em público, Paulo Guedes também silenciou. Fui informado de que ele mesmo ligou para o presidente Castello Branco pedindo que ele entregasse o cargo, que ele renunciasse. Roberto Castello Branco é amigo de 40 anos do ministro Paulo Guedes, pessoa extremamente séria, que entrou lá a pedido do Paulo Guedes e que está executando a missão que Paulo Guedes deu a ele. É muito ruim, nessa hora, sacrificar um profissional competente que estava fazendo o que é certo para a companhia e o país.
O que Guedes deveria ter feito, na sua avaliação?
Quando se está na área pública, há vários momentos em que pode demonstrar fidelidade ao líder, e isso tem um valor, para algumas pessoas, ou pode manter a fidelidade a princípios e valores. O ministro Paulo Guedes, há mais de 40 anos, sempre defendeu que as empresas estatais deveriam ser geridas de forma profissional, independente, sem interferência política. E justo agora, que está como ministro da Economia, e tem uma pessoa que é amigo dele, um profissional que é sério, íntegro, e está fazendo um excelente trabalho, deixa essa injustiça acontecer.
Entendi que o governo não ia fazer as reformas estruturais e cumprir o mandato popular que havia recebido nas urnas.
Quando você saiu do Ministério da Economia, não quis expor publicamente os motivos, mas foi para manter esses princípios e valores?
Sim, entendi que o governo não ia fazer as reformas estruturais e cumprir o mandato popular que havia recebido nas urnas.
Na sua avaliação, os últimos atos e declarações do presidente representam uma inflexão, um abandono dos compromissos com ajustes e reformas?
Se o presidente efetivamente continuar fazendo o que fez na Petrobras em outros setores, como foi anunciado na energia elétrica, será um ponto de inflexão muito ruim para o país. Vai haver consequências muito graves para a economia, o juro, o emprego, a inflação, o investimento estrangeiro e a credibilidade do país como um todo.
Na sua avaliação, há chance de convencer o presidente a mudar de ideia ainda?
Acredito que não vá voltar atrás.
Alguma reforma estrutural vai acontecer porque não há alternativa, precisa, porque a dívida pública é brutal. Agora, as privatizações, acho difícil avançarem.
Faz sentido, então, a permanência de Guedes, fiador da perspectiva de um governo liberal?
Acredito que o ministro Paulo Guedes acredita que ainda vai conseguir fazer algumas reformas estruturais e privatizações para continuar no cargo, embora o cenário seja cada vez mais complicado. Alguma reforma estrutural vai acontecer porque não há alternativa, precisa, porque a dívida pública é brutal. Agora, as privatizações, acho difícil avançarem, diante desse cenário do presidente Bolsonaro, que está mais preocupado com o curto prazo do que com o legado que pode deixar para o país.
Esse curto prazo seria a reeleição em 2022?
O custo do combustível agora versus o legado, a mudança estrutural que poderia haver se houvesse a privatização das refinarias que estava em andamento. Isso é muito mais importante para o país, em termos de legado, do que reduzir por seis meses, um ano, um percentual no valor dos combustíveis.
Esse movimento de trocar o presidente da Petrobras vai dificultar as privatizações de refinarias, se não condená-las totalmente.
As privatizações das refinarias estão condenadas?
Com certeza, esse movimento de trocar o presidente da Petrobras vai dificultar as privatizações de refinarias, se não condená-las totalmente.
Essa mudança de posição está relacionada à aproximação do governo com o Centrão?
Existem teorias de que essa mudança na Petrobras foi para abrir espaço para pessoas indicadas pelos partidos da base, tanto em Itaipu quanto na Petrobras. Mas é uma teoria, precisamos acompanhar as indicações para verificar se isso realmente se confirma.